Governo e advogados em reunião decisiva sobre atualização da remuneração dos oficiosos

Pelas 10h30, a secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Maria Clara Figueiredo, vai reunir-se com a bastonária da Ordem dos Advogados sobre a revisão da tabela de honorários dos oficiosos.

A secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Maria Clara Figueiredo, vai reunir-se esta quarta-feira com a bastonária da Ordem dos Advogados (OA), Fernanda de Almeida Pinheiro, tendo na agenda a revisão da tabela de honorários dos defensores oficiosos. O grupo de trabalho vai iniciar os trabalhos às 10h30, no Ministério da Justiça. Estas negociações surgem no decorrer do protesto da Ordem dos Advogados que teve início a 1 de setembro.

Nesta ação de protesto a OA apelou à não inscrição de advogados nas escalas do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT). O SADT é o sistema que permite que os cidadãos com menor poder económico tenham acesso aos tribunais para defender os seus direitos, uma vez que a justiça não pode ser negada a ninguém. Desta forma, foi criado um sistema sustentado pelo Estado que paga a advogados, os chamados advogados oficiosos, para defender estes tipos de casos.

Em agosto, a OA abriu as candidaturas “extraordinárias” para a inscrição nas escalas do SADT em forma de protesto, abrindo assim a possibilidade aos advogados de não se manterem inscritos nas mesmas. Esta ação insere-se num protesto da OA, que considera que as negociações com o Governo sobre a alteração das tabelas de honorários do SADT para o Orçamento de Estado de 2025 “não estão a decorrer com a prioridade que o assunto impõe”. A tabela remuneratória dos advogados oficiosos não é atualizada há quase 20 anos.

A realização do serviço de escalas depende da prévia inscrição dos advogados num sistema informático gerido pela Ordem, em que os mesmos demonstram disponibilidade para o efeito. No caso das escalas de prevenção não presenciais, os advogados, se não forem chamados para nenhum serviço, não recebem qualquer valor, “apesar de essa prevenção condicionar completamente a sua vida pessoal e profissional”.

A Ordem queixa-se de que a tabela remuneratória dos advogados oficiosos não é atualizada há quase 20 anos. A entidade propôs ao Governo um aumento da tabela de honorários em cerca de 20%. A bastonária, Fernanda Almeida Pinheiro, já teve três reuniões com o Ministério da Justiça, mas, até este momento, ainda não foi alcançado nenhum acordo. “A Ordem dos Advogados propõe que seja inserida uma verba de cerca de 20 milhões de euros no Orçamento do Estado para 2025″, assume a bastonária.

Tomada de posse da nova bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro - 09JAN23
Fernanda de Almeida PinheiroHugo Amaral/ECO

Face ao protesto, o Ministério da Justiça lançou uma portaria que altera o SADT, passando agora a prever-se a possibilidade de o Tribunal, o Ministério Público ou os Órgãos de Polícia Criminal (como a PJ ou Autoridade Tributária) nomearem qualquer advogado oficioso que, sendo contactado, se manifeste disponível para aceitar a nomeação em caso de falhas nas escalas definidas.

A bastonária da Ordem dos Advogados lamentou “profundamente que a Ministra da Justiça, advogada, e a secretária de Estado Adjunta e da Justiça, juíza desembargadora, tenham gizado uma portaria ilegal, que viola a LAJ, como resposta a um protesto que justo, totalmente lícito e necessário para repor a dignidade há muito violada do SADT e da Retribuição que é devida à advocacia, nos termos da Lei e das recomendações do Conselho da Europa e do CCBE”.

“Ao invés de fazer o que lhe compete, que é atualizar e rever uma tabela que está prestes a fazer o seu vigésimo aniversário, vem propor uma portaria que regride quase 18 anos o espírito do legislador, trazendo de volta a falta de transparência, a corrupção e o cambão, há muito irradicado dos tribunais. Não existe nenhuma lacuna na lei, o que existem são disposições de segurança para evitar a corrupção”, conclui.

Antes da alteração desta portaria, à OA competia receber as inscrições dos advogados interessados em prestar esse serviço, elaborar as escalas (presenciais ou de prevenção) e fornecer as escalas dos advogados inscritos aos tribunais. E, em caso de necessidade de recurso a um defensor oficioso, o tribunal recorre aos advogados previstos nas escalas presenciais (nas comarcas onde existam) ou recorre à escala de prevenção (não presencial), dando uma hora para que o advogado contactado se apresente em Tribunal.

