Do banco de horas ao ‘outsourcing’, o que divide Governo e sindicatos na nova lei laboral?
Governo enviou à UGT "draft" com alterações à nova lei do trabalho, mas a central sindical diz que não são suficientes para desconvocar greve. Afinal, o que separa o Governo dos sindicatos?
- O Governo português enviou um novo draft da reforma da lei laboral à UGT, mas as alterações não foram suficientes para evitar a greve geral marcada para 11 de dezembro, evidenciando a resistência dos sindicatos às propostas apresentadas.
- A proposta de introduzir o banco de horas individual e a intenção de eliminar o travão ao outsourcing após despedimentos são pontos controversos que geram divisões significativas entre o Governo e as centrais sindicais, que defendem a manutenção de certas proteções.
- A ministra do Trabalho afirmou que, mesmo sem consenso na Concertação Social, a reforma seguirá para o Parlamento, o que poderá resultar em uma nova legislação que não atende às preocupações dos trabalhadores e aumenta a precariedade no mercado laboral.
Quase quatro meses depois de ter apresentado, pela primeira vez, o anteprojeto de reforma da lei laboral, o Governo enviou agora à UGT um draft no qual faz “alterações significativas“, nas palavras do Ministério do Trabalho, às propostas em cima da mesa. Não foram, contudo, suficientes para convencer a central sindical liderada por Mário Mourão a desconvocar a greve geral consensualizada para dia 11 de dezembro com a CGTP.
Enquanto a CGTP tem pedido a retirada na íntegra do anteprojeto, a UGT tem insistido que está aberta a negociar o conteúdo desse pacote, mas já frisou que tem linhas vermelhas das quais não está disposta a abdicar.
Do banco de horas individual ao outsourcing após despedimentos, há pontos significativos que separam o Governo dos representantes dos trabalhadores.
Bancos de horas

O Código do Trabalho prevê hoje duas modalidades de bancos de horas: por regulamentação coletiva e grupal. A estas, o Governo quer agora acrescentar uma outra — o banco de horas individual –, fazendo regressar uma figura que o Governo de António Costa eliminou na revisão da lei laboral de 2019.
Na conferência que o Trabalho by ECO organizou sobre a revisão da lei do trabalho, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Armindo Monteiro, elogiava essa intenção, frisando que, neste momento, com o banco de horas grupal, prevalece a “ditadura da maioria”, desconsiderando-se as necessidades e preferências individuais dos trabalhadores. Ora, o banco de horas individual permitiria essa adaptação, sinalizou.
Do lado dos sindicatos, a intenção de fazer regressar o banco de horas individual não mereceu, contudo, nada além de críticas, sendo esta uma das linhas vermelhas identificadas pela UGT na negociação da nova lei laboral.
“Para nós, o banco de horas individual está fora de questão“, afirmou ao ECO Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, em conversa com o ECO. “O banco de horas individual serviu para muitas empresas se furtarem ao pagamento do trabalho suplementar. Retomá-lo é inadmissível“, insistiu o sindicalista.
Ainda assim, no draft que o Ministério do Trabalho enviou à UGT, após o anúncio da greve geral, o o Governo não desiste desta polémica medida, sendo este, por isso, um dos pontos principais que divide os parceiros sociais, neste momento.
Travão ao outsourcing após despedimentos

Neste momento, as empresas que levem a cabo despedimentos coletivos ou por extinção do posto de trabalho ficam impedidas de recorrer a outsourcing, durante 12 meses, para satisfazer as necessidades que eram asseguradas por esses trabalhadores.
Esta foi uma das medidas mais polémicas da Agenda do Trabalho Digno (revisão da lei do trabalho levada a cabo pelo Governo de António Costa em 2023), tendo mesmo sido fiscalizada pelo Tribunal Constitucional.
Apesar de os juízes do Palácio Ratton terem decidido que este travão ao outsourcing não viola a Constituição, o Governo quer retirá-lo do Código do Trabalho, o que mereceu aplausos da parte das confederações empresariais.
Já as centrais sindicais criticam essa intenção. Sérgio Monte sublinha que essa norma serve para “evitar abusos” e para impedir que as empresas despeçam num dia e, no seguinte, recorram ao outsourcing, precarizando os postos de trabalho.
Também a CGTP defende que a inibição deveria ser mantida por essa razão, e até estendida, segundo defendeu Filipe Marques, dirigente da comissão executiva dessa central sindical na referida conferência do Trabalho by ECO.
Esta é, contudo, mais uma das medidas em relação às quais o Governo não dá sinais de desistir no draft, pelo que continua a ser um ponto de disputa entre os parceiros sociais.
Reintegração após despedimentos ilícitos

