Da escolaridade ao salário. Este é o retrato do trabalhador português

A maioria dos trabalhadores em Portugal tem mais de 25 anos, trabalha por conta de outrem no privado, dedicando-se ao setor dos serviços. O ensino básico ainda é o grau de escolaridade mais frequente.

A pandemia de coronavírus está a fazer tremer o mercado de trabalho: atirou milhares de portugueses para o desemprego e colocou os salários de outros tantos à responsabilidade do Estado. É nesse contexto de incerteza e até de alguns abusos nas relações laborais, reconheceu o primeiro-ministro, que se comemora, este ano, o Dia do Trabalhador. Mas que perfil tem o trabalhador português? As estatísticas traçam o retrato.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), no último trimestre de 2019, estavam empregadas em Portugal cerca de 4,9 milhões de pessoas. Neste universo, 2,5 milhões eram homens e cerca de 2,4 milhões eram mulheres. Entretanto, face ao impacto do surto de Covid-19 no emprego, a população empregada deverá ter emagrecido.

Dos 4,9 milhões de empregados a grande maioria está concentrada no privado. Segundo a Síntese Estatística do Emprego Público, apenas 698 mil pessoas (cerca de 14% do universo total) estão empregadas no Estado. E na Função Pública, é a Administração Central que conta com mais postos de trabalho: cerca de 527 mil.

No que diz respeito à situação na profissão, dos quase cinco milhões de trabalhadores referidos, quatro milhões são trabalhadores por conta de outrem e apenas cerca de 800 mil são trabalhadores independentes. Entre estes últimos, a maior fatia são trabalhadores por conta própria isolados (568 mil), havendo apenas 238 mil “recibos verdes” que também são empregadores.

E em que setor há mais portugueses empregados? Os dados do INE mostram que é o setor dos serviços o que mais emprega gente em Portugal: cerca de 3,4 milhões e destes quase 1,5 milhões são homens (cerca de 42,8%). Ou seja, é um setor dominado pelas trabalhadoras.

Segue-se a indústria, construção, energia e água, com 1,2 milhões de empregados. Neste caso, a fatia de trabalhadores masculinos é maior: 855,9 mil, isto é, cerca de 70,5% do universo total. Em último lugar, aparece a agricultura com 247,6 mil empregados, sendo que 166 mil são homens (67%).

Já em termos remuneratórios, os números mostram uma evolução positiva nos últimos anos. Em 2019, a remuneração bruta mensal média estava nos 1.276 euros, fixando-se a componente regular nos 1.038 euros. E segundo os dados avançados pelo Executivo de António Costa no verão do ano passado, há cada vez menos trabalhadores a ganhar o salário mínimo. No final de 2018, por exemplo, menos de um quinto (19,6%) dos portugueses recebia os 580 euros definido então como remuneração mínima garantida.

Quanto à distribuição etária, o INE revela que a esmagadora maioria dos empregados (cerca de 4,5 milhões) tem mais de 25 anos. Menos de 300 mil trabalhadores do referido universo de 4,9 milhões de trabalhadores têm menos de 25 anos.

A completar o retrato do trabalhador português estão os dados relativos ao níveis de escolaridade. A maior fatia dos empregados, em Portugal, tem o ensino básico (quase 1,9 milhões de trabalhadores), seguindo-se o secundário (1,36 milhões de trabalhadores) e o ensino superior (1,34 milhões de trabalhadores).

Neste último grupo, destaque para a distribuição por género: dos 1,34 milhões de empregados com graus de ensino superior, 812 mil são mulheres, isto é, cerca de 60,57%. De notar, por outro lado, que ainda há 34 mil empregados em Portugal sem qualquer nível de escolaridade.

Do outro lado da moeda, o Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho mostra que atualmente já há mais de 377 mil desempregados registados no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), número que compara com os 321 mil desempregados registados no mês anterior.

A este dado soma-se o número de empresas que pediram acesso ao lay-off simplificado — mais de 95 mil com um milhão e 180 mil empregados à sua conta — e o número de processos de despedimento coletivo iniciados em abril, que mais do que duplicou em relação ao mesmo anterior. Em causa estão 122 processos iniciados, que abrangem 1.095 trabalhadores.

De acordo com o Governo, o regime simplificado de lay-off tem mitigado o impacto da pandemia na evolução do desemprego, que tem crescido, mas não ao ritmo que “seria de esperar” na ausência desta medida. O novo lay-off destina-se às empresas mais afetadas pelo surto de Covid-19 e permite suspender contratos de trabalho ou reduzir a carga horária dos trabalhadores, que mantêm o direito a, pelo menos, dois terços do seu salário.

De acordo com a ministra do Trabalho, a maioria (88%) dos processos de lay-off já analisados dizem respeito a casos de suspensão do contrato. Nessa situação, a Segurança Social paga 70% dos tais dois terços do salário. No caso da redução da carga horária, o Estado paga 70% apenas do valor necessário para que o trabalhador tenha acesso, em conjunto com a remuneração devida pelas horas mantidas, a esses dois terços.

Ana Mendes Godinho adiantou, por outro lado, que do universo de pedidos já analisados apenas 61% mereceram o “sim” da Segurança Social. Os restantes tinham algumas das seguintes falhas: não tinham indicado o IBAN (o pagamento do apoio é feito obrigatoriamente por transferência bancária), tinham campos mal preenchidos, o empregador não tinha a situação contributiva regularizada, não era ao lay-off que a empresa pretendia efetivamente aceder.

Este ano, o Dia do Trabalhador é comemorado também com o Código do Trabalho “preso” no Tribunal Constitucional. No final de setembro, PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes pediram a fiscalização sucessiva de três normas que ficaram na lei laboral aquando da sua revisão mais recente: o alargamento do período experimental para jovens à procura do primeiro emprego e para os desempregados de longa duração; a generalização e facilitação do recurso aos contratos de muito curta; e a caducidade da contratação coletiva. Até agora, o Tribunal Constitucional ainda não avançou com nenhum parecer.

Essa revisão recente do Código do Trabalho deixou muitos trabalhadores numa posição mais “frágil para enfrentar uma situação como esta”, isto é, o impacto da pandemia de coronavírus no mercado de trabalho, sublinhou, em entrevista ao ECO, a secretária-geral da CGTP. “Se tivéssemos conseguido alterar o modelo de baixos salários, de precariedade, de desinvestimento nos serviços públicos e se tivéssemos dado o salto também em relação à legislação laboral, o país estaria em condições muito diferentes para enfrentar esta situação”, rematou, Isabel Camarinha.

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