Europa já gastou mais de meio bilião a combater a crise energética, indica Bruegel

A despesa com medidas para o combate à crise energética aumentou consideravelmente no espaço de menos de um mês, segundo as contas do centro de estudos económicos Bruegel.

O centro de estudos económicos Bruegel contabiliza que, no ano que se estende entre setembro do ano passado e o deste ano, os países europeus já gastaram 529 mil milhões de euros em medidas para enfrentar a crise energética. Um aumento para quase o dobro face ao final de agosto, quando o mesmo estudo dava nota de apenas 280 mil milhões. Portugal não é incluído neste cálculo.

O mais “generoso” foi o Reino Unido, tanto em valores absolutos (178,4 mil milhões de euros) como em percentagem do PIB (6,5%). Há menos de um mês, os Estados mais gastadores eram a Alemanha (60 mil milhões de euros), Itália (49,5 mil milhões) e França (44,7 mil milhões).

O Bruegel fez ainda um levantamento das medidas já implementadas, propostas e em discussão nos vários países, e há duas que se destacam com maior adesão. Em primeiro lugar, as transferências para grupos vulneráveis que, dos 29 países analisados, apenas três ainda não adotaram: Malta, Hungria e Bulgária. Em segundo lugar, a redução de impostos sobre a energia, como o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), foi também largamente adotada, com apenas seis dos 29 países a ficarem de fora. São eles: Reino Unido, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Dinamarca e Hungria.

Entre as medidas menos populares está a regulação dos preços do mercado grossista, a qual se verifica apenas em Portugal, Espanha e França. Na Península Ibérica, em abril de 2022, a Comissão Europeia autorizou Portugal e Espanha a desvincularem os preços da eletricidade dos do gás através da aplicação do mecanismo ibérico: um mecanismo que introduz um limite aos preços do gás usado para a produção de eletricidade, conseguido através de um subsídio pago pelos beneficiários, descendo os preços a que a eletricidade é vendida por produtores a comercializadores, o que influencia indiretamente os preços da fatura da luz da maior parte dos consumidores.

Seis países já taxam ou regulam os lucros excessivos

A taxação de lucros excessivos das empresas energéticas está em foco desde que a própria Comissão Europeia avançou com a proposta de taxar em pelo menos 33% os lucros “extraordinários” das empresas de energia fóssil — isto é, os lucros que superam em 20% aqueles obtidos na média dos últimos três anos. Outra proposta consiste em colocar um teto nos ganhos dos produtores renováveis quando estes vende a sua energia no mercado grossista, pois, na tese da Comissão, estes produtores estão a realizar ganhos “com que nunca sonharam”, à boleia dos preços elevados da energia produzida a partir de gás natural, que muitas vezes puxa os preços do mercado grossista para cima.

Esta iniciativa europeia vai agora passar pelo crivo dos ministros da Energia europeus, no dia 30 de setembro, mas, antes disso, já conquistou vários países. Bulgária, Hungria, Itália, Roménia, Espanha e Reino Unido já aplicaram este tipo de medida.

No país vizinho, foi decidido que o imposto extraordinário vai incidir sobre os lucros extraordinários de 2022 e de 2023 das “grandes entidades financeiras” e dos “grupos dominantes” do setor elétrico, do gás e do petróleo. O Estado espanhol conta obter dois mil milhões de euros junto das empresas energéticas, que servirão para financiar medidas de combate à inflação, como os passes gratuitos para os comboios.

Em Itália, uma taxa sobre os windfall profits — ou lucros caídos do céu — está em vigor desde fevereiro até ao final de 2022, e recai sobre os produtores de energia solar, eólica, hídrica e geotermal, para ajudar financiar o pacote de medidas de 1,7 mil milhões apresentado pelo Governo italiano em janeiro. Em março, surgiu um novo pacote, desta vez de 4,4 mil milhões, acompanhado de uma taxa de 10% sobre as energéticas. Em maio, a ajuda às famílias veio reforçada em 14 mil milhões de euros, o que ditou que a taxa de 10% subisse para 25%, sendo o principal suporte das medidas de apoio. No Reino Unido, de forma a aliviar o custo de vida das famílias, o Governo lançou um pacote financiado em um terço por uma taxa sobre os lucros excessivos, com a qual pretende colher 5 mil milhões até 2023.

