Fundos ESG com saldo negativo recorde. Europa também recua

Neste dia do Ambiente, saiba como o investimento em sustentabilidade registou uma evolução negativa no início do ano, e quais os fatores que vão determinar o futuro deste segmento.

O investimento em fundos de sustentabilidade teve um saldo negativo recorde no primeiro trimestre de 2025. A Europa surpreendeu pela negativa, ao apresentar pela primeira vez um balanço negativo entre as entradas e saídas de capital neste segmento. Os analistas consultados pelo ECO/Capital Verde apontam para a política nos Estados Unidos como a grande influência negativa, mas realçam a regulação, sobretudo a nível europeu, como incentivo para que o investimento em fundos ESG, em particular na Europa, não esmoreça.

O universo de fundos de sustentabilidade, focados em fatores ambientais, sociais e de governança (ESG), “enfrentaram o seu pior trimestre” de janeiro a março de 2025, mostram os mais recentes dados da Morningstar Sustainalytics.

Em causa estão outflows líquidos (saída) de 8,6 mil milhões de dólares, que contrastam – “numa inversão a pique” – com os inflows (entrada) de 18,1 mil milhões de dólares que foram registados no último trimestre de 2024.

O início de 2025 marcou uma mudança estrutural no posicionamento dos fundos ESG a nível global. As pressões políticas, a revisão regulatória e o enfraquecimento da narrativa ESG nos EUA levaram a uma quebra visível na confiança de investidores institucionais”, resume Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa.

Nos mercados, o que pesa são os retornos, e a ideia de que o alinhamento com a sustentabilidade e os subsídios estatais, por si só, seriam suficientes para atrair capital mostrou-se frágil”, observa o analista da ActivTrades. Dennis Baas, responsável pelos Estrategistas de Sustentabilidade da Allianz Global Investors (AllianzGI), reforça que surgiram preocupações com o desempenho dos fundos temáticos ligados à sustentabilidade, “que frequentemente apresentaram um desempenho inferior ao do mercado em geral, levando os investidores a procurar melhores retornos“.

O desempenho “fraco” de setores como a energia limpa, aliada à subida das taxas de juro e à prioridade dada ao crescimento económico e à defesa, contribuiu para o desvio de capital para estratégias convencionais, acrescenta Paulo Rosa.

Henrique Valente, analista da ActivTrades Europe, acrescenta como justificação a retração das pressões tecnológicas, ao mesmo tempo que vê razões ideológicas e reorientações geopolíticas como fatores desfavoráveis para a evolução dos fundos ESG.

Ao mesmo tempo, considera que a junção de temas distintos sob a mesma sigla – do ambiente à diversidade e inclusão – foi “um erro” já que “politizou desnecessariamente o movimento”. E considera difícil compatibilizar o boom da inteligência artificial – que “ainda está no início” – com as questões ambientais, dadas as elevadas necessidades energéticas, o que diz afastar as empresas do caminho da sustentabilidade.

Adriana Rojão, analista da XTB, sublinha contudo que houve apenas “uma ligeira retração” nos ativos sob gestão, “o que está em linha com a tendência verificada noutras classes de ativos“. Atribui o recuo a um movimento mais generalizado de saídas no contexto de correções nos mercados acionistas globais, sobretudo em fevereiro.

Apesar das saídas recorde, o universo de fundos ESG manteve o que a Morningstar considera um “nível elevado” de ativos investidos: somavam 3,16 biliões de dólares no final de março.

Para Dennis Baas, o nível próximo de máximos históricos no qual estes ativos se mantêm demonstra “a sua importância continuada no panorama dos investimentos”.

Seriam necessários vários trimestres como este para alterar a tendência a longo prazo“, remata, ao mesmo tempo que garante um “interesse sustentado” por parte dos investidores.

Europa surpreende pela negativa

O recuo no investimento em fundos ligados à sustentabilidade é comum em “quase todas” as regiões mais relevantes, sendo que os Estados Unidos e a Europa são os territórios onde esta tendência foi mais evidente, lê-se na análise da Morningstar. Nos Estados Unidos, a regressão não é novidade: este foi o décimo trimestre consecutivo no qual o registo líquido foi negativo. Neste trimestre, a contração foi de 6,1 mil milhões de dólares.

