Conta Geral do Estado. Mais de 40% da verba para imprevistos foi usada para outros fins em 2023
Tribunal de Contas considera que utilização de verbas para pagar despesas com pessoal e corrente, em 2023, é sintomático de "insuficiências" na orçamentação.
Cerca de 45% da verba prevista para o Governo fazer face a despesas imprevistas e inadiáveis foi utilizada, em 2023, para encargos com pessoal ou a área da educação. A conclusão é do Tribunal de Contas (TdC) no parecer à conta geral do Estado relativa ao ano passado, entregue esta quarta-feira no Parlamento, e que alerta que esta situação reflete as insuficiências no processo de orçamentação.
O Tribunal de Contas assinala que à semelhança de anos anteriores, o Governo de António Costa utilizou “instrumentos de gestão orçamental” para responder a rubricas não especificamente previstas aquando da aprovação do Orçamento do Estado para 2023 (OE2023).
No caso dos 814 milhões de euros para despesas imprevistas, ou seja, a dotação provisional, 98,8% foi utilizada. Contudo, “cerca de 45% não foram utilizados em despesas “imprevisíveis e inadiáveis”, como determina a lei, mas em reforço de dotações para despesas de caráter recorrente, designadamente as despesas com o pessoal e outras na área da educação e ensino superior“, alerta a instituição liderada por José Tavares, que será substituído a 12 de outubro por Filipa Urbano de Sousa.
Tribunal de Contas alerta que utilização da dotação provisional para despesas de caráter permanente é “evidência de insuficiências no processo de orçamentação”.
Para o Tribunal de Contas, “este procedimento é, mais uma vez, evidência de insuficiências no processo de orçamentação“.
Em causa estão despesas como 223 milhões de euros com pessoal: 87 milhões de euros para estabelecimentos de educação, 86 milhões de euros para a PSP e GNR e 50 milhões de euros para o ensino superior. Contam-se ainda outros encargos considerados pelo Tribunal como não sendo imprevisível como 50 milhões de euros para reforço do Fundo de Financiamento para a Descentralização no domínio da educação.
A instituição destaca ainda que a dotação provisional, à exceção de 2021, “tem vindo a aumentar significativamente nos últimos anos”. Em 2023 representou duas vezes e meia mais do que em 2019.
O parecer refere que, em contraditório, o Ministério das Finanças e a Direção-Geral do Orçamento (DGO) referiram que a utilização da dotação provisional se afigura como o último recurso, visando “assegurar a realização de despesas não previstas e inadiáveis, para as quais não será possível solução alternativa de financiamento, evitando que o Estado entre em incumprimento perante terceiros”.
Contudo, o Tribunal de Contas entende que “parte significativa das despesas reforçadas por esta via respeitou a encargos que, pela sua natureza, deveriam ser conhecidos e devidamente orçamentados“.
Parte significativa das despesas reforçadas por esta via respeitou a encargos que, pela sua natureza, deveriam ser conhecidos e devidamente orçamentados.
Por outro lado, a utilização das dotações centralizadas no Ministério das Finanças (678 milhões de euros em 2023) tem vindo a diminuir desde 2021, tendo sido maioritariamente usada em despesas dos Ministérios da Saúde (473 milhões de euros) e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (115 milhões de euros).
No final do ano de 2023, encontravam-se ainda 593 milhões de euros, muito embora o valor inicial previsto fosse de 1.239 milhões de euros. “Em 2023, as cativações, no início e no final do ano, registaram um valor superior ao de 2022 (em 225 milhões de euros e
148 milhões de euros, respetivamente), acentuando a subida registada nesse ano e que contrariou a tendência decrescente que se verificava desde 2019″, refere.
Revisão da despesa ainda fica a desejar
A revisão da despesa é um exercício orçamental, no qual se faz um escrutínio detalhado e sistemático da despesa pública de modo a identificar despesa ineficiente e ineficaz e ponderar opções de poupança. Desde 2013 foram executados três exercícios de revisão de despesa: um durante a troika (2013-2014), um entre 2016 e 2023, e um com início em 2023.
No entanto, os seus objetivos têm ficado aquém do objetivo, segundo o parecer à CGE 2023, que recorda a auditoria que fez a este exercício. “O Tribunal concluiu que, após mais de dez anos após a primeira experiência com revisão da despesa, este tipo de exercício não registou um nível de desenvolvimento que permita utilizá-lo como um instrumento significativo de apoio à gestão financeira pública“, pode ler-se no relatório.
Para o Tribunal, as duas primeiras experiências não conduziram a uma “lógica de aprendizagem que se consolidasse ao longo do tempo, impedindo que o processo se encontre num estádio de maturidade mais avançado“. Segundo a instituição:
- Não foram desenvolvidas as fontes de informação necessárias, nem os sistemas de informação, métodos de recolha e tratamento, que seriam úteis aos processos de revisão da despesa;
- Não se criou e preservou conhecimento especializado, nem se desenvolveram os recursos humanos e técnicos necessários à execução dos estudos, análises e formulação de propostas de política;
- Não se desenvolveu, nem se fomentou a criação de uma cultura de monitorização, medição do impacto e avaliação do desempenho das medidas com origem na revisão da despesa.
No entanto, considera que em 2023 começaram-se “a criar relações efetivas, enquadradas em referenciais técnicos sólidos, com as entidades que se pretende que venham a desempenhar papéis relevantes nos processos de revisão da despesa”.
“O Tribunal conclui que, na base desta fragilidade, se encontram três fatores: a falta de institucionalização do exercício, a reduzida transparência na sua condução e o insuficiente envolvimento político“, aponta.
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