Descida seletiva do IRC do PS obriga a negociar com Bruxelas

Se o Governo ceder na sua proposta e reduzir o imposto apenas para determinadas empresas, como defendem os socialistas, terá de pedir autorização à UE para não violar a regra das ajudas de Estado.

O PS defende uma nova “estratégia” para a reforma do IRC em vez da redução transversal da taxa nominal, de 21% para 15%, como propõe o Governo. Isto significa aprofundar os benefícios fiscais em setores estratégicos e em empresas que reinvistam os lucros. Mas, para evitar uma violação da regra europeia para as ajudas de Estado, será necessário pedir uma autorização a Bruxelas, caso contrário “a taxa geral teria de baixar para todas as empresas”, revelou ao ECO o fiscalista Carlos Lobo.

Neste momento, já existem vários regimes que dão um desconto no imposto como o Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial (SIFIDE), o incentivo fiscal à valorização salarial ou o incentivo à capitalização. Por exemplo, “o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) já atingiu o limite do benefício”, indicou o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especializado em Finanças Públicas.

Ou seja, para aprofundar este instrumento será necessário negociar com a Comissão Europeia, sob pena de Portugal estar a infringir as regras dos auxílios do Estado. Sem o aval de Bruxelas, será necessário reduzir a taxa geral (21%) para diminuir a diferença entre a tributação global e a que é aplicada sobre determinadas empresas que cumpram certos critérios.

“Há sempre limites que têm de ser respeitados e que têm como referência a taxa global. Se queremos descer mais o imposto sobre algumas empresas, então para que a diferença face ao imposto global não ultrapasse o teto definido, é preciso que taxa geral também baixe“, explicou Carlos Lobo.

A contraproposta para a descida do IRC apresentada pelo Governo ainda está a ser cozinhada no seio dos socialistas, mas o ECO apurou, junto de fontes ligadas ao processo, que os pressupostos assentam no que já estava plasmado no programa eleitoral e na política seguida pelos anteriores Governos de António Costa: não baixar transversalmente a taxa, mas oferecer incentivos fiscais, em sede de IRC, a empresas que invistam em investigação e desenvolvimento, que aumentem salários, designadamente, as que se encontrarem em setores estratégicos para a competitividade da economia. Será com este o pensamento que Pedro Nuno Santos parte para as negociações para o Orçamento do Estado de 2025 (OE2025) que arrancam esta sexta-feira.

Do lado do Governo, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, admite sentar-se à mesa para conversar, mas sem violar o espírito do programa do Governo, “o único em vigor”, afirmou durante o debate do estado da nação desta quarta-feira. O líder da bancada parlamentar, Hugo Soares, já indicou que há disponibilidade para discutir a “modelação” da descida do IRC, ainda que o partido insista na baixa transversal do imposto, argumentando que “98% das empresas que pagam IRC são micro empresas e essas pagam cerca de 48% do IRC”, salientou o vice-presidente do grupo parlamentar social-democrata, Hugo Carneiro, no espaço de comentário da SIC Notícias. “Se às micro juntarmos as médias empresas, no conjunto pagam 63% do IRC”, acrescentou.

Mas, para o PS, as soluções apresentadas pelo Executivo da Aliança Democrática (AD) são “erradas”, porque assentam em “diagnósticos errados”, contra-argumentou o deputado do PS e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. “A receita do IRC não decorre apenas da taxa geral de IRC, decorre da taxa geral do IRC que é de 21%, das derramas estadual e municipal e das tributações autónomas e a esmagadora maioria das PME e das micro, ainda mais, o que pagam de IRC não tem nada a ver com a taxa geral, tem a ver com as tributações autónomas, nomeadamente sobre as viaturas“, esclareceu o socialista.

“O que o Governo se propõe é perder 1.500 milhões de euros de forma permanente e esta receita decorre da taxa de IRC que é essencialmente paga pelas empresas que têm mais lucros”, continuou Mendonça Mendes. Sem querer “diabolizar as grandes empresas”, que são sobretudo “dos setores financeiro – banca e seguradoras – e da distribuição, dos supermercados”, o deputado denunciou que “tipicamente usam a margem de lucro não para fazer reinvestimento em setores produtivos e industriais, mas para fazer distribuição de dividendos aos seus acionistas”. Por isso, a proposta de descida transversal do IRC do Governo “é uma medida que, do ponto de vista económico, não tem a virtualidade que a AD quer vender”, concluiu.

Para o PS, o caminho passa por dar um maior alívio fiscal a empresas que reinvistam os lucros em inovação, tecnologia, que paguem melhores salários e em setores estratégicos de maior valor acrescentado e de forte cariz exportador, como se lê no programa com que o partido concorreu às legislativas de 10 de março. A este respeito, o antigo ministro das Finanças, João Leão, reconheceu, em declarações ao ECO, que a trajetória de Pedro Nuno Santos “está em linha com o anterior Governo de António Costa, designadamente com os Orçamentos do Estado para 2023 e 2024”.

“Em vez de reduzir o IRC de forma geral, o PS está focado em quem reinveste lucros, faz investimentos em áreas que são chave para a Comissão Europeia como o setor automóvel, designadamente os carros elétricos, os semicondutores, a inteligência artificial, saúde, biotecnologias, energia”, elencou.

No início do ano, ainda em pré-campanha eleitoral, Pedro Nuno Santos, defendeu um “desígnio nacional para a próxima década”, que passa por “selecionar um número mais limitado de áreas estratégicas onde concentrar os apoios durante uma década; concentrar a maior parte dos apoios nestas áreas, na investigação nestas áreas, nos centros de transferência de conhecimento destas áreas, no desenvolvimento de produtos e tecnologias destas áreas e nas empresas com projetos que se insiram nestas áreas estratégicas”.

O objetivo último é ter “uma economia mais sofisticada, diversificada e complexa para produzir com maior valor acrescentado, pagar melhores salários e gerar as receitas para financiar um Estado Social avançado”, sublinhou.

Porém, o economista António Nogueira Leite considera que “restringir a baixa do IRC a determinados setores ou a empresas que apenas reinvistam lucros é redutor”. “Trata-se de uma questão ideológica de como se remunera o capital, é uma limitação do direitos dos acionistas a dispor de capital”, argumentou, em declarações ao ECO.

Para o professor da Nova SBE, estamos diante de um “PS muito mais ideológico que tem dificuldade em conceptualizar a importância do capital num contexto internacional, de uma economia aberta, onde há países que praticam taxas de IRC mais baixas”.

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