Depois de Powell e Carney, chegou o momento de Lagarde. Terá o BCE capacidade para estimular a Zona Euro?
Conselho de governadores do BCE decide esta quinta-feira medidas de estímulo para travar o impacto do coronavírus. Depois da Fed e do BoE, investidores estão a descontar corte de juros na Zona Euro.
“Lavar bem as mãos, evitar proximidade social e estar atenta aos sintomas”. É em tom de brincadeira que Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros, ilustra as limitações do que a presidente do Banco Central Europeu (BCE) pode fazer em relação ao coronavírus. Depois de os maiores bancos centrais terem anunciado medidas de emergência, a Zona Euro limitou-se a fazer avisos e — mesmo com a farmácia limitada de remédios disponíveis para a economia — Christine Lagarde deverá ser obrigada a agir.
A pandemia infetou mais de 126 mil pessoas em todo o mundo e contabiliza mais de quatro mil mortos. Para conter o surto, multiplicam-se quarentenas, empresas fechadas ou mesmo limitações à circulação. Mas há um efeito perverso destas medidas para as economias. Os alarmes têm soado e na forma de revisões em baixa das projeções de crescimento e a possibilidade de a epidemia atirar o mundo para uma recessão parece cada vez mais provável.
“Nas últimas duas semanas, ocorreu uma alteração profunda nas expectativas de crescimento da economia mundial. Enquanto o Covid-19 esteve concentrado na China, o sentimento generalizado apontava para efeitos temporários, com possibilidade de recuperação a partir do segundo trimestre. No entanto, os receios de uma pandemia global aumentaram com o aparecimento de um elevado número de casos em Itália e Coreia do Sul e também noutras importantes economias desenvolvidas”, explica Carlos Almeida, diretor de investimentos do Banco Best. “Neste momento, estamos numa fase de incerteza relativamente à evolução do Covid-19 bem como das medidas a tomar para a sua contenção. É nesta fase que os bancos centrais estão a reagir“.
Neste momento, estamos numa fase de incerteza relativamente à evolução do Covid-19 bem como das medidas a tomar para a sua contenção. É neste momento que os bancos centrais estão a reagir.
A reação mais forte foi da Reserva Federal norte-americana que cortou, de forma inesperada, as taxas de juro de referência em 50 pontos base. Da mesma forma, o Banco de Inglaterra também o fez esta quarta-feira. Além destas decisões surpresa, também bancos centrais de outras regiões como o do Canadá, Austrália ou Malásia cortaram juros nas reuniões habituais para definir a política monetária.
Esta quinta-feira, dia de reunião do Conselho de Governadores, é a vez de o BCE decidir o que fazer. Até agora, os responsáveis pela moeda única limitaram-se a fazer avisos: o impacto do vírus será elevado e é preciso agir, mas quem o deverá fazer são os governos, aumentando a despesa pública para estimular a economia. Dentro do banco central, houve apenas medidas procedimentais para limitar a disseminação da epidemia. Está assim em aberto quais as políticas monetárias a adotar.
BCE vai tentar cura com a farmácia vazia
“Simbolicamente, o BCE poderá cortar taxas de juro, mas essa medida terá pouco impacto. Acredito também que o BCE aumente o limite de compras de ativos, impedindo subidas das taxas de juro de médio e longo prazo de todos os soberanos. Mas onde o BCE precisa de intervir é num programa que permita chegar liquidez às empresas, nomeadamente pequenas e médias empresas (PME) e que podem ter ruturas de tesouraria decorrentes da crise”, antecipa Garcia.
Há várias opções em cima da mesa, mas aquela que parece mais provável é que o BCE siga os pares e corte juros. Os mercados monetários estão a apostar num cenário de redução de juros. Atribuem uma probabilidade de 100% de um corte de 20 pontos base ou de dois cortes de dez pontos base na taxa de depósitos até junho. O problema é que o BCE tem uma margem de manobra mais pequena do que outros bancos centrais como a Fed. Todas as taxas estão atualmente em mínimos históricos, mas a taxa aplicada ao montante que os bancos têm depositado no banco central está mesmo em terreno negativo.
