Uma entrada de Leão. Os nove desafios do novo ministro das Finanças
O "artífice das cativações" vai ter de equilibrar as contas sem recorrer à austeridade, segundo tem defendido António Costa. João Leão sobe hoje a ministro com vários desafios pela frente.
Depois de cinco anos no cargo de secretário de Estado do Orçamento, João Leão sobe, esta segunda-feira, à posição de ministro de Estado e das Finanças. Ainda esta semana, Leão terá de ir ao Parlamento defender o Orçamento Suplementar desenhado para acompanhar a retoma da economia nacional pós crise pandémica. Esse será, de resto, um dos muitos desafios que se colocam agora ao sucessor de Mário Centeno, que se estreará com o défice a disparar, a dívida pública a subir e a nomeação do próximo governador do Banco de Portugal no horizonte.
O anúncio da remodelação da equipa das Finanças foi feito pelo Presidente da República e confirmado, pouco depois, pelo primeiro-ministro, numa curta conferência de imprensa. “O Presidente da República recebeu do primeiro-ministro as propostas de exoneração, a seu pedido, do ministro de Estado e das Finanças, professor doutor Mário Centeno, e de nomeação, em sua substituição, do professor doutor João Leão. O Presidente da República aceitou as propostas”, lia-se na nota divulgada, na terça-feira.
Segundo sublinhou António Costa, esta será uma “passagem de testemunho tranquila”, tendo o chefe do Executivo salientado que a saída de Mário Centeno e a subida de João Leão a ministro de Estado e das Finanças não serão sinónimo de qualquer “alteração política”, até porque o sucessor do “Ronaldo das Finanças” foi “responsável pela política orçamental”, nos últimos anos.
Apesar da continuidade, que o primeiro-ministro tem salientado, entre a liderança de Centeno e a nova liderança de Leão já se adivinham, contudo, alguns desafios que este último terá de enfrentar: da escalada do défice à subida da dívida pública, passando pela TAP, pelo Novo Banco e até pela Função Pública.
Sai Centeno, entra Leão. Estará à altura do “CR7 das Finanças”?
João Leão vem agora substituir o popular Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, único ministro das Finanças português a conseguir um excedente orçamental em democracia, “Cristiano Ronaldo das Finanças”, ministro das Finanças português a ficar mais tempo no cargo. Até esteve na short list para diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), após a saída de Christine Lagarde para o Banco Central Europeu (BCE), mas perdeu para Kristalina Georgieva.“Fica para a história”, disse o Presidente da República, em reação à saída deste último do Executivo de António Costa.
João Leão chega à liderança do Ministério das Finanças com uma bagagem fortemente académica e com uma projeção política e internacional significativamente inferior à de Centeno. Leão ocupava desde 2015 o cargo de secretário de Estado do Orçamento, num Ministério no qual o protagonismo cabia, em larga parte, ao “CR7 das Finanças”. A exceção foi nas últimas legislativas, quando Leão entrou numa guerra de números com o social-democrata Joaquim Miranda Sarmento. Também esta batalha acabou, no entanto, por ficar nas mãos de Centeno.
Leão defende Orçamento na primeira semana de mandato
Um dia depois de tomar posse enquanto ministro de Estado e das Finanças, João Leão tem encontro marcado com os deputados da Comissão de Orçamento e Finanças. A audição terá como âmbito de apreciação o Orçamento Suplementar para este ano, documento que foi apresentado por Mário Centeno na Assembleia da República, mas que agora terá de ser defendido pelo novo responsável pela pasta das Finanças. No dia seguinte, o Orçamento será votado, na generalidade.
Como frisou o primeiro-ministro, João Leão tem sido responsável pela política orçamental do país, nos últimos anos, mas esta será a primeira vez em que dará a cara pela defesa das escolhas tomadas e propostas apresentadas em relação às contas públicas. Isto num período especialmente deliciado, marcado pela pressão decorrente da pandemia de coronavírus
Além disso, Leão terá de apresentar este Orçamento — e os futuros (o OE para 2021 deverá ser entregue em outubro) — sem contar com a “rede de apoio” da Geringonça, isto é, sem contar à partida com a “mão amiga” de nenhum grupo parlamentar. O Bloco de Esquerda, por exemplo, já admitiu viabilizar o Orçamento Suplementar, mas mediante o cumprimento de algumas exigências. E o PCP considerou que este é um plano orçamental “limitado”, mas que acolhe algumas ideias propostas pelo partido.
