Com o fim das férias judiciais, casos mediáticos fazem rentrée no palco da Justiça
Com o fim das férias judiciais, os juízes voltam para resolver os casos mais mediáticos da Justiça portuguesa. Desde a Operação Vórtex ao caso BES, tribunais retomam julgamentos.
Após sete semanas a “meio gás” devido às férias judiciais, os tribunais regressam em força com vários processos mediáticos nas mãos dos juízes. Desde a Operação Vórtex, no qual os antigos presidentes da Câmara Municipal de Espinho são arguidos, passando pelo caso Tancos ou caso BES, a justiça portuguesa vai retornar ao banco dos tribunais os arguidos dos processos.
O primeiro a voltar a discussão é o que envolve Miguel Reis e Joaquim Pinto Moreira, antigos presidentes da Câmara Municipal de Espinho, a 5 de setembro. Já no âmbito do caso EDP, o Ministério Público (MP) tem de encerrar o inquérito até 30 de setembro.
No mês seguinte, em outubro, são esperados desenvolvimentos no caso Tancos, quando será anunciada uma nova decisão após a Relação de Évora ter anulado o acórdão do julgamento que condenou 11 dos 23 arguidos em janeiro de 2022. Também em outubro está previsto o arranque do julgamento do processo BES/GES. Em julho de 2023, o juiz de instrução decidiu que Ricardo Salgado iria a julgamento. Ao ex-homem forte do BES são-lhe imputados 65 crimes.
Ainda incertos, existem muitos casos mediáticos que podem ou não marcar os últimos meses do ano. É o caso de José Sócrates, ex-primeiro-ministro, no âmbito da Operação Marquês, do empresário Joe Berardo, que também tem o “seu” caso em “stand-by”, ou da Operação Picoas.
Início do julgamento da Operação Vórtex
No próximo dia 5 de setembro os antigos presidentes da Câmara Municipal de Espinho, Miguel Reis e Joaquim Pinto Moreira, começam a ser julgados no âmbito da Operação Vórtex. O caso tem ainda três outros arguidos: o chefe da Divisão de Urbanismo e Ambiente daquela autarquia do distrito de Aveiro, um arquiteto e outro empresário, Francisco Pessegueiro. Miguel Reis, que renunciou ao mandato para o qual foi eleito em 2021, é o único arguido do processo que se encontra detido preventivamente.
O processo está relacionado com o alegado favorecimento de empresas em projetos imobiliários e respetivo licenciamento na cidade de Espinho, envolvendo interesses urbanísticos de dezenas de milhões de euros, tramitados em benefício de determinados operadores económicos”. A acusação foi conhecida em julho de 2023, tendo na fase de instrução o tribunal decidido levar todos os arguidos a julgamento.
Miguel Reis vai responder por quatro crimes de corrupção passiva e cinco de prevaricação. Já Pinto Moreira é acusado de dois crimes de corrupção agravada, um de tráfico de influência e outro de violação das regras urbanísticas. Quanto a Francisco Pessegueiro e outros dois empresários são acusados de oito crimes de corrupção ativa, um de tráfico de influência, cinco de prevaricação e dois de violação das regras urbanísticas.
Nova decisão do caso de Tancos
O Tribunal de Santarém vai anunciar a 4 de outubro uma nova decisão sobre o processo de Tancos, após a Relação de Évora ter anulado o acórdão do julgamento que condenou 11 dos 23 arguidos em janeiro de 2022. Em fevereiro de 2023, a Relação de Évora declarou o acórdão nulo por omissão de pronúncia, bem como a nulidade da utilização de prova obtida através de metadados, considerando que os factos dados como provados em muitos pontos do processo se encontravam irremediavelmente afetados e deviam ser reequacionados. Esta decisão resultou dos recursos apresentados por 20 dos 23 arguidos.
O processo do furto e recuperação de material militar dos Paióis Nacionais de Tancos tinha terminado com os autores materiais a receberem prisão efetiva. Foram condenados a penas de prisão efetiva o autor confesso do furto, João Paulino, com a pena mais grave, e os dois homens que o ajudaram a retirar o material militar na noite de 28 de junho de 2017, João Pais e Hugo Santos. Os três foram condenados pelo crime de terrorismo, praticado em coautoria material, e João Paulino e Hugo Santos também por tráfico e outras atividades ilícitas, tendo o cúmulo jurídico resultado numa pena de prisão efetiva de oito anos para João Paulino, de cinco anos para João Pais e de sete anos e seis meses para Hugo Santos.
O ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, um dos 23 acusados no processo, foi absolvido dos crimes de denegação de justiça, prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário e abuso de poder. O furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material sido feita na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a Polícia Judiciária Militar em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
Pontapé de saída do julgamento do caso BES
Apesar de inicialmente agendado para dia 28 de maio, o julgamento do processo BES/GES deverá arrancar a 15 de outubro. Em julho de 2023, o juiz de instrução decidiu que Ricardo Salgado, ex-homem forte do BES, iria a julgamento. Uma decisão que surge nove anos depois da queda do banco que Salgado liderou durante décadas.
