Exclusivo Afinal, o Amália será tornado público já em setembro: “Qualquer entidade poderá utilizar o modelo”
João Magalhães, o investigador que coordena o desenvolvimento do modelo de inteligência artificial (IA) português, avança que "a versão de setembro do modelo Amália será tornada pública".

Contrariamente ao que era esperado, a “versão base” do modelo de inteligência artificial (IA) Amália será mesmo disponibilizada ao público, de acordo com o investigador João Magalhães, professor da Nova FCT. O coordenador deste projeto, que tem o alto patrocínio do Governo, afirmou que a publicação da “versão base” do Amália irá ocorrer no final de setembro, após a conclusão desta segunda fase de desenvolvimento, ficando a tecnologia disponível para ser utilizada por qualquer entidade pública e privada.
“A versão de setembro do modelo Amália será tornada pública e a partir desse momento qualquer entidade poderá utilizar o modelo, desde que tenha acesso a uma infraestrutura adequada”, afirma ao ECO o também diretor do grupo de Sistemas Multimodais do Laboratório de Ciência da Computação e Informática (Nova Lincs), da Nova FCT. “As versões públicas do modelo serão libertadas em momentos já planeados: setembro de 2025 e junho de 2026”, explica o professor, acrescentando: “A nossa expectativa é que várias entidades e entusiastas possam criar aplicações a partir deste modelo.”
A notícia de que a “versão base” do Amália será mesmo tornada pública representa uma antecipação face ao que previa o primeiro Governo de Luís Montenegro — que, há apenas três meses, empurrou a disponibilização pública do Amália para o final de junho de 2026.
“Esclarecemos que a versão beta do Amália já foi divulgada junto dos centros de investigação. Foi acordada a não disponibilização de forma geral, uma vez que o modelo ainda se encontra em testes e em desenvolvimento, tendo em vista a disponibilização de uma versão consolidada e final no 2.º trimestre de 2026 (a versão multimodal)”, afirmava, em maio, fonte oficial do Ministério da Juventude e da Modernização, que tinha a tutela da IA. “A versão final (versão multimodal) será disponibilizada em formato open source e gratuito no final do projeto, previsto para o final do primeiro semestre de 2026″, dizia a mesma fonte em abril. A versão beta foi concluída no final do primeiro trimestre de 2025.
O Governo pretende que o Amália seja um grande modelo de linguagem natural (Large Language Model, ou LLM, na sigla em inglês) focado no português europeu e na cultura portuguesa, “que utiliza IA para processar, compreender e gerar texto em língua natural a partir de grandes quantidade de dados em diversos formatos”, como texto, imagem, vídeo e áudio. “O desenvolvimento de um LLM no domínio nacional vem afirmar a soberania de Portugal e reduzir a dependência face a LLM estrangeiros”, justificou o Governo na Resolução do Conselho de Ministros que enquadrou legalmente o projeto, financiado em 5,5 milhões de euros pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Em novembro de 2024, semanas depois de o Amália ter sido apresentado de surpresa pelo primeiro-ministro na Web Summit, o Governo prometeu num comunicado que o Amália será “desenvolvido inteiramente por entidades públicas”. Além da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) — que executará 900 mil euros dessa verba –, da Agência para a Modernização Administrativa (AMA) e do Instituto de Telecomunicações, estão diretamente envolvidas no projeto a Universidade Nova de Lisboa (que executará 2,475 milhões de euros), o Instituto Superior Técnico (um milhão de euros) e as universidades do Porto, Minho e Coimbra (que recebem 375 mil euros cada uma).
“O desenvolvimento de um projeto como o Amália exclusivamente por entidades públicas e centros de investigação nacionais demonstra claramente o talento de excelência existente em Portugal nas áreas ligadas à IA”, considera João Magalhães, além de representar “uma oportunidade estratégica para explorar e articular competências nacionais, criando sinergias entre instituições com mérito científico e tecnológico reconhecido internacionalmente”.
“Até ao momento foi executado cerca de 25% do planeado”, revela o investigador responsável.
A versão de setembro do modelo Amália será tornada pública e a partir desse momento qualquer entidade poderá utilizar o modelo, desde que tenha acesso a uma infraestrutura adequada.
