Maioria das empresas que testaram semana de quatro dias decidiu não voltar atrás
Das 21 empresas que começaram a testar a semana de quatro dias no verão do ano passado, só quatro voltaram atrás. Empresas que queiram vir a experimentar modelo inovador vão ter "starter pack".
A maioria das empresas portuguesas que experimentaram a semana de trabalho de quatro dias decidiu não voltar atrás, indica o relatório final desse projeto-piloto. Em declarações ao ECO, o coordenador Pedro Gomes salienta que o teste correu melhor entre as empresas que fizeram mais mudanças internas — por exemplo, ao nível das reuniões, do trabalho em equipa e da adoção de tecnologia.
O projeto-piloto à semana de trabalho de quatro dias consistiu num teste de seis meses, voluntário e reversível, no setor privado, sem cortes salariais e sem qualquer contrapartida financeira do Estado.
No total, 21 empresas decidiram começar a testar a semana mais curta, a partir de junho do ano passado. E a maioria, entretanto, decidiu que não quer (pelo menos, para já) regressar aos tradicionais cinco dias de trabalho por semana.
De acordo com o relatório final, que foi divulgado esta segunda-feira pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), apenas quatro das referidas empresas decidiram voltar atrás. Das restantes 17, a maioria optou por estender o teste.
Entre as restantes, cinco optaram por “reduzir a escala da semana de quatro dias”, duas mantiveram a redução para 36 horas, mas passaram a dar a tarde de sexta-feira aos seus trabalhadores, uma começou a experimentar a quinzena de nove dias e duas outras vão reduzir a semana de trabalho apenas durante os meses do verão (de junho a agosto).
Além destas empresas, outras 20 que já tinham começado a experimentar a semana de trabalho mais curta associaram-se a este projeto-piloto, sendo que, entre estas, “metade já considera o novo formato como permanente“, e seis estão a continuar a testar.
Em conversa com o ECO a propósito deste relatório, que será oficialmente apresentado no final desta semana numa conferência na Universidade do Porto, o coordenador Pedro Gomes destaca como “indicador mais interessante” o facto de ter sido entre as empresas que fizeram mais mudanças aos seus processos que o teste à semana de trabalho mais curta correu melhor.
“Entre as empresas que mudaram dois ou mais processos, 92% mantêm a semana de quatro dias. Do outro lado, nas empresas que não fizeram qualquer alteração, só 62% mantiveram esse formato”, detalha o também professor universitário.
“Os números refletem essa condição essencial nas empresas que foram bem sucedidas: é preciso uma mudança grande na organização do trabalho. Quanto mais mudanças, melhor corre operacionalmente e, depois, as empresas sentem que conseguem manter o mesmo serviço, os trabalhadores estão mais contentes e não querem voltar para trás”, sublinha o mesmo.
Na visão de Pedro Gomes, a semana de trabalho de quatro dias fica assim demonstrada como uma “alavanca” para outras mudanças no seio das organizações, como a adoção de tecnologia e a melhoria das práticas de trabalho em equipa.
“Com este estudo, percebemos que a semana de quatro dias é uma prática de gestão legítima“, acrescenta o coordenador. De acordo com o relatório, entre as vantagens desse formato, estão o aumento da atratividade dos empregadores no mercado de trabalho, a melhoria do funcionamento das equipas e do trabalho criativo. “80% dos administradores avaliam o teste como financeiramente neutro. Apenas uma organização teve de contratar mais trabalhadores”, é acrescentado.
Do lado dos trabalhadores, há a destacar a redução do absentismo, a queda “evidente” da exaustão e desgaste e o melhor equilíbrio entre trabalho, família e vida pessoal, como mostram as tabelas abaixo. Tanto que 93% dos trabalhadores gostaria de continuar neste formato, revela o relatório final.
Mais. O projeto-piloto permitiu perceber também que são os trabalhadores com salários e qualificações mais baixas que valorizam mais a semana de quatro dias, o que “desafia a ideia de que esta prática é destinada apenas a uma elite altamente qualificada“.
É que, regra geral, estes trabalhadores têm menos acesso ao teletrabalho e menor autonomia na gestão das suas horas. “Por conseguinte, apreciam muito mais o dia livre, que lhes permite realizar várias atividades que anteriormente eram mais difíceis de conciliar, comparado com detentores de qualificações superiores”, lê-se no relatório final.
Fica também claro que houve um aumento somente marginal da percentagem de trabalhadores com uma segunda atividade por efeito da semana de trabalho mais curta. “A preocupação com o aumento da incidência de uma segunda atividade não parece ser
apoiada nos dados deste projeto”, explicam os especialistas.
Empresas vão ter kit de iniciação para semana de quatro dias
Com a apresentação do relatório final, o projeto-piloto à semana de quatro dias chega ao fim. Mas as empresas que tenham interesse em testar esse modelo vão ter acesso a algum apoio: a equipa coordenadora vai disponibilizar a partir do último trimestre deste ano um kit de iniciação (ou starter pack).
“O objetivo é oferecer um apoio – embora limitado – às empresas, ao mesmo tempo que continuamos a investigação académica e monitorizamos a adesão a esta prática pelo tecido empresarial português”, é explicado no relatório final.
Ao ECO, Pedro Gomes adianta que, ao longo do último exercício, houve várias sessões que foram gravadas e material produzido, que serão disponibilizado às empresas que testem a semana de quatro dias. “Apenas fornecemos o material, não o apoio” de consultoria, clarifica o coordenador. “Em contrapartida, recolhemos dados para usarmos em artigos académicos”, realça o mesmo.
Além disso, está a ser estudada a possibilidade de um acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) para continuar a investigação académica após o final do projeto, “visando uma análise mais detalhada e de longo prazo dos efeitos da semana de quatro dias”.
Ainda que este projeto-piloto que a semana de quatro dias possa, sim, funcionar (e em todos os setores), Pedro Gomes salienta que o teste serviu apenas como prova de conceito, já que as empresas participantes não são representativas das empresas típicas em Portugal.
É importante incentivar mais organizações a testar a semana de quatro dias, especialmente grandes empresas.
Por exemplo, a maioria das lideranças dos empregadores que participaram no teste são ocupadas por mulheres. Olhando para o mercado português, essa predominância feminina não é a regra. “Estas empresas são especiais. Isso diz-nos que devemos ter cuidado na extrapolação“, alerta Pedro Gomes.
Nesse sentido, os coordenadores assinalam que os resultados não justificam a implementação da semana de quatro dias por legislação. Antes, é importante incentivar as diferentes organizações a irem testando este formato, afirma o relatório final, “especialmente as grandes empresas”.
“A partir de agora, é sobretudo o setor privado a ver se de lado e de um outro — do lado dos empregadores e do lado dos trabalhadores — existe valor” neste modelo, remata Pedro Gomes.
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