Número de processos parados em tribunais tributários recua 45%. Arbitragem fiscal ajudou a estes números?
Vários especialistas reuniram-se, no passado dia 12 de março no estúdio ECO, para discutirem os resultados de um estudo, desenvolvido pela Lisbon Public Law, sobre a Arbitragem Tributária em Portugal.
Um recente estudo realizado pela Lisbon Public Law sobre a Arbitragem Tributária revelou que os contribuintes ganharam 63,3% do número de processos decididos pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 2023, mas o fisco viu o CAAD dar-lhe razão em mais de metade dos processos de valor superior a milhão de euros.
Em entrevista realizada no estúdio ECO, Nuno Villa-Lobos, presidente do CAAD, explicou que este relatório é mais uma etapa e mais uma adenda no objetivo de transparência e de informação do CAAD. “Aquilo que nós fazemos é prestar contas. É essa a nossa função e é isso que temos que fazer. É nossa obrigação”, referiu.
Prosseguindo a bandeira da transparência, Nuno Villa-Lobos explicou que começou por ser um protocolo, mas que depois acabou por ficar plasmado na própria lei e no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
“Desde logo o sorteio público dos árbitros, a criação da figura do árbitro presidente com um conjunto de garantias acrescidas e ainda, se quiser, um acórdão sanitário entre as funções de árbitro e as funções de árbitro quando a formação profissional seja a de advogado, impedindo que haja uma simultaneidade entre o exercício das funções de árbitro e a possibilidade de ser elegível ele próprio ou alguém do escritório tiver um processo no caso para ser resolvido”, explicou.
Sobre a justiça fiscal, Nuno Villa-Lobos considera que se tem estado a fazer uma “cristalização”, um “diagnóstico”. “Já e felizmente já não está atualizado. É preciso carregar no botão do refresh e atualizar a informação”, disse.
“Se eu lhe disser que de 2015 para 2023 teremos passado de uma pendência nos tribunais tributários de primeira instância de 54.300 para o limiar, atendendo aos dados que não estão consolidados de 2023, de 30.000, que é uma recuperação de 45%. Isto é absolutamente notável e eu ainda não vi isto referido em lado algum”, avançou. O presidente do CAAD sublinhou ainda que não havia uma pendência nos tribunais tributários de cerca de 30.000 processos desde que os mesmos foram criados, em 2004.
Houve uma evolução nos tribunais tributários de 23.000 impugnações em 2015 para 11.000, isto é mais de metade. Isto é extraordinário.
“Também o Tribunal Central Administrativo Sul pela primeira vez teve um reforço das vagas. Trabalhava com 12 juízes desembargadores, sendo que o que estava previsto eram 20, e neste momento estão 20. Neste momento temos especialização, ou seja, em 2025 provavelmente já estaremos em velocidade cruzeiro”, garantiu.
Assim, considera que a arbitragem tem funcionado a par dos tribunais estaduais e “felizmente” têm estado a fazer este percurso com “grandes sinergias” e que a justiça fiscal está “francamente melhor”. “Eu sei que isto é contra intuitivo, mas a justiça fiscal está francamente melhor”, acrescentou.
Números apresentados por Nuno Villa-Lobos revelaram ainda que no final deste terão cerca de 10.000 processos entrados, sendo que há um “deslocamento dos processos tendencial entre os processos que entram na arbitragem que são processos que não entram para os tribunais tributários”.
“Fiz esta comparação entre 2015 e 2023 dos números totais da arbitragem da área tributária dos tribunais do Estado. Mas se eu fizer uma análise mais fina, em que refira não a esses números totais de todo o tipo de ações, mas só um tipo específico, as únicas em que o CAAD tem intervenção são as impugnações. Houve uma evolução nos tribunais tributários de 23.000 impugnações em 2015 para 11.000, isto é mais de metade. Isto é extraordinário” disse.
