Eleições “reforçaram confiança” em Montenegro mas não foram “cheque em branco”, diz Marcelo
O Presidente personalizou a vitória na figura de Montenegro, porque os eleitores preferiram a AD apesar da polémica em torno da Spinumviva. Mas o "crédito adicional não é absoluto", alertou.
As eleições legislativas antecipadas de 18 de maio “reforçaram a confiança” em Luís Montenegro para um segundo mandato como primeiro-ministro, mas não foram “um cheque em branco“, avisou esta quinta-feira o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso da tomada de posse do XXV Governo Constitucional da AD, a partir do Palácio da Ajuda. E enumerou seis lições a retirar das legislativas, desde logo uma que não se confirmou: “Os portugueses estavam condenados por fadiga a desinteressar-se a votar”.
“Tendo a causa inicial e, para muitos, determinante das eleições, sido a de saber se o primeiro-ministro merecia ver renovada a vitória de 2024, atendendo a juízos éticos ou morais, de integridade ou idoneidade, os resultados mostraram que o juízo coletivo reforçou a confiança política nele, numa campanha que se afirmou, junto dos seus apoiantes, por elevar a personalização a elemento decisivo de escolha eleitoral”, afirmou o Chefe do Estado. Ou seja, o caso da empresa familiar de Luís Montenegro, Spinumviva, que ditou a queda do Governo não foi suficiente para castigar a AD.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, “o reforço eleitoral na coligação vencedora também demonstrou que, tudo somado, os portugueses – comparando a candidatura com as demais – a preferiram, e avaliado o desempenho durante onze meses, não acharam que se justificasse ser punida, antes credora de maior votação”.
No entanto, “os portugueses não deram, nem ao vencedor sozinho, nem à eventual soma com o mais próximo partido de centro-direita, maioria absoluta de votos, nem de mandatos”.
“Foi uma vitória impressiva, por ser com apenas 11 meses de Governo, pela carga decisiva do juízo ético ou moral que estava em causa, pela divisão da chamada direita, e pela acrescida complexidade no derrube do Executivo, mas não foi um cheque em branco, se é que as maiorias absolutas, elas próprias, são cheques em branco”, salientou.
Marcelo concluiu que ” os portugueses premiaram o que consideraram melhor, ou mais seguro, ou menos arriscado de todos os caminhos, mas sem quererem converter o crédito adicional em crédito ilimitado, o incentivo à prossecução da obra iniciada em poder absoluto, ou a humildade e empatia em auto-centramento, ou menor abertura a outras lições do ato eleitoral”, insistiu.
Sobre a ascensão da extrema-direita e a mudança de paradigma, em que o Chega passou a líder da oposição e o PS caiu para terceira força política, o Chefe do Estado lembrou que, em 2018, já tinha alertado para a chegada do populismo com a primeira eleição de Donald Trump, mas “os otimistas” desvalorizaram.
“As eleições de 2024 e 2025 mostraram o fim desse ciclo e um virar de página, agora mais pronunciado. Ou seja, as fórmulas, as forças políticas e as lideranças não são eternas e, a um ciclo de um lado, sucedeu, na nossa democracia, várias vezes, um ciclo de lado oposto ou diferente, como forma de mudança, ou, se se quiser, de vivência da própria democracia”, continuou.
Para o Presidente, o crescimento do Chega também se inseriu “numa evolução europeia que chegou mais tarde a Portugal, de enfraquecimento dos partidos clássicos perante novas realidades políticas”.
“Portugal mudou. O sistema político, partidário e de parceiros sociais que resistira aos choques dos anos da troika, do pós-troika, da pandemia, começou a fragilizar-se depois, e, com ele, a alterar-se o perfil e a importância dos protagonistas políticos e sociais”, prosseguiu. E aqui elogiou a atitude de Luís Montenegro, que “tudo fez para manter as contas certas herdadas e manter o desemprego baixo e o crescimento estabilizado, e ir ao encontro do mais urgente por resolver”.
