Travão nos resultados das empresas confirma abrandamento da economia e ameaça máximos das bolsas

As empresas do setor tecnológico lideram as descidas tanto nos EUA como na Europa, com os investidores preocupados com o nível de avaliações destas empresas.

Não poderia ter começado pior a época de apresentação de resultados do segundo trimestre. A divulgação de números abaixo das estimativas dos analistas e a revisão em baixa de perspetivas de crescimento vieram confirmar que o menor dinamismo da economia começa a refletir-se no consumo, arrastando as bolsas europeias e americanas. Isto num momento em que as avaliações bolsistas vinham a negociar próximas de máximos. As praças norte-americanas viveram na quarta-feira a sua pior sessão desde 2022, arrastadas pelas tecnológicas, cujo valor tem sido impulsionado pela febre da inteligência artificial (IA).

Apenas numa sessão, o índice tecnológico Nasdaq viu evaporar-se, esta quarta-feira, um bilião de dólares em valor de mercado, pressionado pelas quedas acima de 5% da Alphabet e do tombo de 12% da Tesla, após ambas as empresas terem apresentado os números do segundo trimestre, com os resultados a desapontarem, o que alimentou a preocupação de que o frenesim da inteligência artificial (IA) possa ter levado as ações para níveis de negociação demasiados elevados. Desde o último recorde de 10 de julho, este índice de Wall Street perde mais de 8%.

Depois dos EUA, esta quinta foram as praças europeias a provar o veneno dos resultados, ao encerrarem em queda, depois de terem tocado mínimos de dois meses durante a sessão. Empresas desde o setor tecnológico, ao retalho, luxo, passando pelo automóvel vieram apresentar contas que contribuíram para aumentar as preocupações dos investidores em relação à capacidade de aumentar receitas por parte das cotadas, numa economia que dá sinais de abrandamento. A recuperação da economia perdeu força em julho, com as duas maiores economias da Zona Euro a darem sinais preocupantes, abrindo margem para o BCE cortar as taxas de juro em setembro.

Também nos EUA, os consumidores começam a mostrar-se mais cautelosos nas suas escolhas de consumo, num momento em que a Reserva Federal dos EUA continua a resistir a iniciar um ciclo de descidas de juros. Tudo isto num mundo marcado por vários conflitos, que conduziu a um agravamento de custos, e à espera do desfecho das presidenciais nos EUA.

“A ‘earnings seasons’ tem tido surpresas dos dois lados, mas deverá continuar a evidenciar um dinamismo económico fraco, sobretudo ao nível do consumo das famílias e dos bens duradouros quer pelas famílias quer pelas empresas”, explica Filipe Garcia, presidente da IMF. O economista acrescenta que “a desaceleração da china também é um fator importante”, enquanto “as taxas de juro altas vão fazendo também mossa. Por outro lado, também terão sido geradas expectativas difíceis de cumprir de forma contínua.”

Até agora, cerca de um terço das empresas do S&P 500 apresentaram as contas do segundo trimestre, sendo que apenas 43% das companhias conseguiram bater as estimativas dos analistas, a percentagem mais baixa em cinco anos, segundo revelam dados compilados pela Bloomberg Intelligence.

Os múltiplos na IA estão em parte exagerados e sujeitos a um ‘check’ de realidade.

Guillermo Hernández Sampere

“Se a economia começar a desacelerar, a velocidade da desaceleração torna-se essencial. Uma desaceleração mais rápida teria implicações negativas nos lucros e aumentaria a probabilidade de uma liquidação nos mercados de ações e de crédito”, escreve o economista Torsten Slok, da Apollo Global Management, numa nota a clientes, publicada esta quinta. Filipe Garcia realça que esta descida das bolsas “pode ser apenas e só uma correção natural e ‘saudável’ do mercado o que não quer dizer que não possa causar dor. Muitas vezes a inversão do ciclo de taxas de juro, de contracionista para expansionista sinaliza mudanças de ciclo nos mercados de ações, mas realmente é cedo para dizer se estamos perante uma correção de alguns dias ou mais do que isso, embora eu esteja mais inclinado para esta última.”

Para Guillermo Hernández Sampere, “head of trading” da Manfred Piontke, “a correção [das bolsas] deve-se às avaliações exageradas em algumas companhias”. O mesmo especialista nota, em respostas ao ECO, que “os múltiplos na IA estão em parte exagerados e sujeitos a um ‘check’ de realidade”.

Não é propriamente um contexto favorável à tomada de risco, até porque temos a 2ª economia do mundo a não responder a estímulos, pelo menos duas guerras importantes em aberto e muita polarização política no mundo ocidental.

Filipe Garcia

Presidente da IMF

Também Filipe Garcia concorda que “o ritmo de subida das empresas tecnológicas estava a ser muito acelerado e havia muitos avisos e métricas de comparação com o que foi visto em 2000 aquando das dot.com” No entanto, “isto não significa que “a festa tenha acabado”, mas a correção faz todo o sentido e vai obrigar a revisitar e validar muitas das teses de investimento, nomeadamente no que diz respeito à IA”, explica, acrescentando que está a acontecer uma rotação para outros negócios, nomeadamente das chamadas 7 magníficas [Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, Meta Platforms, Nvidia e Tesla] para cotadas de menor dimensão.

“Também é preciso ter em mente que estamos em pleno período de campanha nos EUA, um processo que já teve direito a uma tentativa de assassinato de um candidato e a desistência de outro. Não é propriamente um contexto favorável à tomada de risco, até porque temos a 2ª economia do mundo a não responder a estímulos, pelo menos duas guerras importantes em aberto e muita polarização política no mundo ocidental”, justifica.

O clima político intenso parece ter causado uma mudança notável no mercado, passando de ações de tecnologia proeminentes para ações cíclicas, de defesa e de pequena capitalização”, adiantou à Reuters Jeff O’Connor, responsável da Liquidnet.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Travão nos resultados das empresas confirma abrandamento da economia e ameaça máximos das bolsas

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião