“Cabo que unia as duas cabinas do elevador” da Glória cedeu, diz relatório

Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários apresenta nota preliminar do acidente no Elevador da Glória, que vitimou mortalmente 16 pessoas, em Lisboa.

O cabo que unia as duas cabinas do elevador da Glória cedeu. Esta é a principal conclusão do relatório preliminar do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), divulgado este sábado, relativo ao acidente que ocorreu na quarta-feira no elevador da Glória, em Lisboa, e que vitimou mortalmente 16 pessoas.

“Do estudo feito aos destroços no local, foi de imediato constatado que o cabo que unia as duas cabinas cedeu no seu ponto de fixação dentro do trambolho superior da cabina n.º 1 (aquela que iniciou a viagem no cimo da Calçada da Glória). O restante cabo, o volante de inversão e as polias onde este desenvolve o seu trajeto encontravam-se lubrificadas e sem anomalias aparentes. O cabo no trambolho superior da cabina n.º 2 encontrava-se também sem anomalias aparentes”, diz o relatório.

Ou seja, de acordo com esta análise, o cabo não rebentou mas cedeu no ponto de fixação à cabine que estava no topo da Calçada da Glória. Um dos pontos certamente de análise mais aprofundada será a razão pela qual essa fixação se soltou.

Sobre esse ponto em específico, o relatório é claro: a inspeção diária, visual, por parte da equipa de manutenção, não teria detetado um problema nesse ponto de fixação, uma vez que tal só pode ser verificado com uma operação mais complexa, envolvendo desmontagem.

O elevador da Glória, em Lisboa, descarrilou na quarta-feira, causando 16 mortos e 23 feridos. Entre as pessoas que morreram no acidente estão cinco portugueses, dois sul-coreanos, um suíço, três britânicos, dois canadianos, um ucraniano, um americano e um francês. De acordo com a Proteção Civil, do acidente resultaram ainda 23 feridos, sendo que dez estão em estado grave.

Outro dos pontos é a razão pela qual os sistemas de emergência, tanto o automático como os acionados pelo guarda-freio, não foram suficientes para travar o desastre.

O guarda-freio do elevador que descarrilou acionou os travões pneumático e manual para tentar suster o movimento de descida, mas essas ações não surtiram efeito e a carruagem continuou em aceleração até se descarrilar 170 metros depois, diz ainda o documento, que estima que o embate da carruagem do elevador da Glória, em Lisboa, contra um edifício tenha ocorrido a “uma velocidade da ordem dos 60” quilómetros hora e que todo o evento tenha “decorrido num tempo inferior a 50 segundos”.

De acordo com o que se pode ler no relatório, o guarda-freio, que acabou por perder a vida no acidente, fez tudo o que poderia fazer. “Na configuração existente os freios não têm a capacidade suficiente para imobilizar as cabinas em movimento sem estas terem as suas massas em vazio mutuamente equilibradas através do cabo de ligação. Desta forma, não constitui um sistema redundante à falha dessa ligação”, pode ler-se. Ou seja, sem o cabo, essas manobras do guarda-freio não tiveram o efeito pretendido.

Mas a sua atuação não era o único mecanismo de emergência presente, existindo um sistema de segurança automático no topo da Calçada da Glória, que foi acionado.

“As evidências confirmam que o sistema de emergência existente no volante de inversão localizado no cimo da Calçada da Glória para em caso de perda de força no cabo proceder ao corte de energia às cabinas, funcionou como previsto, o que teria como efeito a aplicação imediata e automática do freio pneumático em cada uma delas”, diz o documento, que acrescenta que “neste momento ainda não foi possível proceder às verificações de confirmação de que o sistema de aplicação automática do freio pneumático nos veículos como resultado da perda da força do cabo no trambolho tenha ou não funcionado”.

Ou seja, o sistema aparentemente foi acionado mas não é ainda possível afirmar se tal resultou efetivamente na aplicação automática do freio, os “travões”, dos veículos.

