Plano anticorrupção nos gabinetes do Governo chega com oito meses de atraso

Estratégia que identificou 11 riscos de conflito de interesse em decisões executivas e acesso a dados devia ter sida implementada em outubro de 2024, mas só agora foi publicada em Diário da República.

O Plano de Prevenção de Riscos de corrupção e de conflitos de interesses do Governo, que deveria ter sido adotado em outubro de 2024, só foi publicado em Diário da República esta quinta-feira. Ou seja, oito meses depois do previsto e no dia em que o primeiro-ministro e os restantes ministros tomam posse. O documento chega depois de o Executivo anterior ter caído precisamente por potenciais conflitos de interesse entre a empresa Spinumviva, da família de Luís Montenegro, e as suas funções governativas.

O Código de Conduta do anterior Executivo de Montenegro, de 24 de abril de 2024, já tinha determinado que “o Governo, no prazo de 180 dias, adota um plano de prevenção de riscos, abrangendo a respetiva organização e atividade, incluindo áreas de administração ou de suporte, contendo mecanismos que permitam reduzir os riscos de ocorrência de conflitos de interesse e que promova a transparência relativamente aos membros do Governo e aos membros dos gabinetes”, como recomenda o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC). Os tais 180 dias já foram largamente ultrapassados e só agora, passados oito meses, é que a resolução do Conselho de Ministros foi publicada.

Recentemente e quatro dias depois das eleições legislativas de 18 de maio, o MENAC emitiu uma recomendação, insistindo que o Executivo adote instrumentos que evitem riscos de corrupção, como um código de conduta e um plano de prevenção públicos, que passem por diminuir os conflitos de interesses e aumentar a transparência dos governantes. O organismo defendeu “a necessidade premente de promover a confiança dos cidadãos nas instituições do Estado de Direito assegurando a transparência e o controlo da integridade nos órgãos de soberania”, não deixando de referir a “experiência” passada do caso Spinumviva.

Na resolução aprovada em fevereiro em Conselho de Ministros, que aprova o tal plano de prevenção de riscos, e que agora foi publicada, o Governo “identifica a corrupção como um grave problema que afeta a qualidade da democracia, a eficiência da gestão pública, a equidade da distribuição de recursos e a confiança dos cidadãos nas instituições”. “Mina, também, os valores da transparência, da responsabilidade, da participação e da integridade, valores fundamentais para uma sociedade livre, justa e solidária”, segundo o diploma assinado por Luís Montenegro.

Neste contexto, “são necessários mecanismos que melhorem a transparência e a integridade do sistema democrático, reforçando a confiança dos cidadãos nas instituições do Estado de Direito”, lê-se no mesmo documento. O Plano de Prevenção de Riscos (PPR) abrange não apenas os governantes como também os membros dos seus gabinetes, “designadamente no que respeita ao pessoal que neles exerce funções”.

O Plano de Prevenção de Riscos do Governo (PPR) é “aplicável aos membros do Governo e, com as devidas adaptações, aos membros dos respetivos gabinetes, que consta em anexo à presente resolução e da qual faz parte integrante”, estabelece o documento legal.

A resolução indica anda que “cada ministro fica responsável pelo cumprimento do PPR do Governo” e por “identificar e avaliar potenciais riscos específicos na sua área governativa”. E a nova Secretaria-Geral do Governo deve apoiar “os membros do Governo na implementação do PPR, garantindo o arquivo da documentação associada”, de acordo com o diploma.

“Partindo das circunstâncias factuais investigadas nos procedimentos comunicados ao MENAC e considerando as recomendações do Group of States against Corruption (GRECO)”, o Governo efetuou “a identificação das tipologias de áreas e fatores de risco que se associaram a essas ocorrências”.

Há 11 riscos de conflitos de interesse

“Em colaboração com entidades especializadas”, foram identificados “11 riscos transversais à atividade governativa relacionados com conflitos de interesses, exercício de poderes discricionários e a eficácia dos procedimentos internos, destacando-se a necessidade de reforçar a transparência e os mecanismos de prevenção”.

Face às ameaças identificadas, o Governo decidiu implementar “medidas de caráter preventivo e mecanismos de controlo” para “mitigar ou erradicar os riscos previamente identificados”. “Este processo traduziu-se no amadurecimento das estratégias delineadas, assegurando uma abordagem mais robusta e eficaz na salvaguarda dos princípios de integridade e transparência”, de acordo com o mesmo diploma.

Por exemplo, em situações de eventual conflito de interesses, o PPR determina que o governante, o gestor, dirigente público ou membro do gabinete em causa deve “solicitar escusa na participação no procedimento, ou, nas situações de impossibilidade de substituição, abstenção nos atos decisórios”. “Em ambos os casos, e sempre que possível, deve fazer-se registo do(s) facto(s) que originam o eventual conflito de interesses”, indica o plano.

No exercício de poderes discricionários na decisão administrativa, outro dos riscos identificados, a estratégia anticorrupção adotada pelo Governo assinala que deve ser garantido que tais “poderes são exercidos tendo por base critérios objetivos e de interesse público, designadamente, nas fases de avaliação e decisão, assegurando a prossecução do interesse público”.

Nos “acessos a bases de dados e registos informáticos, incluindo controlo sobre gestão e partilha de passwords, perfis de acesso, proteção de dados e deveres de reserva e sigilo”, devem ser criados “perfis específicos de acesso aos sistemas informáticos segundo critérios de competência funcional e técnica”, devem ser revistos com regularidade “os critérios e perfis de acesso” e adotadas “medidas de obrigatoriedade (com a frequência considerada adequada) de alteração de passwords e/ou outros critérios de acesso”.

Para além disso, os governantes, dirigentes e membros dos gabinetes devem participar em “ações formativas sobre acessos informáticos, deveres e responsabilidades na proteção de dados, no sigilo sobre os dados acedidos e sobre cuidados na utilização de palavras-passe e/ou outros critérios de acesso”.

Em “situações de eventual conflito de interesses na contratação pública”, “os membros do Governo entregam, e mantêm atualizada, a declaração de registo de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos à Entidade para a Transparência”.

Sempre que haja risco de imparcialidade na conduta ou decisão do governante ou membro do gabinete, este deve “solicitar escusa na participação no procedimento ou, nas situações de impossibilidade de substituição, abstenção nos atos decisórios”. “Em ambos os casos, e sempre que possível, deve fazer-se registo do(s) facto(s) que originam o eventual conflito de interesses”, de acordo com o PPR.

A estratégia anticorrupção refere ainda que “cada área governativa tem a faculdade de identificar novos riscos e respetivas medidas de eliminação ou mitigação, tendo em conta as suas especificidades, a par da criação de condições para a execução das medidas preventivas relativas aos riscos transversais identificados”.

“Cabe a cada ministro a responsabilidade pelo cumprimento do PPR do Governo na sua área governativa, pela efetiva execução das medidas e controlos internos, contando para tal com o apoio da Secretaria-Geral do Governo em tudo o que se afigurar necessário, designadamente na preservação e arquivo da documentação associada”, de acordo com a mesma resolução.

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