Compra em Espanha ajuda a proteger CTT dos ventos de Bruxelas
O negócio da Cacesa, a empresa espanhola adquirida esta semana pelos CTT, poderá beneficiar se a Comissão Europeia impuser novas taxas sobre as encomendas feitas em plataformas da China, como a Temu.
Com o Natal a chegar, os CTT foram às compras e trouxeram no carrinho o maior operador de desalfandegamento de encomendas de Espanha, a Cacesa, presente em mais de 15 países, num investimento de 104 milhões de euros. A aquisição é estratégica para a empresa portuguesa, sobretudo com a União Europeia a discutir restrições às plataformas de comércio eletrónico asiáticas.
Era já de madrugada quando os Correios comunicaram ao mercado a última aquisição no país vizinho, ainda sujeita a aprovação regulatória, que deverá “incrementar instantaneamente cerca de 100 milhões de euros” à faturação do grupo português.
A empresa é especialista a desalfandegar encomendas, principalmente as que têm origem na China, um dos principais mercados emissores das encomendas entregues pelos CTT em Portugal e Espanha nos últimos anos.
Numa apresentação aos investidores, os CTT lembram que as encomendas da China para a Europa representam 15% a 20% das encomendas globais de comércio eletrónico internacional. Ora, a Cacesa “liga Europa e China, simplificando o comércio internacional e o e-commerce entre as duas regiões”, lê-se num dos slides. Aliás, em Portugal, os CTT têm mesmo a exclusividade das entregas da chinesa Temu pelo menos desde novembro de 2023.
Para os CTT, esta compra não representa só uma alavanca de crescimento. A Cacesa poderá ser também uma proteção contra ventos cruzados vindos de Bruxelas, admitiu esta quarta-feira o CEO do grupo centenário português, João Bento.
Em causa está o potencial travão ao avanço das plataformas asiáticas na Europa que está a ser discutido nos corredores da Comissão. Bruxelas estima que entrem na União Europeia quatro mil milhões de encomendas de baixo valor este ano, quase o triplo do registado em 2022. Estes pacotes escapam ao controlo alfandegário por terem valor inferior a 150 euros. Por isso, em 2023 foi proposto o fim dessa isenção.
Não é a única ideia em discussão. O Financial Times noticiou também este mês que a Comissão Europeia está a considerar a criação de um imposto sobre as receitas destas plataformas e de uma taxa administrativa de handling sobre cada encomenda.
O objetivo é contrariar o rápido crescimento das plataformas asiáticas no mercado único, que têm custos de produção muito inferiores aos das empresas europeias e têm enviado para a região alguns produtos potencialmente perigosos.
“Eu não quero exagerar no otimismo. Não vou dizer que essas barreiras são boas para nós. Mas olhamos para elas de forma séria e com bastante serenidade”, disse esta quarta-feira o líder dos CTT.
Num encontro virtual com jornalistas, para explicar o racional da compra da Cacesa, o CEO dos CTT detalhou como esta aquisição poderá ajudar os Correios a protegerem o negócio destas potenciais restrições. Se a Comissão vier a impor novas taxas, “isso, no limite, são boas notícias para a Cacesa”, disse o gestor. “Porque quanto mais difícil e mais complexo for desalfandegar, maior é o serviço prestado para desalfandegar, mais caro é e mais útil será uma entidade deste género, como já são hoje os CTT, no auxílio ao processo de desalfandegamento”, concretizou.
“Uma coisa parece já evidente ao fim destes anos todos: nenhuma destas entidades teve sequer a tentação de vir instalar plataformas de desalfandegamento nos mercados de destino. Nem na Europa, nem nos EUA, nem na América do Sul, que são os principais mercados de destino”, notou ainda João Bento, referindo-se, ainda que indiretamente, não apenas à Temu como também à Shein e ao AliExpress, dois outros players de referência de origem asiática.
Quanto mais difícil e mais complexo for desalfandegar, maior é o serviço prestado para desalfandegar, mais caro é e mais útil será uma entidade [como a Cacesa].
Depois, quanto a um possível impacto de novas taxas alfandegárias nos preços dos produtos — e, ultimamente, na procura dos consumidores –, o líder dos Correios relativizou a questão.
“Eu tenho um Apple Watch genuíno, com uma pulseira que não é da Apple, mas que é igual à normal — e, provavelmente, feita no mesmo sítio. Custou 1,8 euros. Se a União Europeia tivesse a tentação absurda de impor, digamos, 50% de sobretaxa, a pulseira ia passar a custar uns 2,5 euros. Na Apple custa creio que 100 euros. Portanto, há aqui um tema de elasticidade por via do aumento do preço que eu diria que é completamente irrelevante para a esmagadora maioria dos produtos comprados nestas plataformas”, exemplificou.
Por outras palavras, e numa altura em que a competitividade da Europa é um tema em forte discussão, João Bento diz que nenhuma taxa ou imposto resolveria um dos problemas que enfrenta o continente europeu neste momento: “Aquilo que está aqui em causa é um tema que não é resolvido nem com impostos nem com medidas dessa natureza: é uma assimetria gigante entre a produtividade e os preços dos produtos produzidos na Ásia — e na China em particular, para nos centrarmos na Temu — e o fabrico noutros sítios”, comentou.
Os CTT aceitaram pagar a um conjunto de investidores, com um fundo de private equity à cabeça, 104 milhões de euros para ficarem com a operação da Cacesa, acima dos 91 milhões de enterprise value da companhia (“pagámos um bocadinho mais porque a companhia tem dinheiro”, atirou João Bento). “Do ponto de vista estratégico, há um enorme fit“, disse.
Guy Pacheco, administrador financeiro dos CTT — ou “o dono do dinheiro”, nas palavras do CEO –, concorda. “De facto é uma operação que tem muita cola estratégica connosco, uma vez que nos vai permitir ganhar elos da cadeia um bocadinho a montante. Há bastantes sinergias, serviços que consumimos de terceiros e que vamos poder fazê-lo no âmbito da Cacesa”, afirmou.
Se for aprovada pelos reguladores, a Cacesa, fundada no final dos anos 80 pela companhia aérea Ibéria, será portuguesa algures em março ou abril do próximo ano.
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