“O mercado neste momento já desconta que o BCE corte a taxa de juro do deposit facility (taxa de juro paga nas reservas dos bancos depositadas no BCE) de -0,5% para -0,6%”, refere a equipa de research do BiG – Banco de Investimento Global. “O objetivo de reduzir a taxa de depósito é tornar menos atrativo os bancos «estacionarem» as suas reservas junto do BCE em vez de as emprestar aos agentes económicos”.
“Sendo a taxa atual já bastante penalizadora para os bancos, estes encontram-se bastante dispostos a conceder crédito. O problema surge devido à falta de procura por parte das empresas, que vivem na incerteza de haver um abrandamento a nível global, o que leva a que reduzam a sua disposição a investir. Sendo que o surto de coronavírus vai abrandar a atividade económica, muitas PME vão ter problemas de liquidez. Como resposta ao impacto económico deste surto, o BCE poderia alargar a capacidade de financiamento através de LTRO (programa de empréstimo de longo prazo com uma taxa de juro mais vantajosa) para os bancos se estes aumentarem a concessão de crédito a PME”, concorda o BiG.
Além dos juros e dos empréstimos com condições mais favoráveis, Lagarde poderá reforçar do programa de dívida para permitir aos países que se financiem a baixos custo ou anunciar novas medidas extraordinárias. “Atendendo à menor capacidade de intervenção a nível das taxas de juro, o BCE poderá sinalizar medidas que, de modo temporário, contribuam para um atenuar da pressão cash flow das empresas. Em certa medida, a capacidade de apresentação de medidas concretas, será importante para a gestão de expectativas dos investidores“, sublinha Carlos Almeida.
Momento whatever it takes de Lagarde
Os investidores têm estado com os nervos à flor da pele dada a incerteza sobre o impacto do vírus na economia e anseiam por motivos para retomar o otimismo. A principal preocupação prende-se com o tempo que irá demorar a controlar a crise. Para já, o turismo e os transportes estão na linha da frente das consequências devido aos cancelamentos e à consequente quebra na procura face ao risco de contaminação.
“É certo que se o vírus continuar a alastrar pela Europa vai ter um impacto significativo na economia portuguesa quer devido ao encerramento de serviços e de meios produtivos, quer por parte do abrandamento económico dos nossos parceiros comerciais. Destacamos também que a economia portuguesa está muito dependente do setor do turismo, desta forma uma queda na procura irá impactar adversamente toda a economia nacional“, sublinha o BiG sobre o impacto para Portugal.
Já sobre a dívida, não é tão certo. Apesar de os analistas não esperarem um reavivar da crise da dívida soberana, lembram que há incerteza e que já se está a assistir a um alargamento do risco-país, ou seja, do spread da yield das obrigações portuguesas a dez anos face às da Alemanha. Ainda assim, o facto de as yields dos países da Zona Euro estarem artificialmente baixas devido à política expansionista do BCE poderá limitar a subida dos juros.
"Sob a liderança de Mario Draghi, o BCE já se teria provavelmente juntado à Fed, na semana passada, tentado demonstrar capacidade e vontade de agir. O BCE sob liderança de Christine Lagarge tem-se mostrado, no entanto, até agora, menos sensível aos desenvolvimentos nos mercados financeiros do que no tempo do antecessor.”
A reação aos novos estímulos do BCE irá depender do nível de reforço das medidas, enquanto este será um momento de definição para Lagarde, que ocupa o cargo de presidente do BCE há quatro meses, tendo sucedido a Mario Draghi, que ficou conhecido por salvar o euro. “Decorridos sete anos e nove meses do whatever it takes de Mario Draghi, a líder do BCE enfrenta um desafio do qual necessita da coordenação da política orçamental, no sentido de minimizar os impactos da suspensão das cadeias de fornecimento”, aponta o diretor de investimento do Best.
“Sob a liderança de Mario Draghi, o BCE já se teria provavelmente juntado à Fed, na semana passada, tentado demonstrar capacidade e vontade de agir”, diz Carsten Brzeski, economista-chefe do ING. “O BCE sob liderança de Christine Lagarge tem-se mostrado, no entanto, até agora, menos sensível aos desenvolvimentos nos mercados financeiros do que no tempo do antecessor. De facto, houve até uma crescente consciência dos efeitos adversos das medidas não convencionais do BCE, o que reduz a probabilidade ou, pelo menos a vontade, de apoio adicional”, acrescenta.
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