Uma das conclusões do estudo revelou que os contribuintes ganharam 63,3% dos processos decididos pelo CAAD em 2023, mas ainda assim foi a Autoridade Tributária (AT) que venceu os processos de maior valor, superiores a um milhão de euros. “Aquilo que o estudo refere é que há uma presunção de legalidade dos atos tributários e, à partida, quando a AT emite um ato há uma presunção, esse ato é válido. Ora, se a jusante há demasiadas declarações de ilegalidade, temos aqui um problema”, revelou.
Segundo Nuno Villa-Lobos, existe muita litigância suprimida e que há pessoas que se conformam. “O estudo analisou cerca de 3.000 decisões dos tribunais estaduais e cerca de 3.000 decisões da arbitragem tributária no período compreendido entre 2019 e 2022. Dessas 3.000 decisões arbitrais, 701 não podiam ter sido decididas de outra maneira. Estamos a falar de 23,5%. E porque é que não podiam ser decididas de outra maneira? Ou assentaram em revogações da própria administração tributária, na pendência do processo ou assentaram no cumprimento de acórdãos de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ou assentaram em acórdãos do Tribunal de Justiça”, explicou.
O presidente do CAAD revelou ainda que o Estado português é o quinto pior em termos de desempenho num estudo da OCDE, que analisou o sentido das decisões dos tribunais do Estado mas transitadas em julgado, ou seja, já não suscetíveis de recurso. “Não é um número bonito e que merece uma reflexão e estudo”, disse.
Sobre o trabalho do CAAD na redução da litigância, Nuno Villa-Lobos nota que nos últimos anos tem havido uma redução não muito pronunciada, mas uma redução de impugnações entradas nos tribunais tributários de Estado, seja abaixo do limiar dos 3.000 processos. Quando há uns anos, houve anos em que entraram 4.500 processos, criando ali um grande desequilíbrio estrutural com os tribunais do Estado.
“Em relação ao nosso caso, não posso fazer esse mesmo paralelo porque acabámos de sair de um ano com maior número de processos de sempre, em que ultrapassamos pela primeira vez os 1.000 processos entrados. Creio que este ano, se continuar a evolução, tal como os dados do primeiro trimestre sugerem, chegaremos aos 1.200”, acrescentou.
O CAAD é o Centro de Arbitragem Voluntária em regime de prevenção de conflitos de interesse mais encorpado, mas densificado, mais robusto em relação a todos e que cumprimos a generalidade das recomendações.
Relativamente ao papel dos árbitros, Nuno Villa-Lobos relembrou que, ao contrário dos juízes dos tribunais de Estado, os árbitros do CAAD não têm exclusividade. “Isso é uma diferença que nos obriga a ser mais exigentes. E nós assumimos essa exigência desde o arranque da nossa atividade e temos vindo a dar passos consecutivos no sentido desse reforço”, disse, sublinhando que não faz sentido que haja exclusividade.
“Uma das coisas que é referida no estudo é que, em termos comparativos, o CAAD é o Centro de Arbitragem Voluntária em regime de prevenção de conflitos de interesse mais encorpado, mas densificado, mais robusto em relação a todos e que cumprimos a generalidade das recomendações”, disse.
De forma a serem mais transparentes, Nuno Villa-Lobos considera que a publicitação das decisões é absolutamente vital. “As decisões são publicadas em múltiplas plataformas, mas tem aqui um outro efeito que é importante e é um efeito potencialmente de redução de litigância”, notou.
O presidente do CAAD afirmou ter propostas para melhorar o desempenho dos tribunais arbitrais que atuam em direito público, não os do CAAD, considerando ser “absolutamente urgente” regulamentados. Assim, já apresentou um memorando à ministra da Justiça com um conjunto de propostas de envolvimento do Tribunal de Contas na resolução dos litígios nos tribunais arbitrais, no âmbito das PPP.
