Inapa: Três dias antes de anunciar que ia falir, CEO pediu às Finanças para levantar instrução que vedava ajuda à empresa
Após ter conhecimento de despacho de Costa que impedia ajuda à empresa, Frederico Lupi escreveu e tentou contactar o secretário de Estado, mas sem sucesso. Falência foi anunciada três dias depois.
Ao longo dos últimos quatro anos, a Inapa tem vindo a pedir a participação da Parpública, o seu maior acionista com cerca de 45% do capital, num plano de reestruturação da distribuidora de papel. Contudo, a empresa pública tinha ordem — que já vinha do anterior Governo de António Costa — para não colocar dinheiro na empresa. Uma informação que a gestão da empresa desconhecia até ao passado dia 18 de julho, três dias antes de anunciar que ia avançar com o pedido de insolvência na Alemanha e, consequentemente, em Portugal. O então CEO da Inapa, Frederico Lupi, apelou diretamente ao secretário de Estado do Tesouro e das Finanças para que levantasse essa instrução, apurou o ECO.
A Inapa há vários anos que enfrentava dificuldades, fruto da forte quebra registada pelo mercado da distribuição de papel, mas a sorte da empresa precipitou-se nalguns dias no passado mês de julho. Perante uma situação de quebra de tesouraria de curto prazo na Alemanha, a Inapa viu-se forçada a pedir uma injeção de emergência aos acionistas de referência.
Na semana que antecedeu o pedido de falência na Alemanha, a empresa reuniu, a 17 de julho, com os três maiores acionistas da empresa — Parpública (44,89%), Novo Banco (6,55%) e Nova Expressão (10,85%) — , para traçar as condições nas quais poderia ser realizada a injeção de 12 milhões de euros na empresa (e garantir que não era feita sob a forma de auxílio de Estado). Um dia depois, a Parpública informou a gestão que existia uma instrução que impedia qualquer ajuda financeira à distribuidora de papel. Questionada pelo ECO, a Parpública apenas adiantou que não faz qualquer comentário.
Ainda no dia 17 de julho, o mesmo dia em que há a reunião com os acionistas e face à proximidade do deadline para fazer os pagamentos na Alemanha, o CEO da Inapa pediu uma audiência com caráter de urgência ao secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, um pedido ao qual não teve resposta, segundo apurou o ECO. Dois dias depois, nova tentativa de contacto com as Finanças. A 19 de julho, e já após ter conhecimento da instrução mandatória, Frederico Lupi enviou nova carta à Tutela onde pedia a revogação da instrução que impedia qualquer ajuda à Inapa e que já vinha do anterior Governo. Tal como na primeira missiva, também na segunda não houve qualquer resposta à gestão da empresa. A resposta veio sob a forma de despacho, na qual as Finanças deram uma resposta desfavorável ao pedido de injeção de emergência realizada pela Inapa.
Tanto o anterior Governo, como o atual recusaram participar em qualquer solução de financiamento à Inapa, que entregou no passado dia 29 de julho o seu pedido de insolvência, na sequência de uma falha de liquidez de curto prazo. Na ausência da aprovação de uma injeção de 12 milhões de euros — 8,4 milhões que teriam que ser financiados pela Parpública — , a gestão da Inapa anunciou que a empresa não tinha outra alternativa a não ser a falência, o que aconteceu após as Finanças chumbarem o empréstimo à empresa.
O chumbo das Finanças foi confirmado depois de a Parpública, a Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) e a Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM) terem “concluído que a proposta não reunia condições sólidas, nem demonstrava a viabilidade económica e financeira que garantisse o ressarcimento do Estado”.
Governo “defendeu dinheiro dos contribuintes”
Já no início deste mês, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento defendeu que a crise na Inapa “decorre da gestão da empresa” e que o Governo “defendeu o dinheiro dos contribuintes” ao não aprovar uma injeção de emergência por parte da Parpública.
Numa carta dirigida aos colaboradores do grupo enviada esta semana e à qual o ECO teve acesso, a equipa de gestão liderada por Frederico Lupi, já adiantava que “apesar de conversas em curso há meses [com a Parpública], só na fase final revelou a existência de uma instrução vinculante do Secretário de Estado do anterior Governo, que proibia qualquer aporte financeiro à Inapa“.
