Novo Banco, TAP ou CTT. Quando as grandes empresas são alvo do Governo
Não é comum em Portugal que o Executivo critique abertamente empresas privadas, mas não é inédito. Novo Banco e TAP são os alvos mais recentes, mas não são caso único ao longo dos últimos anos.
O tiro ao alvo do presidente norte-americano Donald Trump — incluindo sobre grandes empresas nacionais ou estrangeiras, cotadas ou não — não é um estilo que outros líderes costumem replicar. Mas não significa que não haja exemplos deste lado do Atlântico, incluindo em Portugal. E este Governo tem apontado a várias nos últimos tempos.
Bónus em tempos de prejuízos e injeções de capital milionárias puserem o Novo Banco na mira de António Costa, levando a instituição financeira sentir-se usada como “arma de arremesso político”. Mas as críticas do primeiro-ministro (e de todo o Governo) não se cingem ao Novo Banco. Só durante a pandemia, todos os bancos e TAP já foram alvos. Antes disso, já estiveram na mesma posição empresas como os CTT, a Altice ou a Jerónimo Martins.
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A gestão do Novo Banco
Os salários do Novo Banco foram o tema quente da semana. Vários partidos criticaram a gestão do banco, em particular vendas de ativos abaixo do valor, que faz agravar os resultados negativos. António Costa adiantou no Parlamento que se a auditoria especial da Deloitte detetar “falhas de gestão” no Novo Banco que não justificavam as injeções feitas, o Fundo de Resolução pode pedir o reembolso do dinheiro que injetou. “Tem toda a legitimidade”, garantiu o primeiro-ministro.
O banco liderado por António Ramalho já recebeu quase 3.000 milhões de euros em injeções do Fundo de Resolução por conta dos prejuízos acumulados desde 2017. Apesar disso, planeia pagar (assim que o acordo com o Fundo de Resolução o permitir) prémios de dois milhões de euros aos gestores. Também esta situação foi alvo de crítica, com o ministro das Finanças, Mário Centeno, a pedir que o Novo Banco recue na atribuição dos prémios aos gestores.
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Os atrasos da banca nas linhas Covid
Durante a pandemia, o Governo já colocou todos os bancos em cheque. A banca está a ser criticada pela demora em disponibilizar as linhas de crédito com garantias de Estado lançadas para ajudar as empresas durante o surto: já foram avalizadas garantias acima de cinco mil milhões de euros, mas apenas 1,5 mil milhões foram aprovados. “Não sei do que é que os bancos estão à espera. Mas as empresas estão à espera dos bancos e não do SPGM“, disse António Costa também esta semana no Parlamento.
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A insolvência da TAP
Se à banca, o Governo tem puxado as orelhas, é com a TAP que tem realmente endurecido o discurso. A companhia aérea está a ser fortemente castigada pela pandemia. O Governo está a trabalhar com a administração da empresa numa operação de capitalização da companhia, que é detida em 50% pelo Estado, em 45% pela Atlantic Gateway e 5% pelos trabalhadores. Mas há condições e nenhum cenário é excluído. Nem mesmo a insolvência da empresa.
“O Governo não quer deixar cair a TAP e faremos a intervenção necessária para garantir que a TAP não cai”, mas “é fundamental que um Estado se dê ao respeito, não se deixe enganar, nem se deixe usar”, disse o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos. “O Estado vai partir para uma negociação e não podemos excluir nenhum cenário, inclusivamente a insolvência da empresa”.
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A saída de António Domingues da CGD
O conflito entre o Governo e a banca não é de agora. O caso mais quente foi o do antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos, António Domingues. Em 2016 o Governo tinha um plano de recapitalização do banco público pronto para entrar em curso, pelas mãos de Domingues. O gestor saiu do BPI em abril desse ano e preparava-se para assumir funções no fim de agosto.
A polémica começou quando foi conhecido um memorando assinado pelo Governo que acabava com os limites aos salários dos gestores da Caixa. Remuneração essa que Domingues iria acumular com uma reforma do BPI. Mas o pico aconteceu quando se recusou em apresentar a declaração de património e de rendimentos ao Tribunal Constitucional. António Costa então foi claro: “Ninguém está acima da lei. Não sou porta-voz nem advogado dos administradores da Caixa. Nem me substituo ao Tribunal Constitucional na definição de quais são as obrigações de cada um”.
