Letta quer fundo para evitar “medo” de beneficiários como Portugal com expansão da UE
Enrico Letta afirmou em entrevista à agência Lusa que "muitos países correm hoje o risco de perder benefícios devido ao alargamento e, naturalmente, Portugal é um deles".
O antigo primeiro-ministro italiano Enrico Letta defende a criação de um mecanismo de solidariedade para financiar o alargamento da União Europeia (UE), visando evitar o “grande medo” dos principais beneficiários líquidos, como Portugal, com a adesão da Ucrânia.
No dia em que apresentou em Bruxelas o seu relatório sobre o futuro do mercado interno da UE, no qual defende a criação de um mecanismo de solidariedade para expansão do bloco comunitário “dotado dos recursos financeiros necessários para gerir externalidades e facilitar o processo”, Enrico Letta afirmou em entrevista à agência Lusa que “muitos países correm hoje o risco de perder benefícios devido ao alargamento e, naturalmente, Portugal é um deles”.
“A perceção que tenho hoje é que há um grande medo [entre estes países] de perderem os benefícios por causa do alargamento”, no que toca às verbas de coesão ou da política agrícola comum, acrescentou o também presidente do Instituto Jacques Delors, salientando ser por isso necessário “acompanhar o alargamento” de meios financeiros.
“Este é, a meu ver, um ponto fundamental e quando falo em alargamento não é para os Balcãs Ocidentais – o tema principal é a Ucrânia, evidentemente, sobre as infraestruturas de coesão e sobre o tema da agricultura”, acrescentou Enrico Letta à Lusa. Tais preocupações devem-se, desde logo, ao facto de a Ucrânia ser “um país com uma situação particular atual, em que é necessário proceder à reconstrução” pós-destruição causada pela invasão russa, e também por ser “um país grande”, que se tornará no maior da UE quando aderir ao bloco comunitário.
“Temos de considerar que se trata de algo invulgar”, adiantou Enrico Letta, nesta entrevista à Lusa em Bruxelas. No seu relatório “Muito mais que um mercado”, o responsável sublinha ser “essencial ter em conta as preocupações dos atuais Estados-membros da UE”, uma vez que as regras europeias preveem que as verbas da coesão se dirijam principalmente aos países e regiões mais pobres, o que levará a que, com a adesão da Ucrânia e as suas necessidades pós-guerra, passe a ser dos principais beneficiários.
Nesse âmbito, Enrico Letta propõe “um mecanismo de solidariedade para o alargamento, com base numa avaliação ex ante, baseada em dados dos custos do alargamento e do seu impacto no mercado único”.
“Alguns setores e alguns Estados-membros estarão mais expostos do que outros às externalidades do processo de alargamento, [pelo que] deverá ser calculado um instrumento de financiamento adequado para apoiar e compensar estes desequilíbrios, com o objetivo de assegurar um processo de adesão harmonioso tanto para os Estados-membros como para os países candidatos”, acrescenta.
Enrico Letta apela ainda para que o processo de expansão da UE “não seja entendido, nem pelos governos nem pelos cidadãos, como um fim do apoio ao crescimento e à convergência – em especial para os países que aderiram mais recentemente – proporcionado pela política de coesão e pela política agrícola comum”.
“As políticas de acompanhamento para os atuais Estados-membros e uma reforma da política de coesão parecem ser decisivas”, adianta. O presidente do Instituto Jacques Delors foi incumbido pela presidência belga do Conselho da UE de realizar este relatório para aumentar a competitividade europeia, tendo por isso realizado 400 reuniões em 65 cidades europeias, incluindo com o anterior executivo português de António Costa, durante o processo de preparação.
O antigo primeiro-ministro italiano disse ainda que o seu relatório sobre o mercado interno “não é um livro de sonhos” e contém “medidas concretizáveis” para a União Europeia (UE), nomeadamente para investimento conjunto em defesa. “Não queria escrever um livro de sonhos. O relatório não é um livro de sonhos, o relatório é um conjunto de propostas razoáveis e exequíveis e, por exemplo, não proponho qualquer alteração aos Tratados”, afirmou Enrico Letta em entrevista à agência Lusa em Bruxelas, no dia em que apresentou o seu contributo sobre o futuro do mercado interno da UE.
No relatório, Letta sugere “um mercado comum da indústria da defesa” para “promover a paz e reforçar a segurança”, com iniciativas como emissão de dívida conjunta com planos de reembolsos claros, empréstimos em condições favoráveis e apoio do Banco Europeu de Investimento (BEI) para financiar o investimento da UE nesta área.
Na entrevista à Lusa, o responsável falou num “conjunto de ferramentas” propostas para, desde logo, alavancar investimento privado e público. No que toca à emissão de dívida conjunta para financiar as necessidades de defesa, admitiu que a proposta de repetir tal iniciativa ainda é “muito fraturante” entre os líderes da UE. “Este relatório é para o Conselho Europeu, para os líderes e para a Comissão, por isso tem de ser algo razoável e com ideias e passos que se possam tornar realidade”, acrescentou.
O relatório surge numa altura em que se estima que a UE necessite de 100 mil milhões de euros para responder às lacunas de investimento em defesa e segurança e para reforçar a capacidade e apoiar a Ucrânia devido à invasão russa, iniciada em fevereiro de 2022. Depois de uma emissão de dívida conjunta bem-sucedida aquando da covid-19, que permitiu suportar os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR), discute-se agora repetir essa iniciativa na UE para obter os recursos orçamentais necessários para reforçar a indústria de defesa, algo que era impensável antes da invasão russa da Ucrânia.
“A nossa capacidade industrial nos domínios da segurança e da defesa deve sofrer uma transformação radical para evitar repetir a dinâmica observada durante 2022-2024. Nesse período, ao apoiar a Ucrânia, os europeus gastaram montantes substanciais, mas cerca de 80% desses fundos foram gastos em materiais não europeus”, critica Enrico Letta no relatório.
O documento será apresentado aos líderes da UE na quinta-feira, incluindo ao novo primeiro-ministro, Luís Montenegro, que se ‘estreia’ estes dias no Conselho Europeu, para futuramente as dezenas de medidas agora sugeridas terem seguimento. O alargamento é o processo pelo qual os Estados aderem à UE, após preencherem requisitos ao nível político e económico. A Ucrânia tem estatuto de país candidato à UE desde meados de 2022.
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