Bruxelas deve avaliar o impacto das ajudas de Estado que concede, alerta Tribunal de Contas europeu
Perante o aumento significativo das despesas com auxílios estatais desde 2020, o Tribunal de Constas europeu recomenda uma melhoria do controlo destas medidas e da avaliação do impacto esperado.
A Comissão Europeia deve avaliar o impacto das ajudas de Estado que concede ao nível da concorrência e do mercado interno antes de decidir prosseguir este tipo de apoio pós-2025, alerta o Tribunal de Contas Europeu num relatório divulgado esta quarta-feira. A instituição liderada por Tony Murphy deixa um conjunto de avisos à Comissão Europeia que vai entrar em funções, e em particular à futura comissária da Concorrência, Teresa Ribera, porque perdeu capacidade para controlar os apoios que os Estados-membros dão às empresas, que dispararam durante a pandemia.
O presidente do Instituto Jacques Delors, Enrico Letta, no seu relatório Much more than a market, salienta que a flexibilização progressiva dos auxílios estatais em resposta às últimas crises contribuiu para limitar os efeitos negativos na economia real, mas também provocou distorções da concorrência. Letta apela a um equilíbrio entre uma aplicação mais rigorosa dos auxílios estatais a nível nacional, um aumento progressivo do apoio financeiro a nível da UE e uma abordagem mais europeia da política industrial da União, assegurando simultaneamente que as condições de concorrência equitativas não sejam comprometidas por subsídios prejudiciais.
O Tribunal de Contas europeu aponta o dedo à Comissão Europeia por ter diminuído temporariamente o controlo periódico durante as crises, o que a impediu de perceber se os Estados-membros estavam a cumprir as suas decisões e regras em matéria de auxílios estatais.
Ora tendo em conta que houve um aumento significativo das despesas com auxílios estatais desde 2020, o tribunal recomenda vivamente uma melhoria do controlo das medidas de auxílio, e a avaliação do impacto esperado dos regimes de auxílios estatais notificados.
Durante a pandemia, em 2020 e 2021, o número de decisões em matéria de auxílios estatais adotadas pela Comissão quase quadruplicou em comparação com os níveis anteriores a 2020 (de cerca de 250 para 950 por ano). Mas, em 2022, o número total de decisões diminuiu para cerca de 800. No ano seguinte, o número de decisões diminuiu para menos de 600, mas ainda muito acima dos valores de 2019, o ano anterior à Covid-19.
Apesar da relevância dos valores, a Comissão não avaliou o seu impacto, nomeadamente a nível setorial, e, por isso, todas as conclusões retiradas a partir dos dados são limitadas. Alemanha e França são as duas economias que mais ajudas estatais receberam, de longe, em termos absolutos, mas em percentagem do PIB o pódio passa ser liderado pela Grécia (país cujo setor do turismo foi fortemente afetado pela pandemia) e por Malta. Os dados poderiam levar a concluir que países com níveis de ajuda mais baixos teriam sido mais eficientes na utilização das ajudas de Estados, já que apresentaram um aumento do PIB mais significativo. Mas, “uma vez que existe uma correlação limitada entre a diminuição do PIB e as despesas com auxílios estatais a nível dos Estados-membros, sem uma análise aprofundada a nível setorial não é certo que se possam tirar tais conclusões”, escreve o Tribunal de Contas.
O Tribunal considera que “é difícil determinar se os auxílios relacionados com a crise foram proporcionais ou necessários sem dados setoriais sobre os auxílios estatais. Contudo, no presente, os Estados-membros não estão obrigados a comunicar esses dados”.
“A Comissão deve avaliar o impacto dos auxílios estatais concedidos durante as crises recentes na concorrência no mercado interno, incluindo em que medida estes auxílios permitiram sanar a perturbação económica e em que medida contribuíram para fomentar a recuperação”, diz claramente o Tribunal. “Esta avaliação deve centrar-se nos setores em que o risco de distorção da concorrência é maior”, acrescenta sublinhando que esta é uma recomendação que deveria ser executada até 2028.
O desenvolvimento de um novo quadro de auxílios estatais para complementar o acordo industrial limpo e acelerar a implantação das energias renováveis em toda a UE é um dos cadernos de encargos que Ursula Von der Leyen impôs a Teresa Ribera, a nova comissária da Concorrência.
Ribera defende que as empresas europeias precisam de ganhar escala para lidar com os rivais globais e admite que favorecer os investimentos verdes, pode ser uma forma de equilibrar os ambiciosos objetivos climáticos da UE e as aspirações de impulsionar a indústria, um favorecimento que poderá ficar explanado na revisão das regras dos auxílios de Estado, disse a ex-ministra espanhola em entrevista ao Financial Times.
O relatório, que quer contribuir para a reflexão sobre o futuro do mercado único com propostas concretas, reconhece que “os auxílios estatais são cada vez mais utilizados para apoiar a realização dos objetivos da política industrial, como o reforço da independência estratégica da UE e a transição para uma economia com impacto neutro no clima”. No entanto, “a flexibilidade das regras em matéria de auxílios estatais resultou num conjunto complexo de enquadramentos diferentes, cujas regras nem sempre são coerente”.
A Comissão ao longo dos vários quadros temporários de crise para controlo dos auxílios estatais – Covid-19, invasão da Ucrânia e redução da dependência da UE em relação aos combustíveis fósseis russos — foi introduzindo várias alterações às regras, como eliminar a obrigação de realizar uma consulta pública sobre os efeitos na concorrência e a proporcionalidade das medidas de apoio; facilitar o financiamento público sem procedimentos de concurso competitivos, desde que seja respeitada a percentagem máxima de auxílio estatal que poderia ser concedida por beneficiário (“intensidade de auxílio”); e pôr fim à aplicação de todos os princípios comuns de apreciação definidos no pacote para a modernização dos auxílios estatais. Esta última alteração significou que a Comissão deixou de avaliar os potenciais impactos negativos na concorrência nem aplicar um “critério de equilíbrio” para verificar se os efeitos negativos de tais medidas poderiam ser compensados por efeitos positivos, detalha o relatório.
Mas o tribunal considera que há mais caminho a fazer neste ponto. “A Comissão deve simplificar e racionalizar o enquadramento dos auxílios estatais para apoiar os objetivos da política industrial da UE e condicionar esses auxílios a uma análise rigorosa de dados que comprove claramente uma deficiência do mercado, por um lado, e ganhos de eficiência para o mercado interno da UE, por outro”, concluiu precisando que esta recomendação deve ser acatara em 2026. Mais um recado para Teresa Ribera.
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