Tribunal de Contas alerta para falhas graves na avaliação da sustentabilidade da Segurança Social
A auditoria do Tribunal de Contas aponta para um modelo inadequado do Governo para avaliar a sustentabilidade do sistema e para falhas de transparência das projeções e omissão de dados relevantes.
O Tribunal de Contas (TdC) lança uma série de alertas e críticas à avaliação recorrente de vários governos à sustentabilidade Financeira da Segurança Social ao longo dos últimos sete anos, num documento publicado esta quarta-feira.
Numa auditoria aos relatórios sobre a “Sustentabilidade Financeira da Segurança Social” que acompanharam as propostas de Orçamento do Estado entre 2018 e 2024, os técnicos do TdC apontam para falhas significativas na forma como a sustentabilidade do sistema de Segurança Social tem sido avaliada e projetada.
Uma das principais críticas prende-se com o modelo utilizado para fazer as projeções sobre a sustentabilidade da Segurança Social. Segundo o relatório, este modelo “não projeta adequadamente a receita e a despesa do sistema previdencial da Segurança Social, o que diminui a sua utilidade enquanto instrumento de gestão e de informação aos contribuintes, não permitindo conhecer os impactos sobre as Finanças Públicas e todas as contingências sociais para os cidadãos”.
O Tribunal de Contas critica a separação entre o sistema previdencial da Segurança Social e o regime de proteção social convergente, afirmando que esta divisão “prejudica a transparência da avaliação da sustentabilidade financeira do conjunto dos regimes contributivos de proteção social pública em Portugal”.
Esta falha é particularmente grave, pois compromete a fiabilidade das previsões sobre a sustentabilidade financeira do sistema no longo prazo. O TdC explica que o modelo “assenta em pressupostos pré-determinados e não incorpora de forma sistemática a incerteza inerente aos inúmeros fatores demográficos, económicos e financeiros que determinam a evolução da receita e da despesa do sistema previdencial”.
Na prática, isto significa que as projeções apresentadas nos relatórios de sustentabilidade podem estar significativamente desfasadas da realidade futura, não permitindo uma avaliação rigorosa dos desafios que o sistema de Segurança Social enfrentará nas próximas décadas.
Avaliação incompleta ignora componentes cruciais do sistema
Outra crítica apontada pela auditoria do TdC é que as várias versões do Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social “não é completo e abrangente, prejudicando a compreensão dos riscos financeiros, económicos e demográficos que recaem sobre a sustentabilidade global com a proteção social, na medida em que apenas se reporta à componente contributiva da Segurança Social, não incluindo a parte não contributiva e o regime de proteção social convergente relativo aos trabalhadores inscritos na Caixa Geral de Aposentações”.
Esta omissão é particularmente relevante, pois ignora componentes cruciais do sistema de proteção social português. “A inexistência de uma avaliação global e integrada dos ativos e das responsabilidades financeiras atuais e futuras dos sistemas de proteção social públicos, essencial quando existem vasos comunicantes e interações entre os vários sistemas e regimes, impossibilita o conhecimento e apreciação sobre eventuais necessidades de financiamento para cobrir défices de autofinanciamento dos sistemas e dos impactos sobre as finanças públicas, bem como a distribuição dos custos e dos benefícios entre gerações”, lê-se no documento.
Além disso, o TdC critica a separação entre o sistema previdencial da Segurança Social e o regime de proteção social convergente, afirmando que esta divisão “prejudica a transparência da avaliação da sustentabilidade financeira do conjunto dos regimes contributivos de proteção social pública em Portugal”.
O TdC identificou ainda outras falhas graves na gestão do sistema de Segurança Social. Uma delas é o facto de a taxa contributiva global do sistema previdencial não ter sido revista desde a entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, em 1 de janeiro de 2010, quando deveria ter sido revista quinquenalmente com base em estudos atuariais.
As lacunas identificadas pelo Tribunal de Contas não só comprometem a fiabilidade das previsões apresentadas, como também dificultam uma gestão eficaz e transparente do sistema de proteção social.
Segundo o relatório, “a falta de estudos atuariais impossibilita uma avaliação rigorosa do custo efetivo da cobertura de cada risco social, introduz opacidade na gestão financeira das prestações sociais e prejudica a avaliação do impacto financeiro das alterações legislativas que modifiquem as condições de acesso e/ou os montantes das prestações sociais”.
Esta situação é particularmente preocupante porque, como refere o TdC, “nesta falta, o impacto financeiro das alterações legislativas não é estimado nem internalizado no equilíbrio atuarial de cada uma das eventualidades cobertas“. Esse alerta abrange também o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), com o TdC a apontar que as projeções relacionadas com a “almofada” das pensões apresenta:
- Inconsistências nos cenários macroeconómicos: Foram detetadas divergências entre os cenários de curto prazo utilizados nas projeções e os comunicados oficialmente
- Alterações metodológicas não explicadas: O TdC observou mudanças na metodologia de cálculo do valor do FEFSS ao longo dos anos, sem que estas fossem devidamente justificadas ou o seu impacto quantificado.
- Falta de transparência: A auditoria revelou que não são divulgados publicamente os pressupostos e as alterações introduzidas nas projeções do FEFSS, nem os seus impactos nos resultados.
Recomendações do Tribunal de Contas
Face a estas conclusões alarmantes, o TdC faz várias recomendações aos responsáveis governamentais. A principal é dirigida aos Ministros das Finanças e da Segurança Social, a quem o Tribunal recomenda “a elaboração e divulgação de um relatório de avaliação atuarial, contendo a projeção integrada da situação financeira a longo prazo do conjunto dos sistemas contributivos de proteção social e do sistema de proteção social de cidadania e um balanço atuarial”.
O TdC recomenda ainda que se assegure “a publicitação da metodologia, dos pressupostos assumidos nas projeções, das alterações introduzidas nesses pressupostos e dos correspondentes impactos nas projeções“.
Além disso, sugere que o Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social passe a incorporar “métricas que permitam aferir a sensibilidade dos resultados à evolução dos principais fatores de risco demográficos, económicos e financeiros, bem como o impacto de alterações legislativas constantes da proposta de lei do Orçamento do Estado”, o que inclui análises de sensibilidade sobre o Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social (FEFSS).
Esta auditoria do TdC revela falhas graves na forma como a sustentabilidade da Segurança Social tem sido avaliada e projetada em Portugal ao longo dos anos.
As lacunas identificadas não só comprometem a fiabilidade das previsões apresentadas, como também dificultam uma gestão eficaz e transparente do sistema de proteção social, sendo por isso importante que as autoridades competentes atendam às recomendações do TdC, de modo a garantir uma avaliação mais rigorosa e abrangente da sustentabilidade da Segurança Social, essencial para assegurar a proteção social dos cidadãos no longo prazo.
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