O GPIAAF conta ainda que “cerca das 18:03, após os normais procedimentos de coordenação entre os respetivos guarda-freios, as cabinas iniciam a sua viagem”. Alguns instantes após o início do movimento “e quando não teriam percorrido mais de cerca de seis metros, as cabinas perdem subitamente a força de equilíbrio garantida pelo cabo de ligação que as une”, explica este organismo. A cabina n.º 2 recua bruscamente, sendo o seu movimento sustido cerca de 10 metros depois pela sua saída parcial além do final da via-férrea e enterramento do trambolho do lado inferior no final da vala do cabo. Já a cabina n.º 1, no cimo da Calçada da Glória, prossegue o seu movimento descendente aumentando a sua velocidade. De imediato, o guarda-freio do veículo acionou o freio pneumático bem como o freio manual a fim de tentar suster o movimento. Essas ações não tiveram efeito em suster ou reduzir a velocidade do veículo e a cabina continuou em aceleração pelo declive”, revela a investigação que ainda é apenas preliminar e que ocorre apenas três dias depois do acidente.

A nota informativa diz ainda que cerca de 170 metros após o início do seu percurso, “no início da curva à direita que o alinhamento da calçada apresenta na sua parte final, o veículo, devido à velocidade, descarrila e começa a tombar para a esquerda no sentido da marcha. No entanto, as forças desenvolvidas acabam por arrancar do pavimento e o veículo perde totalmente o guiamento, embatendo lateralmente a parte superior da cabina na parede do edifício existente do lado esquerdo da calçada, o que iniciou a destruição da caixa de madeira e depois frontalmente contra um poste de iluminação pública e outro de suporte da rede aérea elétrica do ascensor”.

O GPIAAF diz que os dois postes, ambos em ferro fundido, “causaram danos muito significativos na caixa”, acrescentando que a cabina terminou “pouco depois o seu movimento descontrolado contra a esquina de um outro edifício”.

 

Acidente no Elevador da Glória, em Lisboa - 04SET25
Acidente no Elevador da Glória, em LisboaHugo Amaral/ECO

Em conferência de imprensa realizada na quinta-feira com várias entidades, na sede da PJ, em Lisboa, o coordenador do GPIAAF assegurou que será analisado “tudo o que seja relevante para a investigação”.

Nelson Oliveira recusou comprometer-se com um prazo final para a conclusão da investigação, reiterando que apenas pode prometer um relatório preliminar no prazo de 45 dias e que o tempo de elaboração do relatório final “dependerá dos meios com que o GPIAAF venha a ser dotado, entretanto”.

“Deve ficar também claro que a admissão de um ou dois investigadores não resolve as situações de imediato, porque um investigador para ser formado necessita de dois anos. Mas eu não me queria alongar sobre esta matéria, este não é o momento nem o local. Nós estamos num dia de luto nacional e municipal devido a este trágico evento”, explicou este responsável.

Nelson Oliveira mostrou-se convicto de que “seguramente o Estado, através do Governo, irá dotar muito brevemente o GPIAAF com os meios de que necessita, porque o respeito às vítimas que houve este incidente assim o exige”.

O elevador da Glória é gerido pela Carris, liga os Restauradores ao Jardim de São Pedro de Alcântara, no Bairro Alto, num percurso de cerca de 265 metros e é muito procurado por turistas.

O GPIAAF, que afirma claramente que estas são conclusões preliminares e que devem haver cautela com leituras definitivas sobre o acidente neste momento, explica que “publicará um relatório preliminar previsivelmente no prazo de 45 dias dando conta dos trabalhos de investigação realizados e das conclusões que estejam disponíveis nessa data, tendo em conta as eventuais restrições que decorram das obrigações decorrentes do segredo de justiça do processo judicial paralelo em curso”.

“Se não for possível publicar o relatório final no prazo de um ano, nos termos da legislação nacional e europeia, o GPIAAF publicará nesse momento um relatório intercalar, descrevendo o andamento da investigação e os problemas de segurança eventualmente detetados até então”, acrescenta.

Por outro lado, se durante esta investigação for detetado algum risco potencial para outros equipamentos – como outros elevadores – o GPIAAF emitirá um alerta às autoridades. “Caso detete, em qualquer fase da investigação, algum aspeto que entenda poder representar um potencial risco de segurança imediato não controlado, o GPIAAF emitirá imediatamente um alerta urgente de segurança às entidades relevantes, para que estas possam tomar as medidas que entendam por adequadas”.

Notícia atualizada às 20:44 com mais informações constantes do relatório

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