Segurança Social pagou 22,2 milhões de euros a 122 IPSS em incumprimento
Das 4.996 instituições existentes, em 2022, 1.071 (22%) não apresentaram as contas, uma obrigação legal. Ainda assim, mais de uma centena continuaram a ser financiadas pelo Estado.
O Instituto da Segurança Social (ISS) pagou 22,2 milhões de euros a 122 instituições particulares de solidariedade social (IPSS) em incumprimento, porque não apresentaram as suas contas, uma obrigação legal para receber a comparticipação do Estado, conclui uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) ao sistema de gestão e controlo dos acordos de cooperação, publicada esta segunda-feira.
Das 4.996 instituições existentes, em 2022, 1.071 (21,6%) não apresentaram as contas. Ainda assim, mais de uma centena de entidades continuaram a ser financiadas pelos cofres públicos.
“No período em análise não foi cancelado ou suspenso o pagamento de qualquer acordo de cooperação pelo incumprimento das obrigações de apresentação de contas, como previsto […], tendo-se apurado que foram efetuados pagamentos a IPSS com acordos de cooperação em execução e que não tinham procedido à apresentação das contas”, lê-se no mesmo relatório. Assim, “em 2022, foram efetuados pagamentos a 122 IPSS com acordos de cooperação em execução, no total de 22,2 milhões de euros, em situação de incumprimento relativamente à apresentação de contas”, sinaliza o organismo liderado por José Tavares.
O Tribunal de Contas explica que a penalidade prevista não foi aplicada, porque se verificaram problemas técnicos que impediram o registo do incumprimento: “insuficiências na interoperabilidade entre módulos do sistema de informação, designadamente entre o subsistema de prestação de contas (OCIP) e o subsistema de gestão da cooperação (SISS/COOP)”. “Efetivamente, verificou-se que não existe no SISS/COOP a sinalização da falta de apresentação de contas das IPSS com acordo de cooperação, não desencadeando a suspensão dos pagamentos a IPSS em incumprimento quanto aos deveres legais de apresentação de contas ao ISS ou os procedimentos para destituição do órgão de administração, nos termos previstos no Estatuto das IPSS”, alerta.
A auditoria analisa o período entre 2019 e 2022 e verifica que, “de um total de 20.147 contas que, de acordo com os critérios definidos pelo ISS, deveriam ter sido apresentadas, apenas foram entregues 16.401, correspondendo a 81,4% do total”. O Tribunal realça “a tendência crescente do incumprimento da apresentação de contas das entidades registadas em OCIP no período”.
Ao TdC, a então ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, reconheceu as fragilidades na interoperabilidade dos sistemas e referiu que está “a ser desenvolvido pelo Instituto de Informática da Segurança Social em articulação com o ISS um subsistema que visa possibilitar o acompanhamento dos processos e tarefas, monitorizar a sua execução, e entre outras, notificar as entidades e as áreas do ISS quanto à necessidade de intervenção, através de um sistema de alarmística (…)”. “Este subsistema “(…) insere-se nas medidas que o Governo pretende desenvolver para tornar a Segurança Social mais eficiente na sua relação com os beneficiários e com os contribuintes, através do reforço do cruzamento de dados e aperfeiçoamento dos instrumentos já existentes”, acrescentou.
IPSS devem mais de 8 mil milhões ao Estado, mas valor está “subavaliado”
Em 2022, a dívida das IPSS à Segurança Social, no âmbito da execução dos acordos de cooperação, quase duplicou (47,2%) face ao ano anterior. Passou de 5.774 milhões de euros para 8.501,3 milhões de euros, um aumento de 2.727,2 milhões de euros, “representando cerca de 0,5% da despesa do ano com acordos de cooperação”, que, em 2022, fixou-se em “1.778.794,9 milhões de euros”, de acordo com o TdC.
“No que se refere ao número de IPSS devedoras, verificou-se um aumento de 68 IPSS face a 2021. Salienta-se ainda que 53,2% (4.520,7 milhões de euros) da dívida, no final de 2022, respeita a apenas três IPSS, não tendo este montante sofrido qualquer alteração no período 2019 a 2022″, lê-se no mesmo relatório.
No entanto, o valor da dívida “registada no balanço do ISS de 2019, 2020 e 2021 está subavaliado, por refletir unicamente os montantes que não estavam associados a planos prestacionais, em montante que não foi possível quantificar”, indica o TdC. “Acresce que também não foi possível aferir da antiguidade dessa dívida. […] Em suma, a totalidade da dívida ao ISS que está enquadrada em planos prestacionais não foi relevada contabilisticamente, não respeitando os critérios de reconhecimento e mensuração de ativos financeiros”, salienta o fiscalizador das contas públicas.
Segurança Social desconhece o número de crianças em lista de espera nas creches
A auditoria do TdC debruça-se especificamente sobre a cobertura da gratuitidade das creches do setor solidário comparticipadas pelo Estado. E deixa um alerta: “O ISS não dispõe de informação sobre o número de crianças em lista de espera nas creches, o que prejudica a quantificação das necessidades em termos de oferta da resposta social, a definição de objetivos para as taxas de cobertura e o controlo do cumprimento dos critérios de admissão e priorização.”
Em 2022, “o número de lugares existentes em creches (119.616) permitia abranger cerca de 50,4% das 237.470 crianças com menos de três anos, revelando uma melhoria de aproximadamente 3,1 pontos percentuais (p.p.) face a 2019 (47,3%)”, conclui o mesmo relatório.
Porém, a evolução positiva da taxa de cobertura da “resposta social Creche” resultou sobretudo da diminuição do número de crianças (-11.437) nesse escalão etário, “dado que o número de lugares em creche apenas aumentou 1,7% (1.994)”, escreve o TdC.
O relatório revela que “os equipamentos de creche estão desigualmente distribuídos por Portugal continental”. “Os distritos da Guarda e de Portalegre apresentam as maiores taxas de cobertura, respetivamente 88,5% e 80,8%. A taxa de cobertura mais baixa é nos distritos do litoral”, nomeadamente, “nas maiores áreas metropolitanas, designadamente no Porto (35,9%), Setúbal (43,5%) e Lisboa (47,9%)”, detalha.
A partir de 1 de setembro de 2022, para todas as crianças nascidas a partir de 1 de setembro de 2021, deixou de existir a comparticipação familiar, passando a Segurança Social a atribuir um montante fixo mensal, de 460 euros por criança, “um valor apurado administrativamente tendo apenas por base os custos declarados pelos prestadores na resposta social em 2019, ponderados pela evolução da inflação e da retribuição mínima mensal garantida”.
O TdC alerta para os riscos de subfinanciamento das IPSS. “Eliminada a comparticipação familiar, o financiamento das IPSS para o desenvolvimento da Creche deixou de ter uma componente variável. Se, por um lado, a incerteza no que se refere aos rendimentos foi eliminada, por outro lado, limitou-se a capacidade das IPSS de poderem aumentar os rendimentos, implicando riscos de sustentabilidade da resposta social nas instituições em que o gasto médio mensal por utente é superior ao financiamento atribuído pela Segurança Social”, conclui.
Para além disso, o alargamento da gratuitidade da creche, “conjugada com a insuficiente taxa de cobertura da resposta, potencia a dificuldade do acesso à resposta das famílias com rendimentos médios e mais elevados”.
“A despesa da Segurança Social com os acordos de cooperação para o desenvolvimento de respostas sociais fixou-se em 1.772,9 milhões de euros em 2022, dos quais 19,7% (348,8 milhões de euros) respeitam à resposta social Creche”, segundo a auditoria do TdC.
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