IRS Jovem determinante na viabilização do Orçamento

O Executivo vai marcar reuniões com todos os partidos para procurar entendimentos. Os socialistas querem margem para acomodar propostas suas. O Chega já ameaça com o chumbo.

Domingo, dia 1 de setembro, vai ser uma espécie de tiro de partida das negociações entre o Governo e o PS para a viabilização da proposta de Orçamento do Estado para 2025, com as intervenções de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, respetivamente na Universidade de Verão do PSD e na Academia Socialista. Vai ser a oportunidade para o anúncio das condições para um acordo e há uma medida em particular que parece ser chave neste processo: O IRS Jovem, inegociável para o Governo, linha vermelha para o PS, o que aumenta as probabilidades de um chumbo do orçamento (se o Chega não votar favoravelmente a proposta do Governo).

A proposta de Orçamento do Estado para 2025 tem de entrar no Parlamento a 10 de outubro, seguindo-se depois uma discussão na especialidade, medida a medida, até à votação final global, em meados de novembro, e para passar, depende de um de dois cenários: A abstenção do PS ou a aprovação do Chega. Tendo em conta o “não é não” de Montenegro a Ventura, acentuado com a exigência do Chega de um referendo à imigração, tudo depende de um acordo formal ou tácito dos socialistas. Mas há duas medidas centrais neste processo, e uma delas poderá ser mais fácil de modular do que outra.

Apesar das pressões, sobretudo internas, Pedro Nuno Santos já apontou o dedo à descida do IRC em dois pontos por ano nos próximos três exercícios, até aos 15%, e ao IRS Jovem para todos os que têm até 35 anos, para um terço do imposto qualquer que seja o nível de rendimento. E esta medida em particular é, para o secretário-geral do PS, uma linha vermelha que não aceitará ultrapassar para abster-se. A passar, tem um impacto orçamental de mil milhões de euros em 2025.

O que tem dito Luís Montenegro? “Devo dizer-lhe que o Governo está aberto, dentro do princípio plasmado no nosso programa eleitoral e de Governo, a poder aprimorar esse mecanismo, com o contributo de algumas bancadas e a sua seguramente poderá ter alguma coisa a poder acrescentar nesse domínio“, afirmou no debate parlamentar, em julho, em resposta a uma ‘provocação’ do líder liberal, Rui Rocha. O que o primeiro-ministro sinalizou foi a disponibilidade para ajustamentos, sem pôr em causa o modelo de uma medida que é substancialmente diferente daquele que está em vigor, da responsabilidade do Governo de António Costa, e que pressupõe uma redução do imposto para os primeiros cinco anos de atividade profissional, e de forma progressiva.

Desde a primeira e única reunião entre o Governo e o PS, realizada a 19 de julho, que decorreu sem o primeiro-ministro, Luís Montenegro, que se encontrava doente e que, por esse motivo, também não contou com a presença do líder do PS, Pedro Nuno Santos, foram vários os momentos de troca de críticas públicas, mas nada mudou desde então. Desde logo a exigência do PS de ter acesso às contas do Governo para 2025 e respetiva margem de manobra orçamental. Um dos pontos essenciais para o secretário-geral dos socialistas é salvaguardar o princípio das “contas certas”, uma marca política dos governos de Costa. Pedro Nuno Santos não quer, por isso, dar a oportunidade ao Governo para acusar os socialistas de apresentarem propostas que põem em causa o equilíbrio das contas públicas.

Este OE nunca será o nosso e nem o Governo terá o nosso apoio para a sua política geral, mas o nosso sentido de Estado obriga-nos a que ponderemos medidas e soluções, sejam fiscais ou sociais, que tornem o orçamento menos mau e o Governo menos perigoso“, salientou o presidente do PS, Carlos César, em Tomar, no primeiro dia da Academia Socialista. Duarte Cordeiro, antigo ministro do Ambiente e membro da direção do PS, espera “seriedade e disponibilidade” na hora de discutir o Orçamento do Estado e recusou uma posição de “submissão” dos socialistas. Mas o primeiro-ministro já avisou, esta quinta-feira, que a sua preocupação é “baixar impostos, governar para as pessoas” e manter “as contas públicas equilibradas e não responder a dirigentes partidários” do PS.

Apresentação e debate do programa do XXIV Governo Constitucional na Assembleia da República - 12ABR24
Apresentação e debate do programa do XXIV Governo Constitucional na Assembleia da RepúblicaHugo Amaral/ECO

O esforço do Governo parece ser um processo claro de gastar depressa e em força margem financeira que o Governo do PS deixou até secar o poço para não haver margem significativa de aprovação de propostas da oposição no próximo OE“, afirmou Carlos César.