O regresso de Donald Trump à presidência dos EUA e a sua oposição às políticas ESG, contribui para uma maior cautela entre investidores e gestores“, assinala Paulo Rosa, apontando “repercussões na Europa”, onde os investidores terão passado “a duvidar do compromisso internacional com a sustentabilidade”, entende Rosa.

no que diz respeito ao Velho Continente, o movimento foi inédito. Desde 2018, o primeiro ano monitorizado, nunca se havia registado um saldo negativo no investimento em fundos ESG nesta geografia. A quebra no trimestre foi de 1,2 mil milhões de dólares, em contraste com os 20,4 mil milhões de dólares correspondentes ao último trimestre do ano passado.

Na Ásia (excluindo o Japão) a quebra foi mais modesta, de 918 milhões de dólares. O Japão, contudo, sozinho, caiu quase na mesma medida: 900 milhões de dólares. A contrariar estiveram o mercado canadiano, australiano e neo-zelandês, que atraíram cerca de 300 milhões de dólares para fundos ESG.

Regulação e política ditam futuro dos fundos

A evolução do investimento em fundos ESG dependerá do equilíbrio entre contexto político, desempenho financeiro e clareza regulatória“, baliza Paulo Monteiro Rosa.

Daqui para a frente, a puxar pelos fundos ESG, deverá estar alguma estabilização regulatória na Europa e Reino Unido, a procura estrutural por produtos sustentáveis por parte de investidores institucionais e o interesse contínuo em setores como energia limpa e inovação climática, enumera o Banco Carregosa. A XTB coloca a ênfase, como motor, na regulação, em particular no contexto europeu, mas também na evolução tecnológica no setor das renováveis.

Em oposição, a retórica anti-ESG nos EUA, o desempenho fraco de alguns setores “verdes”, os receios de greenwashing e a complexidade crescente das exigências regulatórias podem travar a recuperação, continua Paulo Rosa.

O Banco Carregosa espera que na Europa exista “alguma estabilização a médio prazo” mas, com “maior previsibilidade regulatória”, os fluxos financeiros poderão voltar a ser positivos, embora de forma menos expressiva do que em anos anteriores.

Adriana Rojão, da XTB, não vê uma inversão estrutural no caso europeu. Considera que a regulação europeia sustenta o crescimento deste segmento de investimento no bloco europeu, mesmo que os fluxos possam sofrer ajustes de curto prazo.

No bloco, Rojão crê que “é plausível antever um aumento dos fluxos de investimento para fundos ESG“, caso se mantenham as valorizações nos índices acionistas europeus e a pressão regulatória continue a intensificar-se.

Showing financial developments and business growth with a growing tree on a coin.Freepik

Já nos Estados Unidos, o economista sénior do Banco Carregosa espera que o momento negativo persista enquanto se mantiver a atual orientação política.

A Allianz GI reitera que a reação política adversa aos princípios ESG neste território deve prosseguir, mas ressalva que os investidores com uma convicção favorável aos princípios da sustentabilidade vão continuar a investir segundo os seus valores. A XTB tem como expectativa para os próximos trimestres “estabilidade” em termos de entradas nos fluxos de capital para fundos ESG nos EUA e na Ásia.

No continente asiático, a Allianz GI conta que as regulamentações e iniciativas de sustentabilidade ajudem a estimular a procura por fundos sustentáveis. “De um modo geral, esperamos que o interesse pelos conceitos de investimento sustentável aumente”, embora a partir de uma base mais pequena, indica Baas.

Para Paulo Monteiro Rosa, “2025 poderá marcar um ponto de transição”: prevê que a sustentabilidade continue a ser um fator estrutural de longo prazo, mas “com contornos mais prudentes e maior exigência de consistência e transparência por parte dos gestores”.

“O crescimento futuro dependerá da credibilidade dos produtos e da consistência entre narrativa e prática”, remata o economista sénior do Banco Carregosa. “À medida que mais capital é alocado em investimentos de impacto nos mercados privados, é essencial medir a entrega de impacto de forma robusta e fiável”, concorda o analista da Allianz Gi.

Projetos ambientais podem ficar a perder

Na sequência do abrandamento dos fluxos financeiros na área da sustentabilidade, o Banco Carregosa vê a possibilidade de que exista uma desaceleração no financiamento de projetos sustentáveis, nomeadamente nas áreas da transição energética, inovação climática e mobilidade verde, já que menos capital nestes fundos pode resultar numa “maior dificuldade” em canalizar investimento para empresas e tecnologias com impacto ambiental positivo e “reduzir o ritmo de transformação dos setores mais poluentes”.

Numa visão mais otimista, Adriana Rojão acredita que a incorporação de critérios ESG nos investimentos não deverá ter grande impacto nos objetivos europeus em termos ambientais.

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