Ministra quer premiar cúmplices de crimes que denunciem corrupção, mesmo que seja só no julgamento

Na agenda anticorrupção, a ministra da Justiça quer alargar a possibilidade de premiar os cúmplices de crimes que denunciem casos de corrupção, mesmo que só o façam na fase de julgamento.

A ministra da Justiça quer alargar a possibilidade de premiar os cúmplices de crimes que denunciem casos de corrupção, mesmo que só o façam na fase de julgamento. Na agenda anticorrupção, Rita Alarcão Júdice avança com a hipótese de “um robustecimento dos atuais mecanismos premiais que poderá passar pelo alargamento das fases processuais em que se admite a aplicação de determinadas medidas [de cariz] premial – como a viabilidade de estender à fase do julgamento a possibilidade de aplicação do instituto da dispensa de pena”, bem como por um alargamento dos crimes que possam ser alvo deste mecanismo.

As 32 medidas da agenda anticorrupção foram dadas as conhecer no dia 20 de junho, após terem sido aprovadas em Conselho de Ministros. Regulamentar o lóbi; ter atenção às autarquias e a sua relação com empresas locais; voltar a pôr na agenda a delação premiada, reforçando o seu alcance; criar uma “lista negra” de fornecedores do Estado; e recorrer mais vezes aos advogados do Estado e menos a sociedades de advogados são algumas das medidas incluídas na agenda.

“Neste contexto, será de ponderar, designadamente, que a aplicação de uma medida premial deixe de estar dependente da exigência da restituição até determinado momento da vantagem económica relacionada com o crime praticado, sujeitando-se a perda de bens às regras gerais. Sendo certo, de todo o modo, que importa acautelar os riscos para a própria descoberta da verdade e para a prossecução das finalidades do processo penal que um incentivo demasiado significativo para a colaboração pode acarretar”, diz o relatório da agenda anticorrupção, já disponível para consulta pública durante 30 dias úteis.

Rita Alarcão Júdice, ministra da Justiça.Hugo Amaral/ECO

O que é a colaboração premiada?

Brasil, Estados Unidos e Reino Unido foram os três países ‘pioneiros’ que trouxeram para a prática jurídica o mecanismo da delação ou colaboração premiada. E o que é, afinal esse mecanismo, trazido à discussão pública, em 2019, pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, ao anunciar uma plano nacional de combate à corrupção? É a possibilidade prevista no processo penal em que alguém que esteja envolvido numa investigação criminal ou que seja pelo menos cúmplice de um crime, ajudando as autoridades judiciárias, possa vir a ter uma redução de pena. Ou mesmo uma não condenação. A ideia é contrariar as condenações irrisórias pelo crime de corrupção, devido à dificuldade da prova. No Brasil, por exemplo, além do testemunho, o “colaborador” tem que apresentar provas do que alega.

O que alterou o Governo socialista?

Desde 2021 que se passou a permitir uma dispensa de pena ou a suspensão provisória do processo para o delator/denunciante, desde que a denúncia do crime seja efetuada antes da instauração do inquérito. E desde que o agente contribua decisivamente para a descoberta da verdade, se colaborar ativamente na descoberta da verdade, contribuindo de forma relevante para a prova dos factos. Foram ainda contempladas medidas dirigidas especialmente às pessoas coletivas, como, por exemplo, a possibilidade de a suspensão provisória do processo se submeter à injunção de adotar mais medidas de compliance na empresa, de forma a prevenir a prática de crimes. Foi acautelado que a aplicação do instituto da dispensa de pena não afasta a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de cargos políticos. Na altura, foram chamadas de medidas “meramente cirúrgicas” pela ministra Francisca Van Dunem. Basicamente, retirou-se da lei a existência do prazo de 30 dias para a denúncia do crime.

A juntar à já existente possibilidade de os arguidos beneficiarem da suspensão provisória do processo, através da aplicação de uma injunção para o pagamento do que é devido ao Estado, passou a ser possível criar um acordo negociado de sentença, isto é, o arguido admite o crime e a culpa, dispõe-se a devolver o produto conseguido através do crime económico e, em contrapartida, o juiz propõe uma pena efetiva reduzida.

O que estava previsto na lei portuguesa antes de 2021?

Na alteração de 2017 à chamada lei da corrupção no fenómeno desportivo, a Assembleia da República aprovou um regime próximo à delação premiada, ao ficar consagrado que as penas podem ser atenuadas “se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisiva para a identificação ou a captura de outros responsáveis”.

Esta figura está igualmente prevista no Código Penal para o crime de corrupção ativa, prevendo-se também uma “pena especialmente atenuada” ao agente do crime que “até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, auxiliar concretamente na obtenção ou produção das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis”. Também no regime contraordenacional da Autoridade da Concorrência está previsto um “regime de clemência”.

Ainda enquanto procuradora distrital de Lisboa, cargo que ocupou antes de entrar no Executivo de António Costa, Francisca Van Dunen mostrava-se mais favorável à introdução no sistema português da negociação da pena, algo que aliás tentou implementar, mas que o Supremo Tribunal de Justiça, em 2013, acabou por anular.

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