O ESG está “em recalibração”, mas as empresas continuam a ter ambição
Num contexto de pressão económica e incerteza global, os especialistas defenderam, na 5ª edição do ESG Portugal Fórum, que a transição não pode abrandar. No entanto, é preciso estabilidade, defendem.
A quinta edição do ESG Portugal Fórum, organizada pelo ECO no Auditório PLMJ, em Lisboa, abriu com uma ideia-chave: a discussão sobre sustentabilidade mudou e já não volta ao que era. Se antes o ESG parecia um consenso global, hoje enfrenta pressões económicas e políticas que obrigam as empresas, reguladores e governos a repensar prioridades.
António Costa, diretor do ECO, lembrou que “talvez a realidade tenha andado mais depressa do que o ESG” e que a Europa, historicamente pioneira na regulação ambiental e social, enfrenta agora o risco de perder tração perante a concorrência global. O crescente custo da energia e a viragem política nos Estados Unidos são, aliás, fatores a ter em conta. Ainda assim, alertou, o risco climático e o custo de capital continuam a colocar o ESG no centro das decisões empresariais.
Para Bruno Ferreira, partner da PLMJ, a Europa está hoje pressionada pelos custos da transição energética e pela necessidade de manter a competitividade face a outros blocos regionais. Mas, mesmo com revisões e retrocessos regulatórios, não há como fugir ao facto de energia, questões sociais e governance continuarem a moldar o dia-a-dia das empresas. A questão central, considera, passa por encontrar resiliência e evitar que as “ondas mediáticas” desvirtuem o debate.
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Bruno Ferreira, partner da PLMJ -
Jean Barroca, secretário de Estado da Energia -
António Costa, diretor do ECO
Quem também participou na sessão de abertura foi o secretário de Estado da Energia, Jean Barroca, que começou por perguntar, em tom provocatório, “quais das letras do ESG estamos dispostos a deixar cair?”. Para o governante, a resposta é nenhuma, porque o ESG não nasceu para ser marketing, mas “disciplina, transparência e ética económica”.
Jean Barroca apresentou uma leitura pragmática do estado atual da sustentabilidade, lembrando que houve avanços, mas também desigualdades e excessos regulamentares que geraram “backlash”, sobretudo amplificado pelos EUA. A Europa, disse, precisa de simplificar sem abdicar da ambição, garantindo que a transição energética é feita com três pilares: soberania, competitividade e sustentabilidade. “O ESG não é um nicho. É um critério operacional para qualquer economia madura”, sublinhou.
Uma fase de recalibração
No primeiro painel, dedicado a responder à provocação deixada por Jean Barroca, Luís Pais Antunes, presidente do Conselho Económico e Social, não hesitou em dizer que resta “uma fatura grande para pagar” e o desafio europeu de ter avançado depressa demais. O papel do CES, defendeu, é precisamente promover um debate profundo entre os parceiros sociais sobre como “salvar o ESG” e transformá-lo em competitividade sustentável. O economista alertou ainda para o risco de a Europa continuar a pensar “como se vivesse num bairro à parte do mundo”, sublinhando que uma regulação ambiciosa, mas desconectada da realidade global pode fragilizar o modelo social europeu.
José Costa Pinto, vice-presidente do Instituto Português de Corporate Governance, acredita que, independentemente das oscilações políticas, o G (de Governance) nunca sai da equação. O governance é “o eixo da roda” que permite que as empresas cresçam com ética, transparência e visão de longo prazo. E, mesmo antes da pressão regulatória, muitas organizações já incorporavam práticas de sustentabilidade porque lhes reconhecem valor económico direto. O especialista lembrou ainda que “não se impõe ética por decreto” e que a eficácia das boas práticas nasce da adesão voluntária pelas empresas, que já perceberam que um governo societário robusto é condição crucial para crescer de forma sustentável.
