Apesar do ataque contra Trump, restringir o acesso a armas nos EUA continua fora de questão
Republicanos não atribuem o ataque contra o seu líder à lei em vigor desde 1791, enquanto os democratas, habituais defensores da restrição ao acesso a armas, temem agravar tensões se tocarem no tema.
Seria de esperar que um incidente como a “tentativa de assassínio” com uma arma de fogo, especialmente de um ex-presidente e candidato presidencial, levasse, pelo menos, a um apelo a um maior controlo do acesso a armamento pela população. Não nos EUA, onde o direito à posse de armas está até inscrito na Constituição.
“Pareceria lógico” que um ataque como o ocorrido no passado sábado, em que Donald Trump foi atingido a tiro numa orelha enquanto discursava num comício político em Butler, no Estado norte-americano da Pensilvânia, conduzisse a uma alteração à política de armas no país, mas a questão é uma “marca identitária”, sobretudo para o Partido Republicano, constata Bruno Cardoso Reis, doutorado em Segurança Internacional pelo King’s College de Londres, ao ECO.
Os membros do GOP (em português, Grande Velho Partido, como é comummente designado o Partido Republicano nos EUA) não atribuem o ataque contra o seu líder à lei que permite o porte civil de armas. Por sua vez, têm-se focado em imputar responsabilidades à Administração norte-americana por falhas nos serviços de segurança ou em acusar o atual Presidente e os democratas de que foi o seu discurso, em que dizem que o antecessor de Biden é “um fascista autoritário que tem de ser travado a todo o custo”, que “levou diretamente à tentativa de assassinato de Trump”, como afirmou o recém-nomeado candidato a vice-presidente republicano, o senador do Ohio J.D. Vance.
Para Alberto Cunha, doutorando em Estudos Europeus no King’s College, “nenhuma referência a uma reforma da lei sobre o porte de armas foi ou deverá ser feita” pelos republicanos, dado que “o partido está unido na oposição a qualquer maior restrição” na venda ou posse das mesmas. É uma posição que, acrescenta Bruno Cardoso Reis, “nenhum massacre ou ataque parece ser capaz de alterar”.
Durante a convenção do Partido Republicano, que decorre até quinta-feira em Milwaukee (Wisconsin), a Reuters entrevistou 12 delegados apoiantes de Donald Trump, dos quais nenhum defendeu a imposição de limites ou proibições de armas como a espingarda semiautomática AR-15, usada pelo atirador no ataque de sábado e bastante comum nos EUA (estima-se que existam 44 milhões deste tipo no país), o aumento da idade legal para adquirir uma arma ou mesmo uma verificação mais rigorosa dos antecedentes de quem quer comprar armas.
A oposição do GOP à restrição do acesso a armas deve-se, por um lado, ao processo histórico de construção dos Estados Unidos, desde a luta pela independência à Guerra Civil, e, por outro, ao facto de a National Rifle Association (NRA) – a principal organização norte-americana de lobby pró-armas de fogo, que, segundo a própria, tem mais de seis milhões de membros – ser uma das maiores financiadoras do partido.
Trata-se de um “caldo cultural que faz com que, até hoje, muitos norte-americanos se achem pura e simplesmente no direito inalienável que nenhuma lei ou Estado pode violar, que é ter na sua posse armas para se poderem defender das várias ameaças”, resume Luís Tomé, professor catedrático e diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL).
O “direito de posse e porte de armas” é conhecido como “Second Amendment” (Segunda Emenda) da carta de direitos da Constituição dos EUA, onde está inscrito desde 1791 e é interpretado como um direito constitucional e individual. A alteração mais recente à legislação federal ocorreu em 2022, quando o Congresso norte-americano aprovou um projeto-lei que ampliou as condições para a compra de armas por menores de 21 anos e previa milhões de dólares em financiamento destinado à promoção da saúde mental e incentivos para os Estados incluírem registos juvenis no Sistema Nacional de Verificação de Antecedentes Criminais.
Do lado dos democratas também ninguém invocou o assunto após o incidente – embora, por norma, defendam uma reforma da lei para restringir o porte de armas, especialmente quando há tiroteios em escolas. Nas declarações que fez ao país nas 24 horas seguintes, o Presidente Biden limitou-se a apelar à união e a condenar o ataque contra o seu adversário. “Na América, resolvemos as nossas diferenças nas urnas, não com balas. O poder de mudar a América deve estar sempre nas mãos do povo – e não nas mãos de um aspirante a assassino”, afirmou.
“Podia ter dito qualquer coisa subliminarmente, mas nem sequer quis tocar nisso”, observa o investigador Luís Tomé. Porquê? “Iria agravar tensões e dividir ainda mais e, neste momento, não é favorável para os democratas porem essa matéria em cima da mesa, tendo em conta que a vítima foi um republicano que defende e continua a defender a posse de armas“, argumenta, ressalvando, no entanto, que “daqui a algum tempo, se quiserem mostrar diferenças”, poderão voltar a falar no assunto.
Não obstante, sem maioria na Câmara dos Representantes e sem o apoio republicano, os democratas não conseguirão promover qualquer alteração à lei de posse de armas no país que, segundo a organização não-governamental suíça Small Arms Survey, tem o maior arsenal de armas nas mãos da população, num total de 393 milhões em 2023.
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