As dúvidas em relação à capacidade de reembolsar eventuais empréstimos ao Estado já vinham, assim, do anterior Governo de António Costa. Apesar da administração demissionária da Inapa indicar que manteve, entre 2020 e 2023, “mais de 50 contactos com a Parpública, entre telefonemas, mails e reuniões, procurando uma solução de longo prazo que permitisse afirmar a Inapa como um líder europeu na distribuição de papel sólido e rentável”, todos os planos foram chumbados pelo acionista maioritário. Segundo apurou o ECO, a Parpública queixava-se que as propostas da Inapa não apresentavam um plano que permitisse o acompanhamento por parte da Parpública, além de não existir um esforço equitativo entre acionistas.
Bruxelas podia ver como auxílio de Estado
Segundo um parecer a que o ECO teve acesso, relativo a uma proposta de injeção de capital na Inapa sob a forma de prestações acessórias (empréstimos acionistas), um parecer a que o ECO teve acesso considerava que existia o risco substancial de a Comissão Europeia considerar esta prestação acessória um auxílio de Estado, uma vez que beneficiaria a Inapa e, potencialmente, BCP e o Novo Banco (os outros acionistas à data).
Num outro momento, a Parpública, através de uma carta datada de 18 de abril de 2023, voltava a inviabilizar um novo plano de reestruturação para a empresa, justificando esta decisão com as orientações emanadas pela Tutela em relação à gestão da participação detida na INAPA – bem como pela inexistência de esforço equitativo entre acionistas. O mesmo aconteceu com os pedidos apresentados já este ano, sabe o ECO.
No pedido de empréstimo de médio prazo, no montante de 15 milhões de euros, apresentado em junho de 2024, a Parpública seria a única acionista a suportar a totalidade do financiamento, o qual apenas seria reembolsado no prazo de cinco anos, com um período de carência de três anos. Já no que diz respeito ao pedido de financiamento de curto prazo e foi formalizado a 10 de julho — que seria reembolsado em outubro com juros de mercado — , numa fase inicial, foi proposto que este empréstimo fosse suportado exclusivamente pela Parpública. Terá sido na reunião de acionistas de 17 de julho que Novo Banco e Nova Expressão concordaram em participar neste plano, com 30% dos fundos.
Gestão atira culpas à Parpública
A Inapa foi declarada insolvente pelo Tribunal de Sintra no início de agosto, com o processo de insolvência atribuído ao administrador Bruno Costa Pereira. De saída, e à imagem do que já tinha feito antes, quando referiu que a insolvência era “evitável”, a equipa executiva da distribuidora de papel voltou a acusar a Parpública da situação de falência a que chegou o grupo.
“A inevitável insolvência do grupo em resultado da falta de apoio da Parpública foi repetida e detalhadamente explicada ao maior acionista da Inapa que, detendo 45% da empresa, afetou 100% dos acionistas e a totalidade dos trabalhadores com a sua decisão”, refere a comissão executiva aos colaboradores. “O valor do Grupo Inapa agora em insolvência será sempre inferior ao valor que tinha antes, sem falar nos postos de trabalho, nos parceiros e demais stakeholders, destruição de valor massiva facilmente evitável”, atira a comissão liderada por Frederico Lupi.
“Infelizmente, apesar de termos contado sempre com o apoio dos principais credores – que chegaram a aceitar uma redução de dívida muito significativa, na ordem dos 80%, numa solução conjunta com a Parpública – nunca foi possível, por indisponibilidade do maior acionista, chegar a uma solução de capitalização da empresa, que teria permitido uma significativa melhoria do balanço da Inapa e da sua capacidade de se financiar junto de fornecedores e bancos”, acusa.
Venda é solução para o grupo
A gestão da Inapa informou ainda que estava a negociar com um parceiro estratégico do setor, uma operação que caiu devido à insolvência na Alemanha. “A Parpública foi também alertada para o facto de a insolvência súbita, mas evitável, da Inapa impactar diretamente 1.400 trabalhadores, dos quais mais de 200 em Portugal, bem como inviabilizar a operação de aquisição da Inapa por parte do grupo mundial de distribuição de papel, em discussão.”
O ECO sabe que o potencial comprador são os japoneses da Japan Pulp & Paper e que chegaram a entregar uma oferta preliminar à gestão da empresa na semana que antecedeu a entrega do pedido de insolvência na Alemanha.
Com a empresa agora em processo de insolvência, a venda a um investidor continua a ser uma das soluções para o grupo, ainda que com outras condições das que poderiam ser negociadas num quadro em que a empresa mantivesse a sua atividade normal, sem os constrangimentos que agora enfrenta e com a Alemanha fora da equação, devido ao processo de insolvência.
Se para os credores existe a possibilidade de recuperar algum dinheiro, para os acionistas [37,7% do capital está nas mãos de minoritários] as perspetivas de reaverem parte dos seus investimentos são reduzidas.
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