Apesar do alerta dado pela DGS, a procura por enlatados, papel higiénico e leite nos supermercados aumentou, devido aos receios do propagação do surto. O ECO foi visitar algumas lojas em Lisboa.
A Direção Geral de Saúde (DGS) lançou o apelo: “Não açambarquem!”. Mas os portugueses parecem não ter ouvido e há já várias prateleiras vazias nos supermercados. Enlatados, papel higiénico e leite são alguns dos produtos mais procurados e os supermercados visitados pelo ECO na zona de Alcântara, em Lisboa, mostram isso mesmo.
“A última coisa que queremos é que vá toda a gente aos supermercados“, disse esta terça-feira Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, no Parlamento. Contudo, a corrida aos supermercados já começou e a existência de algumas prateleiras vazias é evidente.
“Não há razão para estarmos preocupados”, diz ao ECO, Paula Dias, de 51 anos, no Pingo Doce de Alcântara, acrescentando que vem fazer “as compras habituais para a semana”, ao mesmo tempo que coloca umas latas de atum no carrinho de compras.
Mas Anabela Rocha, de 57 anos, não é da mesma opinião. A auxiliar de ação médica admite estar “um pouco preocupada”, mas recusa entrar em alarmismos ou exageros. “Levo algumas coisas, mas nada por aí além. Vou comprar meia dúzia de enlatados, pacotes de leite, papel higiénico… Coisas que possam aguentar mais um tempinho, porque não sei como é que a situação se vai desenrolar“, confessa, recusando encher o carrinho. “Estou a prevenir-me um bocadinho”, completa.
Neste Pingo Doce, as latas de atum pequenas, feijão encarnado, papel higiénico e os congelados são os produtos cuja escassez é mais sentida. Contudo, os funcionários têm conseguido manter o stock, ainda que demorem mais tempo. “Isto mais parece o banco alimentar”, comenta uma das funcionárias, enquanto repõe os produtos em falta.
Também a trabalhar na área da saúde, neste caso na indústria farmacêutica, Eduardo Serra, de 61 anos, diz-se “perplexo” com o facto de as prateleiras estarem “a ficar vazias”. “Dado o que se está a passar, tentei vir a uma hora em que estivesse menos gente, mas mesmo assim parece que não tive alternativa“, desabafa, entre os corredores do Pingo Doce. Para Eduardo Serra, os cidadãos deviam evitar multidões, preocupar-se com a correta higienização das mãos, ao invés de acorrerem aos supermercados.
“As pessoas [na Europa] não estão a perceber a gravidade da situação”
Coco Dinis nasceu na China, mas vive em Portugal há poucos anos e, tal como Eduardo Serra, tem alguns cuidados. Esta quinta-feira de manhã deslocou-se pela primeira de vez de máscara ao supermercado. Por forma a evitar alarmismos, decidiu escrever “apenas precaução” na proteção. “Isto [máscara] só utilizo dentro de espaços fechados. É só para me proteger”, conta ao ECO, à saída do Lidl de Alcântara.
Quanto às compras que fez, assinala que só comprou o que necessitava, mas não esconde a preocupação. “As pessoas [na Europa] não estão a perceber a gravidade da situação”, aponta Coco Dinis, alertando para o uso de máscaras, já que “pessoas que estão infetadas podem não saber que o estão e infetarem outras. “Tomem conta de vocês”, apela.
No Lidl de Alcântara, os expositores de pão de forma estão praticamente vazios, havendo apenas sete embalagens com côdea e nove sem côdea. Mas a procura é ainda mais evidente nas prateleiras dos enlatados, onde não havia sequer uma lata de grão, feijão ou salsichas. “Mais quinze dias e isto passa“, ouve-se entre os corredores deste supermercado.
A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) já tinha reportado um “ligeiro aumento da procura de produtos” nos super e hipermercados associado ao surto do novo coronavírus, mas garantiu, na terça-feira, que estas unidades estão a funcionar “com total normalidade”.
Apesar de o Lidl de Alcântara espelhar bem essa realidade, os clientes com quem o ECO falou querem evitar situações como as que aconteceram em Itália ou Espanha, onde os cidadãos foram a correr abastecer-se. “Vim porque tinha de vir“, assinala Teresa Barão, reformada. “Compro um pacote de arroz ou massa, mas nada de extraordinário“.
“Eu chego ao supermercado e levo aquilo de que preciso. Não ando a açambarcar”, atira Maria Helena. A doméstica conta que já na quarta-feira tinha ido a um Pingo Doce e “se tinha deparado com a falta de coisas”, mas desvalorizou. “Agora cheguei ali [Lidl] e queria arroz, mas não havia e agora venho aqui ao mercado para comprar uns legumes e umas frutas. As pessoas estão a entrar em pânico”, conta, à porta do mercado de Alcântara.
“As pessoas têm de deixar de ser egoístas”
Para Maria Helena, “as pessoas têm de deixar de ser egoístas”, defendendo que os supermercados devem limitar os produtos que cada cliente pode levar. “Não é correto, nem os supermercados deviam deixar fazer isso, porque há pessoas que trabalham e só ao fim do dia é que vão às compras”, conclui.
Caso os supermercados tomem essa medida de forma preventiva, será legal já que o decreto-lei 28/84 (artigo 28), prevê o racionamento em caso de “notória escassez”.
A situação é idêntica no Meu Super, detido pela Sonae, também em Alcântara. Nesta loja a escassez de papel higiénico e enlatados é notória. Nos enlatados, a situação é mais evidente no que toca às latas de feijão-frade (onde havia apenas 11), feijão encarnado, atum e sardinhas.
“As pessoas estão com medo. Às vezes chegam aqui e compram coisas de que nem precisam“, relata ao ECO um funcionário, comparando a situação à Guerra do Golfo. “É típico do português”, refere, acrescentando que, por isso, apesar de terem stock, “é mais difícil de repor”.
A opinião é partilhada por outro funcionário do Mini Preço, no Calvário, em Lisboa, que, tal como o trabalhador do Meu Super, relata dificuldades na reposição, uma vez que se trata de um loja mais pequena e com menos trabalhadores. “Isto não vai faltar nada, como é obvio”, garante o responsável, acrescentando que “as pessoas procuram alimentos com prazos de validade mais alargados”.
Isabel Felgueiras, de 70 anos, cliente habitual do Meu Super, diz que “tem feito as compras normais” mas, questionada sobre se está preocupada com o que pode vir a acontecer nos próximos dias caso as medidas de prevenção se tornem mais fortes, hesita, admitindo que levou “um bocadinho mais de carne do que o habitual”.
O coronavírus chegou a Portugal a 2 de março de 2020 e com o aumento do número de casos em território nacional, principalmente a partir deste fim de semana, os portugueses mostra-se cada vez mais receosos quanto à epidemia.
Depois da corrida às máscaras, álcool e aos geles desinfetantes, é notório uma maior afluxo de clientes nos supermercados. Segundo o último balanço da agência AFP, há mais de 4.900 mortos pelo novo coronavírus e mais de 133 mil pessoas infetadas em 120 países e territórios. Em Portugal há 112 casos confirmados.
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Corrida aos supermercados já começou. Portugueses ignoram apelos para não açambarcarem
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