“Equilibrar” direito à greve, “comprar” férias e simplificar lay-off. O plano do Governo para o mercado de trabalho
Programa do Governo tem dezenas de propostas para mudar mercado de trabalho, como a revisão da lei laboral, a subida dos salários e a reestruturação da formação. Discussão arranca esta terça-feira.
A intenção de mudar a lei da greve não constava no programa eleitoral da AD, mas está clara no programa do Governo, que começa a ser discutido esta terça-feira.
No âmbito de uma revisão mais ampla do Código do Trabalho, o Executivo de Luís Montenegro quer melhorar o equilíbrio entre o direito à greve e a “satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, apesar de os sindicatos já terem deixado claro que se opõem a qualquer mudança nessas regras.

Voltemos por momentos a maio. Em protesto contra a imposição de aumentos salariais que “não repunham o poder de compra” e pela negociação coletiva de reforços remuneratórios “dignos”, vários sindicatos que representam trabalhadores da Comboios de Portugal convocaram greves de vários dias, que coincidiram com o período de campanha eleitoral.
“Um dia vamos ter de pôr cobro a isto“, não tardou a reagir Luís Montenegro, garantindo que não estava a pôr em causa o direito à greve, mas explicando que era preciso encontrar um mecanismo de modo a evitar que a greve comprima os direitos dos demais cidadãos.
A campanha eleitoral, entretanto, terminou, as greves na Comboios de Portugal também, mas o assunto não desapareceu da mente do primeiro-ministro. Tanto que, no programa do Governo que começa a ser discutida esta manhã, está a intenção de “equilibrar de forma mais adequada o exercício do direito à greve com a satisfação de necessidades impreteríveis“.
Por enquanto, o Executivo não detalha o que pretende fazer, mas os advogados ouvidos pelo ECO em maio já avisavam que a lei já prevê esse mecanismo de equilíbrio entre o impacto da greve e os direitos dos demais cidadãos: são os serviços mínimos. Mais, os especialistas alertaram que será difícil mudar as regras das greves, uma vez que este é um tema sensível e um direito previsto na própria Constituição.
Equilibrar de forma mais adequada o exercício do direito à greve com a satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Da parte dos sindicatos, tanto a CGTP como a UGT já foram claros, dizendo-se contra qualquer mudança na lei da greve. “Uma greve é para causar transtorno“, atirou Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UTG, que explicou ao ECO que os serviços mínimos já fazem o equilíbrio entre os protestos e os direitos dos demais cidadãos.
Além das regras da greve, o Governo quer mudar a lei do trabalho, “desejavelmente no contexto da Concertação Social”, para “melhorar a adequação do regime legal aos desafios do trabalho na era digital“.
Abre, assim, a porta, por exemplo, a “regulamentação diferenciada” do teletrabalho e do trabalho em nomadismo digital, mas também à possibilidade de o trabalhador “comprar” dias de férias, “com um limite a definir contratualmente entre as partes”.
Maior flexibilidade no gozo de férias por iniciativa do trabalhador, com a possibilidade de aquisição de dias de férias, com um limite a definir contratualmente entre as partes.
Hoje, os trabalhadores do setor privado têm direito a 22 dias de férias, sendo possível engordar esse período, por exemplo, por negociação coletiva. O que o Governo sugere agora — em linha com o que já tinha previsto no programa eleitoral — é reforçar a flexibilidade no gozo de férias por iniciativa do trabalhador.
Por outro lado, o Executivo pretende “clarificar, desburocratizar e simplificar em matéria de parentalidade, teletrabalho, organização de trabalho, transmissão de estabelecimento, processo do trabalho e lay-off“.
Sobre este último mecanismo — que permite às empresas em crise suspenderem os contratos de trabalho ou reduzirem os horários de trabalho –, é de recordar que, durante a pandemia, houve uma versão simplificada, mas o lay-off hoje disponível já regressou ao seu modelo clássico e mais moroso. Vários especialistas já tinham apelado à atualização desse regime, como prevê agora o programa do Governo.
Já quanto à negociação coletiva, a intenção é, no âmbito de uma revisão da lei do trabalho, redinamizar esse diálogo, “nomeadamente em matéria de vigência e conteúdo das convenções coletivas“.
“Avaliar a definição de critérios de representatividade mínima para a emissão de portarias de extensão das convenções coletivas de trabalho, de forma a desincentivar a fragmentação sindical e reforçar o diálogo social nas empresas”, propõe, num outro ponto, o Governo.
No seu primeiro Governo, Luís Montenegro tinha deixado no programa a vontade de revisitar a Agenda do Trabalho Digno, isto é, o pacote de alterações à lei do trabalho levado a cabo pelo último Executivo de António Costa. Desta vez, não refere diretamente essa vontade, mas, antes, identificam-se uma série de normas (como as já referidas) que serão alvo de revisão.
Acumular salário com prestações sociais
Ainda no capítulo dedicado ao trabalho e emprego, o Governo aponta a criação de um subsídio ao trabalho, “com a possibilidade de acumulação de rendimentos do trabalho com apoios sociais“, de modo a incentivar a participação ativa no mercado de trabalho;
“Substituiria um conjunto alargado de apoios sociais, sem perdas para ninguém, por um suplemento remunerativo, acumulável com rendimentos do trabalho, RSI, pensão social, ou outros apoios sociais dirigidos a situações sociais limite, que atenue o empobrecimento dos trabalhadores empregados e incentive a sua participação ativa no mercado de trabalho, e que tenha em conta a dimensão e composição do agregado familiar”, detalha o Executivo.
Em junho do ano passado, a ministra do Trabalho tinha admitido vir a permitir que os beneficiários de prestação de desemprego acumulassem esse valor com um novo salário, para evitar os casos em que é mais vantajoso continuar sem emprego (e a receber prestações da Segurança Social) do que abraçar uma nova oportunidade. A medida acabou por não avançar na legislatura anterior, mas poderá agora fazer o seu caminho
Leque salarial é para eliminar, insiste Governo

No programa que começa a ser debatido esta terça-feira, o Governo insiste também em eliminar o critério do leque salarial do benefício salarial para os empregadores que aumentem os salários.
“Aprovar benefícios fiscais associados ao aumento dos salários e ao regime de isenção de IRS e TSU nos prémios de produtividade por desempenho até 6% da remuneração base anual, através da eliminação da norma que condiciona os ditos benefícios ao leque salarial nas empresas, voltando a apresentar ao Parlamento a proposta de leque, permite concretizar este objetivo”, lê-se no documento.
Desde 2022, com o acordo de rendimentos assinado ainda pelo Governo de António Costa com os parceiros sociais, que está previsto um benefício em sede de IRC para as empresas que aumentem os salários em linha com o referencial definido em Concertação Social.
Aprovar benefícios fiscais associados ao aumento dos salários e ao regime de isenção de IRS e TSU nos prémios de produtividade por desempenho até 6% da remuneração base anual, através da eliminação da norma que condiciona os ditos benefícios ao leque salarial nas empresas.
Tem estado definido, no entanto, que esse benefício só pode ser aplicado às empresas que não registem aumentos do leque salarial dos trabalhadores face ao anterior, isto é, não agravem as diferenças entre os salários mais elevados e mais baixos.
O acordo assinado em 2024 na Concertação Social pelo Governo já liderado por Luís Montenegro deixou cair, porém, essa condição. E a proposta de Orçamento do Estado para 2025 previa mesmo a sua revogação. Mas uma coligação negativa travou-o. O Governo promete agora insistir. O teste começa esta terça-feira, no Parlamento.
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