Petróleo em alta coloca empresas em sobressalto
Com a cotação a disparar devido à guerra no Médio Oriente, as empresas alertam que os preços dos produtos deverão subir e que o Governo poderá ter de tomar medidas para atenuar o impacto na economia.
O Brent chegou a bater máximos de janeiro na semana passada, ao ultrapassar a fasquia dos 79 dólares por barril, numa valorização de quase 15% em euros desde o início dos bombardeamentos israelitas sobre Teerão, colocando os mercados energéticos numa autêntica montanha-russa e levando o tecido empresarial português a preparar-se para o impacto de uma nova crise nos combustíveis.
A guerra no Médio Oriente transformou-se no principal catalisador de volatilidade nos mercados petrolíferos nos últimos dias, que ganhou novos contornos este sábado com o bombardeamento dos EUA a três centrais nucleares iranianas. Mesmo antes deste ataque, os analistas já estavam a incorporar um prémio de risco geopolítico de cerca de 10 dólares por barril, refletindo os receios de interrupções no fornecimento numa região que controla mais de 35% da produção mundial de crude.
O J.P. Morgan elevou a probabilidade do seu “cenário mais adverso” de 7% para 17%, estimando que os preços do crude possam explodir até aos 130 dólares caso o Estreito de Ormuz seja encerrado.
As previsões dos principais bancos de investimento revelam um cenário de grande incerteza quanto ao futuro comportamento do ouro negro, com cenários que vão desde os 60 até aos 130 dólares por barril, dependendo da evolução do conflito, deixando os empresários bastante apreensivas.
“Não há apenas dificultação de comércio que atravessa continentes. Os próprios produtos que são transacionados dentro da União Europeia também serão afetados – e de que maneira – dado que o petróleo consumido passará a ter uma influência ainda maior na formação do preço do produto”, alerta Mário de Sousa, CEO da Portocargo.
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Analistas divididos entre otimismo e cenários catastróficos
Enquanto o Goldman Sachs mantém a sua projeção base de queda do Brent para os 60 dólares no quarto trimestre, assumindo ausência de interrupções no fornecimento, reconhece que num cenário de redução da oferta iraniana o preço pode disparar “ligeiramente acima dos 90 dólares“. Esta dualidade de perspetivas reflete a incerteza que paira sobre os mercados energéticos, onde cada movimento militar pode alterar drasticamente as cotações.
Mais pessimista está o J.P. Morgan, que elevou a probabilidade do seu “cenário mais adverso” de 7% para 17%, estimando que os preços do crude possam explodir até aos 130 dólares caso o Estreito de Ormuz seja encerrado, via marítima por onde transita diariamente cerca de um quinto do petróleo mundial.
Esta perspetiva ganhou ainda mais relevância depois do Barclays ter estimado que, se as exportações iranianas fossem reduzidas para metade, o crude poderia escalar para os 85 dólares por barril, potencialmente ultrapassando os 100 dólares num “cenário mais adverso” envolvendo um conflito mais alargado.
Para a operação logística, nomeadamente os transportes rodoviários, o gasóleo representa uma taxa muito significativa dos custos, portanto existem impactos muito grandes nas empresas de transporte em Portugal, assinala
O fator de alívio temporário veio da Casa Branca, com o presidente Donald Trump a sinalizar que dará duas semanas para negociações antes de decidir sobre potenciais ataques ao Irão, aliviando os receios de uma intervenção militar americana imediata. “Este adiamento por parte da Casa Branca faz lembrar episódios anteriores durante a presidência de Donald Trump, em que as pressões dos mercados influenciaram decisões de política tarifária — fenómeno que alguns apelidaram de ‘TACO’ [Trump Always Chicken’s Out]”, refere Ricardo Evangelista, CEO da ActivTrades Europe, ao ECO.
Apesar de desde 13 de junho estar a ser atacado por Israel, o Irão tem conseguido manter as suas exportações petrolíferas praticamente intactas, carregando 2,2 milhões de barris por dia esta semana – o valor mais elevado em cinco semanas -, segundo dados da Kpler. “O Irão tem estado a direcionar ainda mais crude para as suas instalações de exportação, preparando-se para enviar o máximo de petróleo possível para o mercado enquanto consegue”, referiu Helge Andre Martinsen, analista da DNB Markets, ao The Wall Street Journal.
Esta estratégia iraniana de maximizar as exportações antes de eventuais interrupções adiciona pressão sobre o tecido empresarial português, que já sente o impacto da subida dos combustíveis. “Tem um impacto fortíssimo. Para a operação logística, nomeadamente os transportes rodoviários, o gasóleo representa uma taxa muito significativa dos custos, portanto existem impactos muito grandes nas empresas de transporte em Portugal”, assinala Afonso de Almeida, presidente da Associação Portuguesa de Logística (APLOG).
A principal preocupação centra-se no facto de o Irão ser o terceiro maior produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), com uma capacidade de 3,3 milhões de barris diários, e de controlar uma posição estratégica no Estreito de Ormuz. Esta posição geográfica privilegiada transforma qualquer escalada militar numa ameaça direta ao fornecimento energético global.
Empresas nacionais antecipam tempestade perfeita
Com o Brent a negociar em máximos de quase cinco meses e a volatilidade a dominar os mercados energéticos, as empresas portuguesas mostram receios sobre pressões inflacionistas adicionais, numa altura em que a economia europeia ainda se adapta às consequências geopolíticas de outros conflitos regionais.
O setor dos transportes e logística está visivelmente preocupado com uma eventual subida expressiva dos preços dos combustíveis, sobretudo se a situação no Médio Oriente se agudizar e esse aumento se alongar no tempo.