Na Hungria, os preços da energia estão a ser fixados abaixo do custo, e foi também implementado um preço máximo de 1,30 euros por litro de combustível. Um teto que era suposto durar por três meses desde novembro do ano passado mas acabou por ser estendido até julho. O Governo conta encaixar 2,06 mil milhões de euros ao longo dos próximos dois anos com novas taxas sobre os lucros excessivos, com especial enfoque nas empresas de energia, que contribuirão com 760 milhões de euros. Grande parte do bolo terá origem na empresa de óleo e gás húngara MOL. Na Roménia, foi já em 31 de outubro do ano passado que o Parlamento votou a favor de implementar um windfall tax nos produtores de energia, de 91 euros por megawatt-hora, para financiar as ajudas dadas a famílias, hospitais, escolas e instituições sociais.

Na Bélgica, Alemanha e Grécia a nova regulação dos lucros excessivos segue na forma de proposta, enquanto na Eslováquia e Eslovénia tais medidas estão em fase de discussão. Os Países Baixos também já declararam publicamente a intenção de introduzir uma taxa sobre as energéticas para financiar um aumento de 10% no ordenado mínimo.

Em Portugal, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, afirma que medidas de apoio como a permissão do regresso à tarifa regulada do gás ou o alívio de 16% que o mecanismo ibérico permitiu às empresas mais expostas ao mercado grossista da eletricidade, estão a ser pagas pelas empresas, “com os ditos lucros caídos do céu, só que antes da formação do lucro”. O regresso ao regulado tira ganhos às empresas gasistas e o mecanismo ibérico capta ganhos dos produtores renováveis, explicou. O Governo tem afirmado que apoia as medidas de Bruxelas, mas ressalvando que a respetiva aplicação em Portugal tem de ser ajustada à realidade do país e à carga fiscal já existente.

As medidas portuguesas

Além do mais recente mecanismo ibérico que limita os preços grossistas da eletricidade, o Bruegel faz um apanhado das medidas que foram sendo avançadas pelo Executivo português desde setembro do ano passado.

No final de setembro de 2021, João Matos Fernandes, na altura ainda ministro do Ambiente, anunciou uma redução de 30% nas tarifas de acesso à rede — uma das componentes do preço da eletricidade. Foi também removido o mecanismo de interruptibilidade, que garantia 100 milhões anuais a grandes consumidores de eletricidade em troca do direito a que estes parassem a produção em prol da segurança de abastecimento, algo que nunca havia sido usado. As receitas com as licenças de emissão de dióxido de carbono e a contribuição extraordinária que se encontrava em vigor no setor passaram a apoiar a medida de redução nas tarifas de acesso às redes.

O Governo passou a apoiar também os preços dos combustíveis, devolvendo através de um desconto no Imposto Sobre Produtos Petrolíferos as receitas acrescidas de IVA que o Estado estava a receber dado o aumento do preço dos combustíveis, calculando que por cada cêntimo descido no ISP, a perda para o Estado seria de 6,5 milhões de euros. Passou também a dar um apoio mensal de até 5 euros para abastecer que, em março deste ano, subiu para 20 euros, e congelou a subida prevista na taxa de carbono.

Em junho de 2022 foi anunciado um cheque de 60 euros para as famílias com direito à tarifa social da energia, medida orçamentada em 64 milhões. Já em abril as famílias mais vulneráveis passaram a ter de um apoio de 10 euros por garrafa de gás, o que custará até quatro milhões.

Mais recentemente, o Conselho de Ministros português anunciou que 2,4 mil milhões de euros seriam usados para apoiar cidadãos. Todos os consumidores que aufiram de menos de 2700 euros por mês vão receber 125 euros, a que se somam 50 euros por cada membro dependente. O IVA da eletricidade foi reduzido na mesma ocasião de 13% para 6% nos primeiros 100 quilowatts-hora consumidos.

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