BRANDS' ECO Indústria pede estratégia e menos incerteza para recuperar competitividade
A conferência do ECO mostrou um país consciente dos seus bloqueios regulatórios e estruturais de um setor que é hoje considerado estratégico na Europa. É preciso eliminar complexidade, dizem peritos.
A conferência “Produtividade e Competitividade da Indústria em Portugal”, promovida pelo ECO com apoio do Grupo PPE, deixou claro que Portugal não pode continuar a olhar para a perda de competitividade como um dado adquirido. Entre alertas sobre burocracia, regulação errática e fuga de talento, os oradores convergiram na urgência de desbloquear investimento e reduzir o nível de incerteza.
Na abertura, António Costa, diretor do ECO, sublinhou que o tema deixou de ser apenas retórico e considerou que o relatório Draghi marcou “um antes e depois”, numa altura em que a Europa enfrenta “um desafio existencial” por não conseguir acompanhar Estados Unidos e China em produtividade e escala. E insistiu que a própria União Europeia (UE) tem sido “inovadora na regulação”, mas nem sempre capaz de criar condições de mercado para as empresas crescerem.
A Europa acordou tarde para a indústria
O eurodeputado Paulo Cunha reforçou este diagnóstico, notando que a Europa viveu anos convencida de que poderia ser forte economicamente sem preservar a sua base industrial. O caso da eletrificação automóvel é disso um exemplo. “A Europa não cuidou de criar condições para que toda a cadeia [de valor] fosse cumprida no seu território”, abrindo caminho ao domínio chinês nas baterias.

O problema, defendeu, é estrutural, já que, durante demasiado tempo, a UE preferiu terceirizar produção, acreditando numa economia assente em serviços avançados. Mas a realidade mudou depressa e, para recuperar competitividade, a Europa precisa de baixar custos de produção, sobretudo ao nível da energia, e combater a burocracia que trava investimento. “A boa parte da complexidade não tem origem em Bruxelas, mas em Portugal”, disse, criticando o hábito nacional de “acrescentar mais alguma coisa” quando transpõe diretivas para a legislação portuguesa.
O eurodeputado alertou ainda para a perda de talento para outros ecossistemas, um desafio que é preciso superar. “A Europa deixou de ser um território atrativo para inovação e para jovens qualificados”, o que representa um sinal preocupante do que poderá vir a ser o futuro económico do continente.
Abrindo o debate sobre produtividade, Armindo Monteiro, presidente da CIP, deixou uma crítica frontal à postura europeia, considerando que “andamos muito adormecidos”. “O consumidor não compra porque é europeu. Compra porque a relação qualidade-preço é melhor”, avisa, apontando a contradição europeia de querer ser líder ambiental e tecnológica, enquanto cria regras que tornam impossível competir com países sem essas obrigações.
Da Associação Técnica da Indústria de Cimento (ATIC), a secretária-geral Cecília Meireles foi incisiva no que diz ser o principal obstáculo: a incerteza regulatória. Em setores como o do cimento, as regras que entram em vigor em 2026 continuam a não estar totalmente definidas e aumentam a incerteza das organizações. “Pedir a uma indústria que planeie investimentos sem conhecer o enquadramento é impossível”, afirmou. E avisou que, se o CBAM (Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço) não for eficaz, “a Europa exige aos produtores internos o que não exige às importações”, gerando concorrência desleal.
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Painel Produtividade: Reformar para Competir na Europa -
Cecília Meireles, secretária-geral executiva da ATIC -
Carlos Carvalho, Presidente da ANJE -
Fernando Sousa, Vice-Presidente AIMMAP -
Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Já Fernando Sousa, da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), defendeu realismo e coerência. A Europa, argumentou, “vive acima das suas posses regulatórias” e proíbe processos que depois tolera em produtos importados. “Temos de deixar de mandar o lixo para debaixo do tapete”, disse, dando o exemplo das baterias fabricadas fora de um quadro ambiental exigente, mas compradas sem restrições na Europa.
Para Carlos Carvalho, presidente da ANJE, a palavra-chave é inovação, mas conectada. “Estamos sempre a discutir startups num silo e indústria noutro silo”, disse. A produtividade depende de criar pontes, porque “as startups precisam de escala, a indústria precisa de tecnologia. Enquanto não ligarmos estes dois ecossistemas, estamos a desperdiçar valor”.
Competir a partir de Portugal
O segundo painel aprofundou a dimensão tecnológica, com Jorge Portugal, diretor-geral da COTEC, a classificar o problema português como um “paradoxo clássico da inovação”: o país produz conhecimento científico de qualidade, aumentou o investimento em I&D, mas continua a ter dificuldade em traduzir esse conhecimento em produtividade. Apenas “uma em cada dez empresas inovadoras colabora com o sistema científico”, um dado que, para Jorge Portugal, continua a ser um travão competitivo.
José Carlos Caldeira, do INESC TEC, desmontou a ideia simplista de “ligação universidade-empresa” e defende que o que existe é uma cadeia complexa de interfaces, como centros tecnológicos e entidades de inovação aplicada, que fazem a ponte entre a investigação e o mercado. “As empresas não colaboram… até ao dia em que precisam. A partir daí, colaboram”, acredita. O PRR, disse, provou isso ao mobilizar mais de uma centena de parceiros em agendas colaborativas.
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Jorge Portugal, General Manager COTEC, José Carlos Caldeira, Advisor to the Chairperson INESC TEC e Miguel Araújo, Managing Director Mobinov -
Miguel Araújo, Managing Director Mobinov -
José Carlos Caldeira, Advisor to the Chairperson INESC TEC
Da Mobinov, Miguel Araújo recordou o exemplo da indústria automóvel, onde a transição para o veículo elétrico e conectado exige hoje uma aposta maciça em tecnologia. Clusters como a Mobinov permitem “agregar conhecimento, aproximar empresas, centros tecnológicos e startups”, mas ainda carecem de financiamento consistente. Do ponto de vista estratégico, o especialista acredita que muitas startups tecnológicas são obrigadas a escalar nos Estados Unidos por falta de capital europeu. “Estamos a perder competitividade não só na mão de obra, mas na tecnologia”, afirmou.
Na conferência, os peritos não deixaram margens para dúvida sobre o que é preciso fazer, lembrando que Portugal precisa de acelerar reformas e assumir uma estratégia industrial mais ambiciosa. Para a executar, no entanto, será necessário reduzir a burocracia, garantir regras estáveis, energia acessível e uma integração profunda entre indústria, ciência e startups, de forma a potenciar a inovação com valor acrescentado.
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