Em relação à justiça fiscal em geral, Nuno Villa-Lobos acredita que não é necessário alterar a lei. “ Só é preciso uma coisa: cumpri-la”, disse.
Na mesma conferência do ECO “A Arbitragem Tributária ao Raio-X”, Carlos Blanco de Morais, professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa e coordenador Científico do Lisbon Public Law, apresentou os quatro eixos do relatório: seleção de árbitros e critérios de escolhas, comparação de decisões dos tribunais tributários estaduais com as dos tribunais arbitrais, impacto das decisões dos tribunais arbitrais noutras jurisdições, na AT, e no Tribunal de Justiça da UE, e se a arbitragem institucionalizada na área tributária implicou algum desinvestimento na jurisdição estadual.
Sobre a independência e critério de seleção dos árbitros, Carlos Blanco de Morais sublinhou que o sistema de designação inspira-se um pouco, no que toca ao algoritmo, no caráter aleatório que também está presente na escolha de uma distribuição de processos pelos juízes dos tribunais administrativos e fiscais. “Isto obviamente que limita em parte a escolha dos árbitros pelas partes. Claro que podem escolher árbitros, mas terão de pagar uma taxa e por isso mesmo, digamos, a percentagem de árbitros escolhidos pelas partes na totalidade é relativamente baixa”, disse.
Celeridade na resolução de processos e qualidade das decisões foram algumas das vantagens do CAAD apresentadas pelos especialistas. “O tempo médio é de quatro meses e meio. Portanto, a celeridade é o grande argumento da arbitragem”, referiu Carla Castelo Trindade, professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica e árbitra presidente da área de arbitragem fiscal. Qualidade das decisões foi outra das vantagens apontadas.
Sérgio Vasques, professor da Faculdade de Direito da Católica e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sublinhou a adesão à arbitragem e prova disso são os números apresentados no estudo. “Temos 800 a 900 processos novos por ano e isso significa que a arbitragem vingou junto dos contribuintes pela celeridade, que permite não só uma decisão rápida, mas o acesso rápido às instâncias europeias, ao Tribunal de Justiça da UE”, sublinhou.
Ainda assim e face à demanda, Carla Castelo Trindade revelou que não tem havido o “investimento necessário”. “A arbitragem, sendo um direito potestativo dos contribuintes, é a alternativa à impugnação judicial”, disse.
“No que toca a arbitragem fiscal, estamos além daquilo que a Europa faz. Somos os pioneiros para o bem e para o mal, e esta experiência tem suscitado o interesse de colegas tributaristas de outras jurisdições. É claro que para se implementar um sistema deste tipo é preciso um certo conserto político e um acordo de vontades que nem sempre é fácil”, notou Sérgio Vasques.
Tânia Carvalhais Pereira, professora da Faculdade de Direito da Católica e coordenadora do departamento jurídico do CAAD, revelou que o CAAD tem participado em vários projetos de investigação a nível internacional, sendo Portugal um exemplo que está a ser estudado. “Portugal tem sido pioneiro na arbitragem tributária, mas também tem sido estudado a nível internacional”, acrescentou.
Como as coisas correm muito bem e muito rápido no CAAD, pode-se assumir, em tese, que o Estado deixa de investir na justiça tributária tradicional?”. Este foi o mote para a intervenção de José Duarte Coimbra, assistente convidado da Faculdade de Direito de Lisboa e investigador do Lisbon Public Law.
“Nós centramos a nossa análise naquilo que podem ser consideradas medidas de investimento na justiça administrativa e tributária, especialmente na tributária, de 2011 em diante. E a resposta que obtivemos foi que o funcionamento célere e eficiente da justiça tributária arbitral não provocou uma falta de investimento na justiça tributária estadual”, explicou.
Segundo José Duarte Coimbra, ao nível da estrutura institucional e num plano mais macro, pouca coisa mudou desde 2011, uma vez que a justiça tributária estadual continua a ser composta por uma estrutura tripartida em três instâncias.
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