Assim, o Ministério da Justiça apercebeu-se que a atual Portaria não prevê situações em que a nomeação de Defensor Oficioso não possa ser feita por, entre outras razões: indisponibilidade do sistema de informação que impeça a consulta das escalas, inexistência de escalas ou indisponibilidade do advogado escalado ou não comparência no prazo regulamentar.

No seguimento desta alteração da portaria, a bastonária da Ordem dos Advogados exigiu a demissão da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Maria Clara Figueiredo, “que foi a interlocutora da Ordem dos Advogados para os assuntos da Justiça, e com quem nunca se dignou sequer a debater esta solução (nem sequer informá-la)”, disse.

“O Ministério da Justiça considera imperioso defender a existência de um sistema de acesso ao direito que disponibilize aos cidadãos que dele precisem um defensor que assegure a proteção dos seus direitos. Ao acautelar a disponibilidade atempada de defensor oficioso, além de se garantir o apoio judiciário a todos que dele precisem, evitam-se atrasos e adiamentos nos processos, poupa-se tempo e recursos aos cidadãos e aos Tribunais, assim se contribuindo para a boa administração da justiça e maior eficiência do sistema judicial“, lê-se no comunicado enviado na terça-feira pelo Ministério da Justiça.

Nenhum ato foi adiado pelos tribunais na primeira semana de outubro por ausência de advogado oficioso, segundo dados do Ministério da Justiça. Entre 1 e 4 de outubro houve registo de 23 faltas de advogados entre aqueles que se encontravam nas escalas de oficiosos definidas para este mês. Nos balanços semanais, o Ministério da Justiça não tem reportado constrangimentos significativos com o protesto que começou no início de setembro, salientando que a revisão do SADT está em curso, incluindo o tema dos honorários.

Mas quanto recebe um oficioso?

A tabela de honorários dos advogados, estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário foi atualizada em janeiro. O diploma atualiza o valor da Unidade de Referência (UR) com base no índice de preços no consumidor (IPC), sem habitação, e considerando todo o território nacional entre janeiro e setembro de 2023. O aumento foi de 3,2%, o que equivale a um aumento de 0,83 cêntimos, que significa na prática que a UR passa de 25,90 para 26,73 euros.

Por cada processo que um advogado oficioso patrocina, é aplicada a tabela da UR correspondente a cada tipo de processo. Ou seja: os mais complexos correspondem a mais UR e aos mais simples correspondem unidades mais baixas. Por exemplo, se um processo corresponder a oito unidades de referência, um advogado recebe 213,84 euros.

O valor da unidade de referência aplica-se ao apoio judiciário — defesa por parte de advogados oficiosos para cidadãos com menos condições económicas — para nomeação e pagamento da compensação do advogado patrono, pagamento da compensação de advogado oficioso, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e pagamento faseado da compensação do advogado oficioso.

A tabela de honorários dos advogados oficiosos não era atualizada desde 2009, tendo em 2020, 11 anos depois, o Governo efetuado um aumento de oito cêntimos. Um valor que na altura já tinha ficado aquém das expectativas, por não contemplar a inflação do ano respetivo, nem da quase uma década passada sem qualquer atualização ou reformulação dos honorários destes profissionais.

Dados relativos a novembro do ano passado mostram que a Segurança Social recebe, em média, quase 400 pedidos diários de proteção jurídica por parte de cidadãos sem capacidade para pagar a um advogado. A maioria é aceite, mas, ainda assim, há milhares de solicitações rejeitadas todos os anos. Entre 1 de janeiro de 2018 e 30 de setembro de 2023, foram apresentados 823.659 pedidos de proteção jurídica.

Só em 2022 foram pagos pelo Estado 132,6 milhões de euros em apoio judiciário, o que representa um aumento de quase 50% nos últimos dez anos. No ano passado, foram cerca de 140 mil pessoas que recorreram a este serviço.

O ECO sabe que mais de um terço deste valor, cerca de 50 milhões de euros, foi pago pelo Ministério da Justiça em serviços de advogados oficiosos, nomeados pela Ordem dos Advogados, sendo o restante valor relativo a despesas com perícias do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, serviços de interpretação e tradução, atos de notariado (por exemplo, em processos de inventário) e mediação e arbitragem.

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