Amália já consegue “conversar sobre diversos temas” e até “gerar código”
É com recurso aos supercomputadores MareNostrum 5 e Deucalion, e às infraestruturas das próprias universidades envolvidas, que o consórcio responsável por desenvolver o Amália tem estado a treinar o modelo português, confirma ao ECO o coordenador João Magalhães. “Atualmente, estão envolvidas cerca de 30 pessoas no desenvolvimento do modelo core” e, nos “domínios específicos” de media, ciência, educação, museus e fala, “estão previstas envolver mais cerca de 30 pessoas”, revela, sublinhando que “os perfis variam desde professores e investigadores seniores até investigadores juniores”.
“O modelo foi treinado em dados de língua portuguesa e tem capacidade para responder a perguntas e conversar sobre diversos temas, gerar código, explicar conceitos, sumarizar textos, etc. O modelo também tem mais conhecimento sobre a cultura portuguesa”, explica João Magalhães.
À pergunta sobre quais têm sido os principais desafios de um projeto deste tipo, em que há forte escrutínio mediático, alto patrocínio do Governo português e várias entidades públicas envolvidas em simultâneo, o investigador responde: “Até ao momento, os maiores desafios são essencialmente técnicos.”
Já a partir de setembro, quando a “versão base” estiver finalizada e se iniciar o desenvolvimento da “versão multimodal”, o Amália começará a ser utilizado pelos organismos públicos, diz o investigador. “A AMA, que está a acompanhar o desenvolvimento de perto, irá obviamente utilizar o Amália nos serviços que considerar adequados”, estando previsto que “sirva de suporte a várias aplicações da Administração Pública”, nomeadamente no gov.pt, o portal de serviços públicos da República Portuguesa, que “será um dos primeiros casos de uso”, diz o especialista.
Segundo João Magalhães, “na área da ciência está igualmente previsto que o modelo Amália seja disponibilizado na plataforma IAedu da FCT, possibilitando a sua utilização em aplicações open source nacionais, na análise de dados científicos e em iniciativas pedagógicas inovadoras baseadas em IA”. “O objetivo é que as soluções desenvolvidas pela comunidade académica possam ser facilmente testadas e partilhadas”, assevera.
Dos privados e dos cidadãos, que poderão descarregar e correr o modelo caso tenham conhecimentos e recursos para isso, o responsável diz esperar “receber comentários, sugestões ou outro tipo de contributos que possam ajudar na melhoria do modelo”. “Neste momento, estamos a considerar domínios mais imediatos como a educação, a ciência e a cultura. No entanto, é fácil imaginar utilizações na área do turismo, saúde, jogos, etc. A criatividade tem muito espaço para explorar com estas ferramentas — todas as ideias são bem-vindas”, garante João Magalhães.
Até ao momento, os maiores desafios são essencialmente técnicos.
“Europa e Portugal têm obrigação de liderar esta revolução tecnológica”
O desenvolvimento de um modelo como o Amália é também uma aposta do Governo na reforço da soberania nacional, nesta nova era da IA generativa, entende o coordenador do projeto.
“O Amália representa um passo importante na capacitação nacional na área de IA. É importante que Portugal tenha instituições que criem ecossistemas de conhecimento, talento e inovação científica para liderar os avanços realizados na área. Atualmente, os novos modelos de IA estão a transformar várias áreas da sociedade e representam um desafio e uma oportunidade para Portugal e para a Europa. Em contraste, tanto os EUA como a China têm vindo a desenvolver vários modelos privados e abertos com dados disponíveis na Web”, explica o investigador João Magalhães.
Neste contexto, “a Europa e Portugal têm obrigação de liderar esta revolução tecnológica, estando já em curso várias iniciativas na Europa para desenvolver LLMs soberanos”, nota o professor, dando como exemplos o Alia e o Salamandra em Espanha, o Pllum na Polónia, o OpenGPT-X na Alemanha, o GPT-NL na Holanda e o Munim na Dinamarca.
João Magalhães confirma ainda que “são realizadas frequentemente tarefas de benchmarking com vários modelos públicos” pelo consórcio do Amália. Mas, nesta fase, “o modelo está a melhorar progressivamente, e, neste momento, é prematuro tirar conclusões”.
“A criação de um modelo de linguagem de grande escala (LLM) com base nacional é possível graças à colaboração entre entidades que se destacam no panorama internacional, tanto pela sua investigação como pela capacidade de inovação. Este esforço conjunto contribui para reforçar a autonomia estratégica de Portugal e reduzir a dependência de soluções tecnológicas estrangeiras em domínios críticos”, conclui o responsável.
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