Auditoria à TAP testa futuro político de Pinto Luz e de Maria Luís

Os dois protagonizaram a privatização da TAP, em 2015, que terá sido paga pela própria companhia. Montenegro decide se segura o ministro e a candidata a comissária tem de passar pelo crivo do PE.

A auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) à privatização da TAP, em 2015, que confirmou que o negócio foi financiado com dinheiro da própria empresa, vai ser um teste ao futuro político do ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, e da candidata a comissária europeia Maria Luís Albuquerque. Enquanto secretário de Estado das Infraestruturas e ministra das Finanças, respetivamente, os dois protagonizaram a venda de 61% companhia aérea ao consórcio Atlantic Gateway, de David Neeleman, quando o Governo PSD/CDS, liderado por Pedro Passos Coelho, já estava em gestão, depois de aprovada uma moção de censura no Parlamento.

Os partidos da oposição já vieram pedir a cabeça de Pinto Luz. Uns consideram que já não tem condições para se manter no cargo, outros querem afastá-lo da gestão do novo processo de privatização da TAP, que começa a dar os primeiros sinais. O CEO da Lufthansa, Carsten Spohr, apresentou esta segunda-feira aos ministros das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, a intenção de a companhia alemã concorrer à reprivatização da TAP, tal como noticiou o ECO.

Embora tenha sido secretário de Estado das Infraestruturas durante apenas 27 dias, Pinto Luz deu a cara pela polémica venda da TAP à Atlantic Gateway, já que foi neste período que a privatização foi concluída, e a esquerda não esquece.

O ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz. FILIPE AMORIM/LUSAFILIPE AMORIM/LUSA

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP que decorreu no ano passado, Pinto Luz defendeu que o processo de privatização foi “devidamente publicitado, auditado e considerado pelo Tribunal de Contas como ‘regular’ e ‘eficaz’”, considerando que foi “exemplar”, e era “mais um caderno de encargos para o comprador do que propriamente um contrato de venda”.

O então dirigente do PSD afirmou que o contrato em causa “autorizava a Parpública a comunicar e explicar aos bancos” o mecanismo de direito potestativo, criado para “permitir que o Estado retomasse a propriedade da TAP” caso o acionista privado não cumprisse a obrigação de “manter mensalmente a companhia em situação líquida positiva”.

Esse mecanismo, se não tivesse sido anulado, “teria prevenido a necessidade de indemnizar David Neeleman em 55 milhões de euros, como veio a acontecer”, quando o Governo do PS voltou a nacionalizar a TAP, esclareceu, na altura, o antigo secretário de Estado. “Este mecanismo garantia que o Estado recompraria a TAP sempre em melhores condições do que as do momento da privatização”, frisou.

Resta saber se o primeiro-ministro, Luís Montenegro vai manter Pinto Luz como ministro e se lhe retira ou não a pasta da companhia aérea, reafetando-a, por exemplo, ao Ministério da Economia, de Pedro Reis. Pinto Luz já disse esta terça-feira que a decisão compete a Luís Montenegro. Para o grupo parlamentar do PSD, o governante tem todas as condições para continuar em funções. “O senhor ministro Miguel Pinto Luz exercia funções como secretário de Estado, concluiu o processo de privatização da empresa e tem todas as condições para exercer as funções como ministro”, afirmou esta terça-feira o deputado social-democrata, Gonçalo Lage. A palavra final cabe ao chefe do Executivo, mas Luís Montenegro recusa para já comentar o tema.

Maria Luís Albuquerque, candidata a comissária europeia.Lusa

O caminho que Maria Luís Albuquerque está a trilhar também pode ser perturbado com as conclusões pouco abonatórias da IGF à venda da TAP em 2015. A escolhida de Luís Montenegro para comissária europeia já tinha sido amplamente criticada pelo PS e pelos partidos mais à esquerda, que a colaram à troika e à austeridade sofrida pelos portugueses. A auditoria à privatização da transportadora aérea é mais um ponto negativo a somar ao currículo que será testado pelos eurodeputados. Só com o parecer positivo do Parlamento Europeu (PE) é que Luís Albuquerque pode efetivamente chegar a comissária europeia.

O processo rigoroso e minucioso de audições nas comissões do Parlamento Europeu vai decorrer em outubro. E, nalguns casos, dependendo dos pelouros que sejam propostos a presidir, os candidatos poderão ser sujeitos até duas ou três audições. E, antes, terá de responder a um inquérito de idoneidade da comissão dos assuntos jurídicos do PE. Idoneidade que os partidos da oposição consideram que não existe.

O negócio da TAP e o seu envolvimento também pode influenciar a decisão sobre a pasta que lhe será atribuída em Bruxelas. O perfil da antiga ministra das Finanças parece ser mais adequado para a área financeira. Contudo e olhando para o seu currículo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, poderá optar por outro dossiê. A proposta final para o colégio de comissários deverá ser anunciada a 11 de setembro no Parlamento Europeu.

A bancada do PSD já criticou o “timing” da IGF para divulgar o relatório de auditoria à TAP, logo depois de o Governo ter indicado Luís Albuquerque para comissária. Para o deputado do PSD, Gonçalo Lage, o relatório vem “completamente fora do tempo”. No entanto, considera que não deverá beliscar a reputação de Maria Luís no Parlamento Europeu: “Não me parece que seja problemático”.

Em novembro de 2015, a então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afirmou que o processo de venda da TAP era “absolutamente inadiável”, justificando que a empresa “estava numa situação de tesouraria e financeira absolutamente desesperada, sem fundos”.

O relatório da IGF a que o ECO teve acesso, tal como relatório da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP já indiciava, conclui que, em 2015, a Atlantic Gateway, liderada por David Neeleman e Humberto Pedrosa, capitalizou a companhia aérea com dinheiro da compra de aviões Airbus.

Este já tinha sido um dos temas quentes da CPI, em outubro de 2023, e esteve na origem do pedido de auditoria à IGF, após dúvidas sobre os 226,75 milhões de dólares em prestações acessórias que David Neeleman recebeu da Airbus para capitalizar a TAP. O valor surgiu depois de a companhia aérea ter desistido de um contrato para a aquisição de 12 A350 a preços vantajosos, tendo preferido comprar 53 aviões à Airbus por valores que a TAP diz serem penalizadores face à concorrência.

Os chamados “Fundos Airbus”, pagos pelo fabricante europeu a David Neeleman, no âmbito do negócio de renovação da frota, são novamente referidos no relatório da IGF, que considera que, “na documentação analisada, a coincidência dos valores envolvidos no processo, assim como a proximidade das datas dos acordos, suscita a existência de uma relação de causalidade entre a aquisição das ações da TAP, SGPS pela Atlantic Gateway, a respetiva capitalização e as obrigações assumidas pela TAP, SA, nos contratos celebrados com a Airbus”. Este negócio de aquisição de aviões pela TAP acabou “por financiar, ainda que, indiretamente, o processo de capitalização”, conclui a IGF.

O organismo, liderado por António Ferreira dos Santos, salienta “que toda a operação foi previamente apresentada à Parpública e aos membros do Governo das áreas das Finanças e das Infraestruturas” em carta enviada em outubro, quando era Sérgio Monteiro o secretário de Infraestruturas, Transportes e Comunicações. Ou seja, que o Executivo de Passos Coelho sabia do financiamento encapotado da TAP a David Neeleman para que este pudesse comprar a companhia aérea.

De recordar que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) abriu, em 2023, um inquérito ao negócio de compra de aviões feito entre a Airbus e David Neeleman.

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