Estado obrigado a devolver todo o adicional cobrado à banca. São 180 milhões no total

Valores cobrados indevidamente desde 2020 terão de ser ressarcidos, Ministério das Finanças está a avaliar impacto da decisão. Juiz vencido dá pista para superar inconstitucionalidade do imposto.

O Estado vai ter de devolver cerca de 180 milhões de euros cobrados indevidamente aos bancos desde 2020, ao abrigo do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) que acaba de ser declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelos juízes do Palácio de Ratton. Constitucionalistas ouvidos pelo ECO confirmam que o Fisco terá de ressarcir a banca e com juros de mora. Um dos juízes vencidos dá pista para superar inconstitucionalidade do imposto.

O Ministério das Finanças escusou-se a responder às questões do ECO remetendo para as declarações desta quinta-feira do ministro, à margem da reunião do Eurogrupo, no Luxemburgo. Joaquim Miranda Sarmento está a avaliar “o impacto que terá na devolução de imposto”, ressalvando que alguns valores foram prestados sob a forma de garantia, ou seja, não foram efetivamente pagos.

Em causa está o imposto adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado em 2020 pelo Governo de António Costa, para ajudar a financiar a Segurança Social na resposta à crise provocada pela pandemia de Covid-19.

O plenário dos juízes do Palácio de Ratton decidiu agora “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, […] o regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, […] por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária”, lê-se no acórdão, datado de 3 de junho, e divulgado esta quarta-feira no site do Tribunal Constitucional. A decisão surge na sequência do pedido de fiscalização sucessiva do ASSB por parte do Ministério Público face aos 32 juízos, entre acórdãos e decisões sumárias, que concluíram pela inconstitucionalidade do imposto.

O Estado vai mesmo ser obrigado a devolver todos os valores cobrados indevidamente desde 2020 e com juros de mora.

José Moreira da Silva

Constitucionalista

“O Estado vai mesmo ser obrigado a devolver todos os valores cobrados indevidamente desde 2020 e com juros de mora, porque o acórdão não estabeleceu qualquer limite nos efeitos temporais. Ou seja, a decisão retroage até ao momento em que entrou em vigor”, explicou ao ECO o constitucionalista José Moreira da Silva.

A opinião é corroborada por Tiago Duarte. “O Estado terá de devolver as verbas cobradas ao abrigo das normas declaradas inconstitucionais, pois a decisão do Tribunal Constitucional tem efeitos retroativos e então é como se essas normas nunca tivessem existido (por serem inconstitucionais). Ora, sem essas normas, não há base legal para se cobrar o que se cobrou“, reforça o constitucionalista.

A decisão do Tribunal Constitucional tem efeitos retroativos e então é como se essas normas nunca tivessem existido (por serem inconstitucionais).

Tiago Duarte

Constitucionalista

O Executivo já indicou que vai acatar a decisão. “O Governo, como qualquer Governo, cumpre e cumprirá as ordens, as decisões dos tribunais, neste caso concreto, o Tribunal Constitucional sobre o chamado adicional de solidariedade da banca. Nós ainda estamos a analisar o acórdão, as suas implicações, qual é o impacto que terá na devolução de imposto que tenha sido pago pelos bancos”, disse o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, esta quinta-feira, citado pela Lusa.

Os relatórios da Conta Geral do Estado (CGE), consultados pelo ECO, mostram que, desde 2020 e até 2024, o Fisco exigiu aos bancos 178.739.515,47 euros, ou seja, cerca de 180 milhões de euros, montante que agora terá de ser devolvido. Se, a este valor, somarmos os 40,8 milhões que deverão ser arrecadados este ano, segundo o relatório do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), os cofres públicos terão de dispensar um total de 219,5 milhões de euros.

Joaquim Miranda Sarmento salientou que “uma parte deste imposto foi efetivamente paga”, mas admitiu que “outra parte, tendo havido recursos e contencioso, esteja apenas na forma de garantia”. “Temos que fazer toda essa análise, mas não deixaremos de cumprir a decisão do Tribunal Constitucional”, garantiu.

Juiz vencido dá pista para superar inconstitucionalidade

O ministro das Finanças lamentou ainda que “o adicional de solidariedade” tenha sido “criado de uma forma que acaba por resultar numa inconstitucionalidade e que, obviamente, prejudica os contribuintes portugueses porque este imposto acaba por não ter o efeito desejado”.

A este respeito, o constitucionalista José Moreira da Silva nota que, “entre os quatro juízes que votaram vencidos, isto é, que não concordaram com a inconstitucionalidade, António José da Ascensão Ramos apresentou uma extensa declaração de voto explicando como outros países europeus conseguiram contornar a questão legal”.

Por exemplo, Espanha criou “uma sobretaxa ao IRC de 4,8% aplicável aos bancos”, Bélgica “agravou a taxa de 0,13% para 0,17% do passivo em balanço” e Itália lançou, em 2023, um imposto sobre rendimentos excessivos, tributando em 40% os lucros da banca que excedessem em mais de 10% os proveitos líquidos de 2021″, lê-se no relatório do juiz.

Sem responder se está a pensar em criar um regime diferente que passe pelo crivo do Constitucional, Joaquim Miranda Sarmento insistiu que o Governo vai “analisar a situação, ver que impacto é que o acórdão e aquilo que são os valores”.

Questionado sobre os 40,8 milhões de euros de encaixe previstos para este ano, o ministro das Finanças comparou: “Quando qualquer contribuinte vai para contencioso com a administração tributária pode pagar e depois, obviamente, é-lhe devolvido o dinheiro se for dada a razão […] e vamos olhar para a tributação desse setor e procurar a melhor solução para os contribuintes portugueses”.

O Ministério Público pediu ao tribunal a fiscalização sucessiva do ASSB depois de nos últimos meses se terem acumulado 32 decisões, entre acórdãos e decisões sumárias, que concluíram pela inconstitucionalidade do imposto. Embora este desfecho fosse o mais esperado, nem todos os juízes do Palácio de Ratton votaram a favor da declaração de inconstitucionalidade: quatro dos 12 juízes votaram vencidos.

O Tribunal Constitucional já tinha declarado, no início deste mês, a inconstitucionalidade de uma norma do ASSB, relativa ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos. A decisão conhecida agora coloca um ponto final no ABBS.

Já antecipando este desfecho, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) já tinha declarado ao ECO que o fim do adicional é o “Estado de Direito a funcionar”. “Quer as sucessivas decisões judiciais, quer este pedido, confirmam o que sempre foi o entendimento do setor sobre o assunto. É simplesmente o Estado de Direito a funcionar”, referiu a associação.

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