Portugal não deverá voltar a rating “lixo”, mas segunda vaga Covid-19 é um risco
País volta, esta sexta-feira à noite, a estar no radar da Fitch. Avaliação acontece depois de a agência ter cortado a perspetiva de rating da dívida nacional, tal como a Standard and Poors já o fez.
A saída do rating de “lixo” foi um marco da recuperação pós-crise financeira. Portugal voltou a ser visto como investimento de qualidade por agências e investidores há menos de dois anos e agora um vírus voltou a colocar o país em cheque. Apesar de os analistas não considerarem provável que Portugal volte a cair para investimento especulativo, alertam para o risco de uma segunda vaga de Covid-19.
“No maior desafio social e económico da sociedade moderna, o rating de Portugal fica nos níveis onde estava há sete meses. Foi em setembro de 2019 que a Standard and Poor’s (S&P) alterou a perspetiva do rating de Portugal de estável para positivo. Já em setembro a S&P tinha sinalizado que a perspetiva poderia ser alterada caso ocorresse uma situação inesperada a nível do crescimento. O que ocorreu foi a materialização desse risco“, diz Carlos Almeida, diretor de investimento do Banco Best.
A materialização desse risco foi a revisão em baixa do outlook da dívida nacional anunciada de forma inesperada (já que os calendários não previam quaisquer avaliações) pela S&P, a 24 de abril, apenas uma semana depois de a Fitch ter tomado a mesma decisão. Esta última tem nova avaliação marcada para esta sexta-feira à noite, não sendo expectáveis novas alterações.
"Podemos entender essa alteração como natural dada a magnitude da queda da atividade económica para este ano e pelo facto de Portugal apresentar um rácio da dívida em torno de 118% (dados de final de 2019).”
Em ambos os casos a perspetiva de rating voltou a “estável” devido ao potencial impacto do coronavírus na economia. “Podemos entender essa alteração como natural dada a magnitude da queda da atividade económica para este ano e pelo facto de Portugal apresentar um rácio da dívida em torno de 118%” do PIB, afirma Almeida.
Apesar de o Governo ainda não ter atualizado projeções, a dívida pública já subiu para 120,3% do PIB em março e o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a aumente 17,4 pontos percentuais no total do ano para 135%. Além do inevitável agravamento do nível de endividamento para fazer face às acrescidas necessidades de financiamento geradas pelo vírus, também o PIB vai castigar o rácio. Assim, foi principalmente o efeito de queda da economia a castigar o rácio da dívida pública. O PIB português contraiu 2,4% no primeiro trimestre e poderá cair 8% em 2020.
“Esta decisão «surpresa» em termos de calendário — não tinham agendada qualquer revisão para estas datas — não deveria ser considerada, de todo, uma surpresa tendo em conta a deterioração significativa das perspetivas económicas sobre o país, devido aos efeitos nefastos da pandemia da Covid-19″, considera João Pisco.
"Não foi surpresa a revisão em baixa do outlook para Portugal, feito pela Fitch e pela Standard and Poor’s, sendo que, outras agências poderão acabar por tomar decisões idênticas. O que estas decisões não estão a ter em conta, é uma possível segunda vaga do vírus, que poderá resultar num novo período de confinamento.”
O analista de mercados do Bankinter discorda das críticas feitas às agências sobre downgrades relacionados com o vírus — que levaram o regulador europeu dos mercados a pedir que fossem evitados cortes bruscos — e vê a atuação como “bastante sensata”. Apesar de não excluir que a Moody’s siga os mesmos passos, lembra que é menos provável já que esta agência avalia o rating de Portugal apenas um nível acima de “lixo”.
Da mesma forma, o diretor de investimentos do Banco Carregosa, não foi apanhado de surpresa pela decisão. “O atual contexto de mercado, com a economia mundial a funcionar a um ritmo muito lento, fez com que as agências de rating iniciassem um processo de revisão ou descida do rating, tanto das empresas como dos soberanos”, refere Filipe Silva. Não só diz que “não foi surpresa a revisão” da Fitch e S&P, como considera que “outras agências poderão acabar por tomar decisões idênticas”.
Bazuca europeia é travão à queda dos ratings
“O que estas decisões não estão a ter em conta, é uma possível segunda vaga do vírus, e que poderá resultar num novo período de confinamento“, alerta o diretor de investimentos do Banco Carregosa. As economias europeias (portuguesa incluída) já começaram a acelerar a reabertura para tentar travar o impacto do vírus, mas a estratégia tem uma falha: a possibilidade de uma segunda vaga. Sendo já certo que os défices dos vários países vão aumentar, o regresso ao confinamento é o principal risco.
“O mais importante para o futuro da economia europeia será perceber de que forma a União Europeia irá responder e suportar os novos níveis de endividamento. Sem uma ajuda à altura, será muito difícil para os países da periferia suportar os níveis de dívida que irão existir, quanto mais uma segunda vaga de confinamento. A descida do rating para um nível especulativo, poderá estar mais dependente de uma decisão política, do que propriamente de uma decisão económica“, aponta Filipe Silva.
A rede de segurança europeia ainda não está completamente fechada. O Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) disponibilizou 240 mil milhões de euros aos Estados-membros em linhas de crédito, ao qual se poderá juntar um fundo de recuperação (proposto à União Europeia por Emmanuel Macron e Angela Merkel) com 500 mil milhões de euros. Em curso está já um programa de emergência de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE) com 750 mil milhões.
"Acredito que o papel do BCE será fundamental na manutenção do rating português acima da linha de água. No limite, o BCE poderá adquirir a totalidade da nova dívida emitida para combater esta crise.”
“Acredito que o papel do BCE será fundamental na manutenção do rating português acima da linha de água. No limite, o BCE poderá adquirir a totalidade da nova dívida emitida para combater esta crise, mantendo desta forma os encargos com os juros num nível bastante razoável, sobretudo se compararmos com os níveis alcançados durante a última crise financeira”, considera Pisco.
Se o BCE será fundamental para todos os países, Portugal tem a seu favor ter chegado a esta crise com excedente orçamental, ao contrário dos restantes países periféricos. E, por último, o facto de ter sido menos afetado pelo vírus do que países como Espanha ou Itália.
“No atual contexto, a questão do rating high-yield é mais premente para Itália“, diz Carlos Almeida. “Nos últimos anos, Portugal fez um longo caminho de recuperação da confiança dos investidores nacionais e internacionais. O facto de continuarmos no patamar de investment grade e termos uma perspetiva de estável num momento onde se estima uma queda de 8% do PIB, é a prova que continuamos a merecer a confiança dos investidores e das agências de rating“, acrescenta o diretor de investimentos do Best.
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