Salgado não vai sozinho a julgamento, todos os arguidos foram pronunciados, ou seja, vão a julgamentos nos exatos termos da acusação, à exceção de cinco. No caso de Ricardo Salgado, são-lhe imputados 65 crimes, nomeadamente associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada, branqueamento, infidelidade e manipulação de mercado.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo, em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
Atual e ex-presidente da Câmara da Maia julgados por peculato
Dois dias depois, a 17 de outubro, o atual presidente da Câmara da Maia, António Silva Tiago, o seu antecessor, Bragança Fernandes, e outros quatro arguidos começam a ser julgados, pelo crime de peculato, num processo de “apropriação indevida de dinheiros”. Os arguidos requereram a abertura de instrução, mas o Tribunal de Instrução Criminal de Matosinhos pronunciou (decidiu levar a julgamento) todos os arguidos nos exatos termos da acusação do MP.
A acusação do MP sustenta que cinco dos seis arguidos, incluindo Bragança Fernandes e o atual vereador Hernâni Ribeiro, terão apresentado 433 despesas aos serviços municipalizados através de um alegado esquema fraudulento de pagamento de faturas. Quanto ao atual presidente da Câmara de Maia que, em outubro de 2017, sucedeu a Bragança Fernandes, vai também ser julgado neste processo por peculato, à semelhança dos restantes arguidos, mas por ter autorizado o pagamento de algumas das faturas em causa.
O MP defende que Bragança Fernandes, presidente do município de 2002 a outubro de 2017 e atual presidente da Assembleia Municipal da Maia, Hernâni Ribeiro, vereador no atual executivo, os antigos vereadores Ana Vieira de Carvalho e Manuel Nogueira dos Santos e Albertino da Silva, ex-diretor delegado do SMEAS – Serviços Municipalizados de Eletricidade, Água e Saneamento, apresentaram, entre 2013 e 2018, 433 faturas relativas a despesas com refeições e aquisição de equipamento informático, totalizando quase 53 mil euros.
Caso EDP: MP tem de concluir investigação a Mexia
O MP tem de encerrar o inquérito do processo dos Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual (CMEC) até 30 de setembro. Este foi o derradeiro prazo autorizado pela Procuradoria-Geral da República para os magistrados responsáveis pela investigação a Manuel Pinho, António Mexia e Manso Neto no âmbito do caso EDP. Foi há quase 12 anos que se deu a abertura de inquérito deste processo.
O foco da investigação centrava-se nas suspeitas de favorecimento do Governo, na altura de José Sócrates, à EDP. Com o decorrer da investigação, várias outras suspeitas foram nascendo, como a dos subornos superiores a cinco milhões de euros de Ricardo Salgado, ex-líder do BES, a Manuel Pinho, à data ministro da Economia de Sócrates. O processo acabou por ser dividido em dois: este relativo a Pinho, Manso Neto e Mexia, ainda sem acusação; e o segundo relativo a Pinho e Ricardo Salgado, ex-líder do BES, cujo julgamento já terminou e em que ambos foram condenados.
O caso está relacionado com os CMEC e o eventual favorecimento da EDP, no qual Mexia e Manso Neto, constituídos arguidos em 2017, são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade. Em causa estão benefícios de mais de 1,2 mil milhões de euros alegadamente concedidos por Manuel Pinho à EDP, entre outubro de 2006 e junho de 2012.
Operação Picoas aguarda acusação
Depois de mais um ano das buscas, que resultaram na detenção de Armando Pereira, do seu alegado braço-direito Hernâni Vaz Antunes, Jéssica Antunes (filha do braço direito do cofundador da Altice) e Álvaro Loureiro, administrador de empresas, ainda não há acusação do processo Operação Picoas. Neste caso está em causa uma “viciação decisória do grupo Altice em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência” que apontam para corrupção privada na forma ativa e passiva e para crimes de fraude fiscal e branqueamento. Os investigadores suspeitam que, a nível fiscal, o Estado terá sido defraudado numa verba superior a 100 milhões de euros.
A investigação indica também a existência de indícios de “aproveitamento abusivo da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira” através da domiciliação fiscal fictícia de pessoas e empresas. Entende ainda o Ministério Público que terão sido usadas sociedades offshore, indiciando os crimes de branqueamento e falsificação.
Armando Pereira está indiciado pelo MP de 11 crimes, entre os quais seis de corrupção ativa e um de corrupção passiva no setor privado, além de quatro de branqueamento de capitais e crimes não quantificados de falsificação de documentos.