“Quando tudo fluía, a qualquer hora ou minuto, podíamos ter aquilo que estava a ser produzido a dezenas de milhares de quilómetros de distância. Se calhar já não comemos cerejas todo o ano, mas só poderemos comer quando o bom tempo não prejudicar o seu crescimento e amadurecimento em Portugal”, exemplifica Mário de Sousa, da Portocargo, acrescentando que, “infelizmente”, não acredita na força das lideranças para impedir “o início de um problema gravíssimo a nível mundial”.
O impacto da subida do preço do ouro negro estende-se muito além dos transportes. Vítor Poças, presidente da Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal (AIMMP), explica que os custos de transporte com as exportações nesta indústria — florestal, tratores, gruas, maquinaria de serração e carpintaria, transporte das madeiras — rondam os 10% a 12%, pelo que “a influência nos combustíveis é significativa”.
“São operações que exigem grandes volumes de transporte. Ora, são negativamente influenciados pelo aumento do custo dos combustíveis. Num setor como o nosso, a subida do preço dos combustíveis tem um impacto muito significativo. São muitas cargas, deslocações, volumes e máquinas que trabalham com base nesta fonte de energia”, refere ainda Vítor Poças.
Se já estávamos com o problema dos houthis, que fez com que a grande maioria das mercadorias transportadas por via marítima passasse a demorar muito mais tempo e com custos mais elevados pelo desvio para a rota do Cabo da Boa Esperança, via África do Sul, agora é natural que a dificultação da passagem de navios petroleiros e a disrupção na sua extração faça com que os combustíveis aumentem.
A complexidade da cadeia logística portuguesa torna o impacto ainda mais severo. “Como o setor trabalha muito em cluster e com interdependência, cada vez que há um transporte de madeira ou produtos de madeira de uma tipologia de indústria para outra, acarreta mais um transporte. Ou seja, além do volume, exige deslocação de matérias-primas e de produtos inter-empresas no contexto nacional”, sublinha o presidente da AIMMP.
Segundo Mário de Sousa, assim como a Covid-19, a guerra entre o Irão e Israel — e neste caso os seus efeitos no mercado petrolífero — são “mais uma das muitas ruturas e disrupções que têm consequências enormes na gestão da cadeia logística”.
A comparação com o período dos ataques dos houthis do Iémen é inevitável. “Se já estávamos com o problema dos houthis, que fez com que a grande maioria das mercadorias transportadas por via marítima passasse a demorar muito mais tempo e com custos mais elevados pelo desvio para a rota do Cabo da Boa Esperança, via África do Sul, agora é natural que a dificultação da passagem de navios petroleiros e a disrupção na sua extração faça com que os combustíveis aumentem“, refere Mário Silva.
Pressão sobre o consumidor final
O efeito dominó não se fica pelos transportadores. “Os preços do petróleo acabam por influenciar toda a economia. Os combustíveis são utilizados por qualquer tipo de empresas, desde uma padaria, restauração, à agricultura”, salienta Mafalda Trigo, vice-presidente da Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (ANAREC).
“Mesmo quem não tem viatura própria ou nenhum consumo de combustível, ao comprar pão ou outro artigo qualquer, acaba por ter que pagar mais caro, porque aumentando os custos de produção ou de distribuição aumentam os preços finais”, salienta Mafalda Trigo.
Os empresários do setor contactados pelo ECO mostram-se pouco crentes na capacidade de os intervenientes no conflito e os líderes mundiais travarem as ofensivas e anteveem que o preço se reflita na fatura a pagar pelos consumidores — nos supermercados, padarias e restaurantes até às lojas de móveis para casas e escritórios.
Se o Governo fizer o exercício para compensar o aumento do preço do petróleo por uma baixa dos impostos, acaba por não se sentir tanto o aumento final do preço de combustível e consegue-se controlar melhor a inflação.
Ressalvando que a instabilidade geopolítica impossibilita saber o que irá acontecer ou se a subida nos combustíveis vai continuar (e por quanto tempo), Afonso de Almeida, da APLOG, está convencido de que, até ao final de junho ou início de julho, “se a situação se mantiver ou agudizar, seria natural, expectável e positivo que houvesse alguma medida para controlar” preços por parte do Governo.
A responsável da ANAREC vai mais longe e considera que é “benéfico” que haja uma redução do ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos) e suspensão temporária da atualização da taxa de carbono, como aconteceu aquando do início da guerra na Ucrânia. “Se o Governo fizer o exercício para compensar o aumento do preço do petróleo por uma baixa dos impostos, acaba por não se sentir tanto o aumento final do preço de combustível e consegue-se controlar melhor a inflação”, afirma Mafalda Trigo.
Ainda assim, há cada vez mais contratos com cláusulas para, na eventualidade de uma subida trimestral elevada, as empresas de transportes e operadores logísticos poderem ajustar preços em função disso. No entanto, “na prática, não significa que aconteça em todas as situações ou que toda a atividade de transportes esteja coberta, mas é uma prática crescente e da maior justiça para todos (transportadoras e seus clientes)”, realça o presidente da APLOG.
A situação complica-se ainda mais se os mísseis atingirem alguma refinaria, poço de petróleo ou mesmo o próprio transporte, como alerta a vice-presidente da ANAREC, numa altura em que o Irão é reconhecido como um dos grandes produtores de petróleo mundial.
A maioria das associações empresariais considera que “ainda é prematuro” o Governo avançar com medidas, mas a pressão para intervenção estatal poderá intensificar-se se a escalada militar no Médio Oriente continuar a empurrar os preços dos combustíveis para níveis insustentáveis para a economia portuguesa.
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