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Intolerância à “incompetência” nos CTT
A qualidade da gestão já foi também um ponto de (mais uma) cisão entre o Governo e os CTT. A empresa foi privatizada em 2014, mas o Executivo faz questão de lembrar que o contrato celebrado com o Estado lhe dá poderes para controlar o serviço postal universal. Foi o que Guilherme W. d’Oliveira Martins, então secretário de Estado das Infraestruturas, avisou em julho de 2018.
“A Anacom, neste último ano, tem transmitido essa mensagem [à administração dos CTT], que o Governo não vai tolerar qualquer margem de incompetência ou de incumprimento“, disse o então governante com a tutela das comunicações. “O Estado não tem ingerência, mas em todo o caso tem um contrato de concessão que é para cumprir”.
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A Altice, o investimento no SIRESP e os trabalhadores
A história entre a Altice e o Governo também já vai longa. A mais recente aconteceu no seguimento dos incêndios de 2017. Após a tragédia, o Governo avançou com um aditamento ao contrato do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), que é detido pela Altice e pelo Estado), num total de 15,8 milhões de euros para aumentar a capacidade da rede de emergência nacional. O Tribunal de Contas não concedeu, no entanto, visto por considerar que o investimento deve ficar a cargo do consórcio. A decisão levou a uma guerra entre SIRESP e Governo.
A empresa a ameaçar não ter capacidade financeira para manter a rede de emergência nacional por satélite e o Ministério da Administração Interna (MAI) a acusar o SIRESP de ter agido “unilateralmente”. Este foi apenas um dos episódios do desacordo entre Governo e Altice, sendo que, em 2017, António Costa já tinha dito em entrevista ao Expresso que se a Portugal Telecom (PT) não melhorar o serviço que presta, “o SIRESP terá de arranjar outra operadora para suportar as suas comunicações”.
Pouco antes, outro tema já tinha colocado o Governo em rota de colisão com a empresa. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse que compreendia que os trabalhadores da empresa fizeram greve por serem realocados a uma subsidiária do grupo. “Sou dos que compreendem muito bem a luta que está a ocorrer hoje na PT, porque de facto se fosse trabalhador da PT, se estivesse na PT aos 20 ou 30 anos, e fosse agora colocado numa empresa subsidiária mantendo os meus direitos apenas por um ano, também se calhar estava a fazer greve e estava a manifestar-me“, afirmou em entrevista à RTP3, em julho de 2017.
Aliás, o próprio primeiro-ministro já tinha dito recear que, devido à “forma irresponsável” como foi feita a privatização, o país poderia vir a ter “um novo caso Cimpor”, com um eventual “desmembramento” que poria em risco os postos de trabalho e o futuro da companhia. “Cá por mim, já fiz a minha escolha da companhia que utilizo“, rematou António Costa.
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A sede holandesa da Jerónimo Martins
A Jerónimo Martins — retalhista dona da cadeia de supermercados Pingo Doce e um dos pesos pesados do PSI-20 — também já esteve na mira de António Costa. A dona do Pingo Doce tem, desde 2012, sede social nos Países Baixos (antiga Holanda), o que é visto pelo primeiro-ministro como inadmissível. “Quando vemos que o lucro obtido pelas compras que fazemos em alguns dos nossos supermercados gera receita não nos nossos cofres públicos, mas nos da Holanda, entendemos que há aqui um problema de grave distorção e de lealdade na concorrência”, afirmou o responsável, há três anos.
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EDP e o choque estratégico
Sendo a maior empresa do país, a EDP é também recorrentemente tema no Parlamento. A razão mais recente foram os dividendos, mas a mais quente os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC). As alegadas rendas excessivas pagas à elétrica foram debatidas durante mais de 200 horas numa comissão parlamentar de inquérito polémica que terminou com um documento que exige a devolução de milhões de euros aos consumidores de energia e que a empresa repudiou.
Outro caso mediático diz respeito à barragem de Fridão: a sua construção foi cancelada em 2019 e a EDP quer de volta os 218 milhões de euros que pagou ao Estado, mas o ministro do Ambiente recusa pagar. O caso está agora em tribunal arbitral. Mas há outros braços de ferro entre a EDP e o Governo como a contribuição extraordinária sobre a energia (CESE), que a empresa deixou de pagar em 2017 e só retomou no ano passado, depois de ver cumpridas as suas exigências.
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