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Painel de debate "Que resta do ESG?", com Madalena Perestrelo de Oliveira, consultora sénior da PLMJ; Luís Pais Antunes, presidente do Conselho Económico e Social; José Costa Pinto, vice-presidente do Instituto Português de Corporate Governance; e Filipe Duarte Santos, professor catedrático e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável -
Madalena Perestrelo de Oliveira, consultora sénior da PLMJ -
Luís Pais Antunes, presidente do Conselho Económico e Social -
José Costa Pinto, vice-presidente do Instituto Português de Corporate Governance -
Filipe Duarte Santos, professor catedrático e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável -
Painel de debate "Que resta do ESG?", com Madalena Perestrelo de Oliveira, consultora sénior da PLMJ; Luís Pais Antunes, presidente do Conselho Económico e Social; José Costa Pinto, vice-presidente do Instituto Português de Corporate Governance; e Filipe Duarte Santos, professor catedrático e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável
A dimensão ambiental foi recordada por Filipe Duarte Santos, professor catedrático e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável. O especialista afirmou que os dados sobre perdas económicas causadas por eventos climáticos extremos falam por si e que, em Portugal, passaram de 70 milhões por ano (1980-1999) para 636 milhões (2000-2023). “É uma questão de privilegiarmos o curto prazo ou o longo prazo”, alertou. Por outro lado, apontou, o espaço europeu enfrenta um problema crónico de produtividade estagnada e é preciso apostar, em simultâneo, na ambição climática e no dinamismo económico. Só assim será possível competir com os EUA e a China.
Sobre o recuo regulamentar europeu, Madalena Perestrelo de Oliveira fez referência às revisões da CSRD e às propostas de compressão drástica do universo de empresas obrigadas a reportar questões ligadas à sustentabilidade. Para a consultora sénior da PLMJ, o risco é que a Europa possa estar a ir longe demais no alívio das regras. O plano de transição, peça central da integração da sustentabilidade nas empresas, poderá até desaparecer na versão final, avisa. O reporte não é apenas uma questão de “compliance”, mas também um motor que ajuda à mudança cultural dentro das organizações, para quem uma simplificação excessiva da regulação pode significar uma travagem nos progressos alcançados nos últimos anos. “Estamos numa fase de recalibração” e não de abandono das letras, sublinhou.
Uma COP que ficou aquém
O segundo painel do ESG Portugal Fórum mergulhou no balanço da COP30, uma conferência descrita pelos intervenientes como um momento de avanços tímidos e recuos preocupantes. Alexandra Azevedo, presidente da Quercus, destacou como maior derrota a retirada dos combustíveis fósseis do texto final, um sinal que considerou “insuficiente” perante a urgência climática. Ainda assim, assinalou como vitória o reforço do conceito de transição justa, defendido pela sociedade civil, cuja mobilização, sobretudo na chamada Cúpula dos Povos, surpreendeu pela dimensão e energia.
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Painel de debate sobre balanço da COP30, com Alexandra Azevedo, presidente da Quercus; Luís Rochartre, chairman do Sustainability Committee da Mota-Engil; e Pedro Azeitona, do Grupo Vila Galé -
Alexandra Azevedo, presidente da Quercus -
Luís Rochartre, chairman do Sustainability Committee da Mota-Engil -
Pedro Azeitona, do Grupo Vila Galé -
Painel de debate sobre balanço da COP30, com Alexandra Azevedo, presidente da Quercus; Luís Rochartre, chairman do Sustainability Committee da Mota-Engil; e Pedro Azeitona, do Grupo Vila Galé
A visão empresarial trouxe nuances adicionais ao debate, com Pedro Azeitona, diretor de Qualidade e Ambiente do Grupo Vila Galé, a sublinhar que o verdadeiro desafio passa por garantir equidade climática entre regiões com níveis de desenvolvimento e regulamentação muito diferentes. Para as empresas que operam em geografias tão díspares como Portugal, Brasil ou Cuba, a implementação de políticas ambientais e sociais enfrenta barreiras práticas, culturais e até infraestruturais. O responsável alertou ainda para a frustração provocada por mudanças bruscas na regulação europeia, porque após anos a investir em reporte e recolha de dados, “de um momento para o outro sentimos que cai tudo por terra”, afirmou, defendendo maior estabilidade e previsibilidade.
Num registo mais crítico, Luís Rochartre, chairman do Sustainability Committee da Mota-Engil, questionou a eficácia do próprio processo multilateral. Assumindo-se como “um otimista patológico”, confessou, contudo, não ter grande fé nas COP. “Se já vamos em 30 reuniões e continuamos longe de uma solução, há qualquer coisa que é preciso transformar”, resumiu. Para o gestor, a ação empresarial não pode ficar refém do ritmo político e é importante que as empresas mantenham as suas estratégias climáticas independentemente do desfecho das negociações, até porque a pressão dos financiadores e dos mercados já é, por si só, um poderoso motor de transformação.
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