Mas o Governo pode não ter essa desejada folga para acomodar medidas socialistas. “Estamos empenhados numa situação financeira estabilizada e contas públicas equilibradas, mas não estamos interessados em castigar o povo. Vamos continuar esse caminho, quando baixamos os impostos sobre os rendimentos, quando queremos que as empresas tenham mais meios para investir e pagar melhores salários. Estamos interessados em governar para as pessoas e não a responder a dirigentes partidários”, respondeu Montenegro, quando questionado se teria margem para incluir propostas do PS no OE.

Estamos empenhados numa situação financeira estabilizada e contas públicas equilibradas, mas não estamos interessados em castigar o povo. Estamos interessados em governar para as pessoas e não a responder a dirigentes partidários.

Luís Montenegro, primeiro-ministro

O PS deu sinais de abertura para uma negociação quando Pedro Nuno Santos desafiou o primeiro-ministro a “repensar” com os socialistas “a estratégia e a política [do Executivo] para o IRC”, afirmou o secretário-geral do PS durante o primeiro e ainda único debate quinzenal, no Parlamento. No entanto, Luís Montenegro avisou que não abdica de governar com o seu programa, “o único em vigor”. No contra-ataque, Pedro Nuno atirou: “É praticamente impossível o PS viabilizar um orçamento que seja uma tradução exclusiva de um programa de Governo”.

Face ao frenesim dos últimos dias, com os socialistas a reclamarem negociações para o OE, que ainda não decorreram, o primeiro-ministro, Luís Montenegro pediu “calma”. “O Governo ainda em julho teve a ocasião de chamar todos os partidos com representação parlamentar para poder haver uma partilha de opinião que possam conduzir a que o OE integre o mais possível a visão de todos os partidos. Ficou combinado que iríamos desenvolver esse trabalho em setembro. Fico admirado de haver tanta agitação à volta desse assunto. É preciso ter calma e cumprir com o que está combinado”, afirmou esta quinta-feira.

“Há disponibilidade para cedências, estamos empenhadíssimos que o OE seja aprovado. Para nós, o que é primordial é que haja um OE aprovado e estabilidade política. Esse é o nosso compromisso, mas não nos peçam para descaracterizar o programa do Governo”, adiantou ao ECO o vice-presidente da bancada social-democrata, Hugo Carneiro.

Finanças públicas e crescimento moderado

Diretamente relacionado com as negociações para o Orçamento do Estado, a partir de meados de setembro, as palavras “défice” e “dívida pública” voltarão a ser ouvidas recorrentemente pelos portugueses. O Governo quer refrear ‘vontades’ externas e tem como linha vermelha contas públicas equilibradas, mas o PS tem criticado o despesismo das medidas anunciadas pelo Executivo.

Apesar das mais recentes medidas, como o ‘bónus’ para as reformas mais baixas e as duas tabelas extraordinárias de retenção na fonte do IRS para compensar já o efeito retroativo das mudanças no imposto, no Terreiro do Paço continua a contar-se com um saldo orçamental positivo de cerca de 0,2% a 0,3% e uma receita fiscal generosa, sabe o ECO. Esta sexta-feira, é publicada a execução orçamental até julho e o Ministério das Finanças antevê um resultado melhor do que o esperado.

Paralelamente, para o resto do ano espera-se um crescimento moderado, seguindo a tendência dos pares europeus. Esta sexta-feira, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga os dados de evolução do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre, mas a estimativa rápida apontou para uma taxa de 1,5% em termos homólogos e de 0,1% em cadeia. Na Europa, as esperanças de uma rápida recuperação da economia da zona euro no verão são prematuras, segundo os analistas, que identificam o aumento dos riscos negativos em torno da atividade económica, o que poderá afetar Portugal.

Ministro de Estado e das Finanças Joaquim Miranda Sarmento ouvido na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública na Assembleia da República em Lisboa, 10 de julho de 2024. MIGUEL A. LOPES/LUSAMIGUEL A. LOPES/LUSA

Plano Orçamental de Médio Prazo

As negociações entre o Governo português e a Comissão Europeia sobre o plano orçamental estrutural de médio prazo estão a decorrer e o documento será enviado a Bruxelas até 15 de outubro. A data de entrega pelo Estados-membros para o primeiro bloco de planos de quatro anos estava prevista para 20 de setembro, mas Portugal pediu a prorrogação do prazo. Segundo informações recolhidas pelo ECO, o Executivo está confortável com a trajetória de referência indicada a Portugal.

