Trabalhadores adaptáveis são “cruciais, mas velhos do Restelo não são necessariamente maus”

Novo estudo alerta que não basta recrutar pessoas adaptáveis. São precisas boas relações entre chefias e subordinados para que a abertura à mudança se concretize.

Num mundo em acelerada transformação, a adaptabilidade tem sido uma das características mais procuradas pelas empresas nos trabalhadores. Mas o professor universitário Pedro Neves, coautor de um novo estudo sobre o tema, deixa um aviso: para que haja mesmo abertura à mudança, são precisas relações de qualidade entre as chefias e os subordinados. Argumenta também que, nesses processos, “os velhos do Restelo não são necessariamente maus”, evitando a repetição de erros passados.

“Quando falamos em adaptabilidade, falamos da capacidade de as pessoas se irem ajustando ao que a situação e o momento pede. É uma faceta que já nasce connosco, em certa medida, mas o que a investigação tem demonstrado é uma característica que é maleável“, começa por explicar ao ECO Pedro Neves.

O professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) acaba de publicar, em conjunto com a neerlandesa Karen van Dam, um estudo sobre o papel da qualidade da relação entre os líderes e os empregados na adaptabilidade. A principal conclusão é que a tradução dessa característica em efetiva abertura à mudança, no seio das organizações, “depende fortemente das relações estabelecidas no contexto de trabalho“.

Não basta existir adaptabilidade. Muitas vezes é esse o discurso que ouvimos do lado da gestão, mas a adaptabilidade funciona na medida em que anda de mãos dadas com um processo de liderança forte, na qual as relações entre os líderes e os subordinados se baseiam em confiança“, realça Pedro Neves.

Não basta existir adaptabilidade. Muitas vezes é esse o discurso que ouvimos do lado da gestão, mas a adaptabilidade funciona na medida em que anda de mãos dadas com um processo de liderança forte.

Pedro Neves

Professor da Nova SBE

Ou seja, ainda que a adaptabilidade dos trabalhadores seja importante, numa altura que as empresas se confrontam com vários e diferentes desafios, não chega focar no recrutamento de pessoas com esse perfil. Sem o contexto certo, essa característica não é posta em prática. “A adaptabilidade sozinha não cria abertura à mudança. É preciso criar condições para que se concretize“, assegura o professor da Nova SBE.

E como criar esse contexto? Pedro Neves destaca dois pilares.

Por um lado, assinala que a perceção de justiça dentro das organizações é fundamental, para que os trabalhadores se sintam confiantes e, assim, abertos às transformações. “E aqui é muito importante a comunicação e a transparência. Garantir que explicamos como tomamos decisões“, detalha o professor.

Em que medida sinto que a organização se preocupa comigo e com o meu bem-estar? E em que medida a organização valoriza o meu contributo, o meu trabalho e o meu esforço? Quando o líder mostra estas preocupações está a criar relações que vão para lá da mera transação.

Pedro Neves

Professor da Nova SBE

Por outro lado, Pedro Neves realça a importância da perceção de apoio organizacional para a criação dessas relações fortes entre as chefias e os subordinados. “Em que medida sinto que a organização se preocupa comigo e com o meu bem-estar? E em que medida a organização valoriza o meu contributo, o meu trabalho e o meu esforço? Quando o líder mostra estas preocupações está a criar relações que vão para lá da mera transação“, afirma.

O professor da Nova SBE declara, além disso, que esta visão mais humanista da gestão não é apenas positiva para o bem-estar dos empregados; Antes, resulta em “organizações com melhores resultados“.

Integrar nas equipas os velhos do Restelo

Trabalho, escritório, equipaFreepik

Com tantas mudanças em curso e à espreita (da tecnologia à regulação), “muitas vezes” os gestores focam o recrutamento em pessoas mais adaptáveis, que “alinham mais facilmente” com alterações. Mas o professor Pedro Neves recomendaria cuidado.

Também são precisas pessoas que privilegiam a estabilidade, porque são elas que vão perguntar porquê. Podem ser pessoas muito importantes nos processos de mudança, porque nos obrigam a repensar o que queremos fazer e a perguntarmo-nos se esta mudança é importante ou não“, explica ao ECO o coautor do estudo “Facilitating change: the role of adaptability and LMX for change support”.

Também são precisas pessoas que privilegiam a estabilidade, porque são elas que vão perguntar porquê. Podem ser pessoas muito importantes nos processos de mudança, porque nos obrigam a repensar o que queremos fazer e a perguntarmo-nos se esta mudança é importante ou não.

Pedro Neves

Professor da Nova SBE

Assim, na visão de Pedro Neves, “os velhos do Restelo não são necessariamente maus”, sendo importante ouvir estas pessoas para evitar, nomeadamente, a repetição de erros passados.

“Queremos pessoas mais adaptáveis? Claro. Devemos pôr de parte as pessoas menos adaptáveis? Não. Aí, avaliaria se essas pessoas são capazes de criar boas relações com a equipa“, salienta o professor, que considera que estes trabalhadores podem ser “um bocadinho ostracizadas”, mas, se a organização promover as boas relações com os pares, mesmo os mais adeptos da estabilidade podem ser úteis na transformação.

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