O anteprojeto apresentado pelo Governo propõe também o alargamento a todas as empresas e a todas as funções da possibilidade de o empregador pedir ao tribunal que afaste a reintegração de um trabalhador ilegalmente despedido. Hoje, só as microempresas e os casos de cargos de administração ou direção dão direito a esse afastamento.
“Seria generalizar a compra dos despedimentos. Poria em causa a garantia de não haver despedimentos individuais [sem justa causa]”, atira o secretário-adjunto da UGT. E também a CGTP é contra, considerando que esta medida é “um passo atrás“.
Por outro lado, o Governo propôs, no anteprojeto apresentado em julho, a simplificação dos despedimentos por justa causa. Ou seja, as micro, pequenas e médias empresas passariam a pode avançar com despedimentos por justa causa, por factos imputáveis ao trabalhador, sem apresentarem provas pedidas pelo trabalhador ou ouvir o que as testemunhas apresentam para o defender, durante o processo disciplinar. Também esta medida mereceu fortes críticas dos sindicatos.
Ora, no draft enviado pelo Ministério do Trabalho à UGT, o Governo recua (parcialmente) nessa última medida, retirando as médias empresas da lista de empregadores que podem ter acesso a despedimentos simplificados. O alargamento do travão à reintegração não sofre, contudo, mudanças, continuando, portanto, a afastar o Governo dos sindicatos.
Mudanças nos contratos de trabalho

Os contratos de trabalho são outros dos principais pontos que estão a afastar os parceiros sociais, na negociação da nova lei laboral.
O que o Governo propôs foi estender a duração máxima dos contratos a prazo (de dois para três anos, no caso dos contratos a termo certo; E de quatro para cinco anos, no caso dos contratos a termo incerto).
Mas também fazer regressar a norma que permite às empresas contratarem jovens a prazo, com o fundamento de que não têm experiência. Em concreto, o Governo quer que volte a ser fundamento para este tipo de vínculo a contratação de trabalhador que nunca tenha prestado atividade ao abrigo de contrato por tempo indeterminado ou que esteja em situação de desemprego de longa duração (neste momento, só os desempregados de muito longa duração poderiam justificar contratos a termo).
Na visão de Sérgio Monte, da UGT, as mudanças propostas pelo Governo tornariam os contratos a prazo a regra do mercado nacional, em vez da exceção, abrindo-se a porta, assim, a um agravamento da precariedade. Também a CGTP partilha dessa visão. No entanto, o Governo não dá sinal de recuar.
Créditos laborais no fim dos contratos

Foi uma das vitórias da esquerda na Agenda do Trabalho Digno: neste momento, o pagamento de créditos devidos aos trabalhadores, como subsídios de férias ou de natal, quando são despedidos ou o contrato cessa, está garantido, exceto se o trabalhador abdicar em tribunal.
Agora, o Governo quer que o trabalhador possa abdicar desse tipo de direitos através de uma declaração reconhecida pelo notário.
Em conversa com o ECO, Sérgio Monte revela que a UGT conhece empresas que, antes desta norma, reduziram os créditos devidos não por mútuo acordo, mas por “bruto acordo”. “Foram criadas condições tão degradantes aos trabalhadores, que estes já estavam por tudo“, salienta o sindicalista, que identifica esta norma como uma das matérias “inadmissíveis” nesta nova lei laboral. Porém, no draft, o Governo não recua nesta sua proposta.
À parte das cinco matérias já referidas, há várias outras que separam, neste momento, os sindicatos do Governo, mas a distância, nesses casos, tende a ser menos pronunciada.
Por exemplo, o Executivo pretende alargar os serviços mínimos nas greves (ao setor do abastecimento alimentar, aos serviços de segurança privada de bens ou equipamentos essenciais e aos serviços de cuidado a crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência).
Não é uma medida que tenha sido elogiada pelos sindicatos, mas ainda este fim de semana o secretário-geral da UGT, Mário Mourão, dizia que a UGT aceita que “em algumas situações” se revisite esta norma do Código do Trabalho.
De resto, apesar de ter revisto algumas das medidas, a ministra do Trabalho tem dito e repetido que quer manter as traves mestras da revisão da lei do trabalho. E já admitiu que, mesmo não sendo possível acordo na Concertação Social, o documento seguirá para o Parlamento. Nessa sede, deverá ficar nas mãos do Chega a viabilização desta reforma da lei laboral.
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