As ligações (perigosas?) da seguradora brasileira AMIL no caso das gémeas
A Comissão Parlamentar de inquérito ao caso das gémeas abriu outra linha de investigação, relacionada com o papel da seguradora brasileira AMIL, que se livrou do pagamento de milhões.
Qual é o papel da AMIL no ‘caso das gémeas’? A seguradora brasileira livrou-se de pagar uma apólice de milhões por causa do acesso das duas crianças ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a um medicamento que custou quatro milhões de euros, mas, depois das sucessivas audições na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), mantêm-se as dúvidas sobre a relação da seguradora com Nuno Rebelo de Sousa, a personagem-chave neste processo, já constituído arguido no inquérito do Ministério Público que investiga as suas iniciativas junto do pai, Marcelo Rebelo de Sousa, para que as gémeas recebessem tratamento em Portugal.
A AMIL recebeu pedidos da CPI para entregar os contratos relativos aos seguros e respetivas coberturas das duas gémeas que acabaram por ser tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento Zolgensma, considerado “o mais caro do mundo” e indicado para tratamento da doença rara Atrofia Muscular Espinal. No entanto, a seguradora brasileira escusou-se a ceder qualquer documento, alegadamente, segundo o advogado da mãe das crianças, porque essa solicitação “não atende o requisito legal e excede as competências legalmente previstas” das CPI. No entanto, o deputado António Rodrigues, do PSD, já revelou ter tido acesso, esta terça-feira, “à documentação sobre a seguradora de saúde do Brasil que acompanhava as gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria. Rodrigues disse ter tido acesso a “tudo o que estava em causa sobre a apólice de seguro no Brasil e do processo judicial entre a mãe das crianças e a seguradora, mas o deputado do PSD afirma ainda que “não divulgará” os documentos, e que os “fará chegar à CPI”, segundo revelou a Rádio Renascença.
A AMIL recebeu pedidos de informação da CPI para entregar os contratos relativos aos seguros e respetivas coberturas das duas gémeas que acabaram por ser tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento Zolgensma, considerado “o mais caro do mundo” e indicado para tratamento da doença rara Atrofia Muscular Espinal. No entanto, a seguradora brasileira escusou-se a ceder qualquer documento, alegadamente, segundo o advogado da mãe das crianças, porque essa solicitação “não atende o requisito legal e excede às competências legalmente previstas” das CPI.
O tratamento das duas crianças gémeas no SNS, recorde-se, foi a alternativa ao medicamento Spinraza, que obrigaria a uma toma quadrimestral ao longo de toda a vida das crianças e que teria um custo anual de 300 mil euros. Seria o custo deste tratamento que a AMIL, segundo a mãe das duas crianças gémeas, Daniela Martins, queria evitar.
Chegando a Portugal, as duas crianças gémeas foram dirigidas a um Hospital Lusíadas (HPP), à data, precisamente do grupo hospitalar do universo da seguradora AMIL e com o qual hoje mantém uma parceria. A HPP foi comprada pela AMIL à Caixa Geral de Depósitos em 2013, tendo alterado a designação para Lusíadas Saúde no ano seguinte. A United Health Group (UHG) tinha adquirido a AMIL um ano antes e tentava vender este ativo português, o que finalmente conseguiu em 2022, ao vender a Lusíadas Saúde à Vivalto Santé.
E que seguradora é esta? A AMIL é a terceira maior operadora de saúde no Brasil, paga 3,4 mil milhões de euros em indemnizações e custos diversos por ano pelos serviços de saúde dos 5,6 milhões de beneficiários dos seus planos de saúde. No entanto, a AMIL acumulou 1,1 mil milhões de euros (6,6 mil milhões de reais) de prejuízos entre 2020 e 2023, uma consequência da maior sinistralidade e custos médicos durante a Covid-19 e inflação subsequente. Tornou-se um problema para a United Health Group (UHG), o maior grupo segurador do mundo, com 152 milhões de clientes, essencialmente nos Estados Unidos da América.
Os americanos tinham comprado a AMIL à família fundadora em 2012 pelo equivalente a 1,6 mil milhões de euros, mas nunca conseguiu uma rentabilidade apreciável apesar da enorme escala. A empresa, para além de comercializar planos de saúde, tem no Brasil 402 mil empresas como clientes, uma rede de 13.500 médicos e clínicas e 29 hospitais próprios e faturou, tudo consolidado, cerca de 3,5 mil milhões de euros em 2023. Neste processo, a UHG tentou vender em 2022 uma carteira de planos de saúde individuais, pagando a um comprador 380 mil euros, mas a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o setor, obrigou os americanos a desfazer o negócio e a reassumir a operação.
Finalmente, já no final do ano passado, a UTG conseguiu concretizar o negócio, ao vender a AMIL por 11 mil milhões de reais (1,8 mil milhões de euros), dos quais 1,45 mil milhões por assunção de dívidas da empresa, com 60% devido por impostos. O comprador foi José Seripieri Filho, empresário fundador da seguradora Qualicorp e com interesses no setor da saúde, detido em 2020 na operação Lava jato, por doações não contabilizadas a José Serra, enquanto governador do Estado de São Paulo. Considerado amigo pessoal do Presidente Lula da Silva, Seripieri foi o maior doador ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2022.
O envolvimento da AMIL no caso das duas crianças gémeas não termina aqui, e tem outros protagonistas. O grupo MDS, um dos maiores grupos de corretagem em Portugal, também tem ligações estreitas à AMIL: é mesmo uma corretora parceira do grupo segurador no Brasil. A MDS Brasil anuncia ser responsável por prémios de 440 milhões de euros, emprega mais de 600 colaboradores, estando entre os cinco maiores brokers de seguros no país. Entre estes negócios, está um acordo aprofundado com a AMIL na captação de clientes.
Ora, de acordo com fonte oficial da MDS, a companheira de Nuno Rebelo de Sousa, Juliana Vilela Drumond, será mesmo agente da MDS no Brasil, mas a mesma fonte garante que não terá havido qualquer intervenção na contratação do seguro com a mãe das duas gémeas. “A MDS não colocou nenhum seguro em nome da mãe das gémeas, nem esta é nossa cliente”, refere fonte oficial ao ECO.
De qualquer forma, a MDS é um dos membros destacados da Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil – São Paulo, instituição que foi dirigida por Nuno rebelo de Sousa desde 2024. Em 2021, José Manuel Dias da Fonseca, CEO Global do Grupo MDS, foi distinguido como “Personalidade do Ano” pela Câmara. A distinção reconheceu “o seu papel e o da MDS na promoção de negócios e relações entre Portugal e Brasil, as quais têm vindo a crescer nos últimos anos e onde o gestor e a empresa têm desempenhado um papel relevante”.
A Comissão Parlamentar de Inquérito ao chamado ‘caso das gémeas’ ouviu na semana passada o chefe da Casa Civil do Presidente da República, Frutuoso de Melo, que tentou salvaguardar a posição de Marcelo Rebelo de Sousa. Revelou o “desconforto” com o pedido de email de Nuno Rebelo de Sousa — revelou aliás que apagou o remetente original quando o reenviou para o gabinete do primeiro-ministro de então, António Costa — e acrescentou também que o filho do Presidente já tinha feito pedidos anteriormente, sem os detalhar.
Agora, depois das férias parlamentares, em setembro, os deputados da comissão poderão enviar perguntas por escrito ao ex-primeiro-ministro, António Costa, que também responderá por escrito. E ainda não se sabe se Marcelo Rebelo de Sousa responderá à comissão parlamentar.
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