Operação Marquês retorna à fase de instrução
Em junho, a juíza de instrução criminal Sofia Pires voltou atrás e aceitou proferir a nova decisão instrutória de José Sócrates e Carlos Santos Silva no âmbito da Operação Marquês, ao invés de Ivo Rosa. Os motivos prendem-se com os “prazos prescricionais em curso” e como os “princípios da celeridade e da confiança dos cidadãos no funcionamento do sistema e na realização justiça”.
Em causa estava uma decisão de março do Tribunal da Relação que anulou toda a decisão instrutória em que Ivo Rosa tinha mandado para julgamento Sócrates e Santos Silva apenas por seis crimes de branqueamento e falsificação de documentos. Mas a juíza Sofia Silva, que substituiu no processo Ivo Rosa, achava que devia ser o magistrado a presidir a fase de instrução. Ainda não existe dada para esta fase processual.
Uma das figuras centrais deste processo é o antigo primeiro-ministro José Sócrates, que chegou a estar preso preventivamente durante cerca de dez meses e depois 42 dias em prisão domiciliária. O arguido estava inicialmente acusado de 31 crimes, entre os quais três por corrupção passiva de titular de cargo político, mas apenas foi pronunciado por seis crimes: três por falsificação de documento e três por branqueamento de capitais.
O empresário Carlos Santos Silva está também acusado por três por falsificação de documento e três por branqueamento de capitais, todos em coautoria com José Sócrates. Inicialmente estava acusado com o maior número de crimes 33 crimes, sendo 17 por branqueamento de capitais, dez por falsificação de documentos, três por fraude fiscal qualificada, um por corrupção passiva de titular de cargo político, um por corrupção ativa de titular de cargo político e um por fraude fiscal. Segundo o MP, Carlos Santos Silva era o testa-de-ferro de José Sócrates para controlar várias offshores.
Caso Berardo em “stand-by”
Outro dos casos mediáticos que continua em “stand-by” é o caso Berardo. Foi em junho de 2021 que o empresário Joe Berardo e o seu advogado André Luiz Gomes foram detidos pela Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de administração danosa, burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Desde então, como e quanto se evoluiu na investigação, que não deixou de estar no centro dos holofotes? Pouco aconteceu e o MP ainda não deduziu uma acusação.
Berardo, bem como o seu advogado André Luiz Gomes, foram detidos por suspeitas de burla à Caixa Geral de Depósitos (CGD), no seguimento de uma megaoperação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ. A operação incidiu sobretudo num grupo económico que, entre 2006 e 2009, contratou quatro operações de financiamentos com a CGD, no valor de cerca de 439 milhões de euros. Este grupo económico terá incumprido com os contratos e recorrido aos mecanismos de renegociação e reestruturação de dívida para não a amortizar.
Em julho de 2022, o MP propôs a alteração das medidas de coação de Berardo, requerendo apresentações periódicas às autoridades pelo empresário e admitindo a extinção da maioria das medidas aplicadas no ano anterior. Berardo manteve ainda a caução de cinco milhões de euros que lhe foi aplicada pelo juiz de instrução Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, e o Termo de Identidade e Residência. Já em relação ao advogado André Luiz Gomes, o MP revelou que foi proposto apenas TIR.
Operação Lex aguarda julgamento
No final de 2022, os arguidos da Operação Lex – o ex-juiz desembargador Rui Rangel, o ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa Luís Vaz das Neves, a ex-mulher de Rangel e aposentada compulsivamente pelo CSM Fátima Galopante e Luís Filipe Vieira, entre outros –souberam que iam a julgamento. Em causa os crimes de corrupção passiva e ativa para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento. Mas até ao momento não há data de agendada.
Caberá ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) julgar os 17 arguidos da Operação Lex. Em dezembro, o STJ decidiu ser competente, após ter ponderado se processo teria de ser dividido em dois. A dúvida sobre quem seria competente prendia-se com o facto de os crimes de colarinho branco alegadamente cometidos pelos desembargadores Rangel e Fátima Galante terem sido feitos quando eram ainda juízes de segunda instância. Ou seja, dava-lhes o direito de serem julgados pelo STJ. Mas uma vez que ambos foram afastados da magistratura, era discutível onde seriam julgados.
O que desencadeou todo este processo da justiça portuguesa foi uma Bertidão extraída do caso Operação Rota do Atlântico, que envolveu José Veiga, ex-empresário de futebol e Luís Filipe Vieira, o ex-dirigente do Benfica, suspeito de crimes de corrupção no comércio internacional, branqueamento de capitais, fraude fiscal e tráfico de influências. Após suspeitas da prática de crimes, foi aberto um inquérito em setembro de 2016.
A investigação, liderada por Maria José Morgado, centrou-se na atividade desenvolvida por três juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa que utilizaram tais funções para a obtenção de vantagens indevidas, para si ou para terceiros. Os três magistrados citados na acusação são Rui Rangel, Fátima Galante e Luís Vaz da Neves. Segundo a Procuradoria-Geral da República, as vantagens obtidas podem superar os 1,5 milhões de euros.
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