Nas negociações entre os serviços técnicos da Comissão e o Ministério das Finanças há dois indicadores cruciais em cima da mesa: a despesa primária estrutural e o PIB potencial. A despesa prevista para 2024 e 2025 dá tranquilidade ao Governo neste aspeto e o facto de ser uma média permite alguma flexibilidade. Por exemplo, se a despesa for mais elevada em determinado ano, no seguinte terá de ser mais reduzida, sendo calculada em percentagem do PIB, o que também significa que é influenciada pelo comportamento da economia.

Na prática, se o Governo carregar mais na descida de impostos em 2025 terá de adotar uma postura mais ligeira nos anos seguintes. Outro indicador central nas negociações será a previsão do PIB potencial, que terá de ser coerente com a redução da dívida pública. No Governo acredita-se que, provavelmente, Bruxelas será mais exigente com Portugal sobre as previsões deste indicador.

Função Pública a pressionar contas

A subida dos salários dos funcionários públicos, a atualização das carreiras ainda não revistas e a valorização de outras componentes remuneratórios como o subsídio de refeição serão outras das matérias alvo de negociações para o Orçamento do Estado com as federações sindicais representativas dos trabalhadores do Estado: Fesap, Frente Comum e STE.

Os sindicatos vão exigir aumentos salariais de pelo menos 6% em 2025, o que obrigará a uma revisão em alta do acordo plurianual celebrado entre Fesap, STE — federações sindicais afetas à UGT — e o anterior Governo e que o atual Executivo, de Luís Montenegro, já garantiu que irá cumprir. Esse pacto estabelece uma atualização anual de 52 euros para vencimentos até 1.754 euros e de 2% acima daquele montante, até 2026.

A Frente Comum, da CGTP, que não subscreveu o documento, insiste numa subida intercalar de 15% dos ordenados, num mínimo de 150 euros. Mas a secretária de Estado da Administração Pública, Marisa Garrido, já afastou essa hipótese.

Analisando a evolução atual dos vencimentos no Estado, verifica-se se que a remuneração bruta mensal média dos trabalhadores já está a subir 6,6%. Em junho, a folha salarial atingiu os 2.484 euros. São mais 154 euros face ao ordenado de 2.330 euros de há um ano, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).

O SNS e as urgências

A saúde tem sido o tema ‘quente’ do verão, com urgências fechadas em diversas partes do país, devido às férias dos profissionais. A troca de críticas entre o PSD e o PS sobre as responsabilidades do estado do Serviço Nacional de Saúde (SNS) têm sido intensas e prometem não abrandar. A estratégia para o aumento de capacidade de resposta continua a ser um ponto de debate entre a esquerda e a direita.

Para já, a ministra da Saúde garantiu que o plano de inverno do SNS está a ser trabalhado com “seis, sete meses de antecedência” para antecipar os problemas num período que é “sempre de grande pressão” nos serviços. “O inverno é uma altura muito difícil. Se o verão é um momento de grande pressão, o inverno é um momento de uma pressão muito maior e ainda mais significativa”, disse Ana Paula Martins, citada pela Lusa.

De acordo com dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) cedidos à Lusa, o Estado gastou mais de 100 milhões de euros até junho com a prestação de serviços por médicos, que trabalharam quase 2,5 milhões de horas.

O referendo à imigração

O Governo já deitou por terra o desafio do presidente do Chega de um referendo à imigração em troca da viabilização do Orçamento do Estado, mas André Ventura anunciou, na quarta-feira, que o partido avançou com um projeto para o Parlamento, “colocando a discussão do plenário” a sua realização. O Chega quer que os portugueses respondam as duas questões: “concorda que haja uma definição anual de limites máximos de autorização de residência a cidadãos estrangeiros?” e “concorda que seja implementada em Portugal um sistema de quotas revisto anualmente orientado consoante os interesses económicos globais do país e das necessidades do mercado de trabalho?”.

Além de vir a ser discutido no Parlamento, o tema tem também tido palco fora dele. André Ventura pediu uma reunião de urgência ao Presidente da República, após Marcelo Rebelo de Sousa ter alertado para a diferença entre a realidade e as narrativas que se constroem sobre este tema. André Ventura disse esperar que a reunião se possa realizar “nos próximos dias”, tendo como objetivo explicar ao Chefe de Estado que “o pedido de referendo não é nenhuma atitude persecutória, nem de narrativas, nem de perceções”.

Marcelo Rebelo de Sousa defendeu ser “fundamental” ao falar-se de imigração em Portugal, país “que foi sempre de emigração”, saber do se está a falar. Segundo a Lusa, Marcelo Rebelo de Sousa detalhou, em resposta a uma pergunta de um aluno da Universidade de Verão do PSD, que decorre até domingo em Castelo de Vide, Portalegre, os números sobre a imigração em Portugal para concluir que “ter estes números presentes é ter presente a diferença entre a realidade e discursos ou narrativas sobre ela”.

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