“Sarar feridas, cumprir promessas, aquietar, ainda que, nalguns casos, simbolicamente, setores desesperançados, na educação, na saúde, nas forças armadas, nas forças de segurança, na Administração Pública e na justiça”, completou.
Porém, assinalou, que, “agora, a meta é bem mais ambiciosa”. O primeiro-ministro “quer ir e tem de ir à raiz estrutural, do que precisa de se ajustar a um novo Portugal, acelerando o uso dos apoios europeus, estimulando investimento e exportações, assim contribuindo para aumentar o poder de compra, portanto, os salários dos Portugueses”.
“Não esquecendo os mais pobres e excluídos. Mudando sistemas e orgânicas encravadas ou necessitadas de perspetiva de futuro, nomeadamente na saúde, na habitação e mesmo nalguns setores da educação. Enfrentando guerra e fazendo paz, com mais despesas em defesa e mais dever de manter consistência solidária e apoio constante quanto à Ucrânia e sobressalto humanitário e político quanto ao Médio Oriente”, prosseguiu.
Marcelo salvaguardou que, para estes novos objetivos, Montenegro tem um Governo “sem maioria absoluta”, mas está “reforçado” em comparação com o Executivo de há um ano. E, agora, indica, conta com “a abertura das oposições, e uma a mais antiga e a quem tanto se deve a nossa democracia”, isto é, o PS, “e outra emergente, que mobiliza muitos dos jovens mais desiludidos e outros portadores de mudanças mais radicais”, ou seja, o Chega.
No final, mostrou a Luís Montenegro que agora tem condições para fazer mais: “Já demonstrou que é determinado e resistente, mesmo na equipa que mantém e retoca, decidido em converter o impossível em possível, conta com o Presidente da República, conta com o diálogo parlamentar, com um presidente da Assembleia da República legitimado e conta com a expectativa do povo”.
“Esta vitória é personalizada na eleição que acabámos de viver”, repetiu Marcelo. Por isso, colocou o ónus em Luís Montenegro para garantir que “o essencial de abril permaneça, em liberdade e justiça social” e que seja “capaz de entender e dar futuro a um Portugal muito diferente daquele de 1974”. “Que a sua entrega e resiliência sejam coroadas de êxito, é meu voto muito sincero e creio que é o voto sincero de muito Portugal!”, rematou
Há um ano, Marcelo avisou para não desbaratar excedente orçamental
No discurso da tomada de posse do primeiro Governo de Luís Montenegro, há um ano, o Presidente da República alertava para não desbaratar o excedente orçamental. “Onde não temos problemas, não os devemos criar, como no consenso sobre a necessidade de mais crescimento económico, no equilíbrio das contas públicas e atenção à dívida pública”, afirmou, na altura, Marcelo Rebelo de Sousa. “É importante manter a coerência e credibilidade” na Europa e no mundo que “tanto nos tem ajudado”, sublinhou.
Há um ano, Marcelo admitia que a governação seria “muito difícil”, tendo em conta a posição minoritária do Executivo no Parlamento, com 80 deputados. Mas “missão impossível, não o creio”, salvaguardou. “Há sempre soluções em democracia”, disse, citando Francisco Salgado Zenha, que foi ministro das Finanças e da Justiça nos primeiros Governo provisórios depois da queda da ditadura.
“A vitória eleitoral foi difícil, talvez das mais estreitas em eleições parlamentares. Imagino que também por isso a mais gratificante”, vincou. E, inspirando-se na obra do final do século XVII “O pão partido em pequeninos” do padre Manuel Bernardes, deu o seguinte conselho: “O pão partido em pequeninos, aplicável a esta situação, significa que se parte um problema em vários pequenos e resolve-se um a um com paciência, sem criar ambições ilusórias. Pode não ser espetacular neste tempo de grandes emoções, mas pode ser um caminho com virtualidades”.
(Notícia atualizada às 18h57)
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