Centeno para novo governador do Banco de Portugal?
O mandato do atual governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, termina em julho, cabendo ao Governo — em particular ao ministro das Finanças — nomear um sucessor. Um dos nomes que tem sido indicado para esse cargo é, exatamente, o de Mário Centeno, que abandonou as funções no Executivo a tempo de, eventualmente, assumir a posição em causa no regulador da banca.
A demissão de Centeno chega, de resto, com um timing “estranho” salientou o PAN, partido cuja proposta para travar a passagem direta de Centeno das Finanças para o BdP foi aprovada, na generalidade, no Parlamento. De acordo com o diploma, Centeno ficaria obrigado a cumprir um “período de nojo” de cinco anos, ou seja, não poderia suceder, neste momento, a Carlos Costa.
A proposta do PAN ainda não tem, no entanto, data para ser votada na especialidade, nem para ser submetida a uma votação final global, pelo que não é possível adiantar se chegará a tempo de impedir a eventual ida do ex-ministro das Finanças para o BdP. A decisão está, portanto, nas mãos de João Leão, ainda que o parecer não vinculativo da Assembleia da República sobre o nome escolhido possa vir a ter algum peso político na escolha final.
Défice abaixo dos 3% em 2021
Depois de ter atingido o primeiro excedente orçamental em democracia, o Executivo de António Costa prevê, para este ano, um défice de 6,3%. Este número está incluído no Orçamento Suplementar apresentado na Assembleia da República e representa uma revisão de 6,5 pontos percentuais (p.p.) em relação à meta traçada pelo Governo no Orçamento do Estado para 2020.
E como se explica esta deterioração das contas públicas? Por um lado, prevê-se uma diminuição da receita do Estado em 5%, o que equivale a menos 4,4 mil milhões de euros a entrar nos cofres do Estado em 2020. Por outro, haverá mais 4,3 mil milhões de euros em despesa face ao que estava no OE 2020.
Para 2021, João Leão terá, ainda, um desafio acrescido. É que o Governo espera que o défice orçamental fique, nesse ano, abaixo dos 3% do PIB. “Esperamos que já em 2021 ocorra uma recuperação significativa da economia, com um crescimento do PIB de 4,3% e uma redução significativa do défice orçamental que deverá ficar abaixo dos 3%”, explicou João Leão. A ajuda europeia também deverá ajudar Portugal a recuperar o equilíbrio das contas.
Dívida pública dispara para recorde
De acordo com o Orçamento Suplementar, a dívida pública portuguesa deverá atingir, este ano, o valor mais elevado de sempre, apontando-se para um rácio de 134,4% do produto interno bruto (PIB). “Prevemos um aumento de 16,7 pontos percentuais de dívida pública em percentagem do PIB, passando de 117,7% para um valor de 134,4% do PIB”, anunciou Mário Centeno, ainda enquanto ministro das Finanças.
Este salto explica-se não só pelas necessidades de financiamento do país (que estão garantidas, em grande parte, pela “bazuca” do Banco Central Europeu), mas também pelo tombo da economia, isto é, o PIB deverá afundar 6,9%, o que prejudica o rácio em causa.
João Leão terá, portanto, nas mãos o desafio de reduzir a dívida pública, indicador que Mário Centeno sempre considerou “tão importante para a sustentabilidade das finanças públicas e para as finanças em geral”. O novo ministro das Finanças terá, de resto, fazer esse esforço no sentido da redução da dívida ao mesmo tempo que convence as agências de rating a não atirarem Portugal, mais uma vez, para a categoria de lixo.
A propósito, a Fitch mostra-se otimista quanto ao compromisso de Portugal com uma trajetória de redução de endividamento a partir do próximo ano e quanto à escolha de João Leão para o cargo em causa. “Não esperamos que a recente demissão de Mário Centeno como ministro das Finanças altere substancialmente a política orçamental uma vez que João Leão, o secretário de Estado do Orçamento, sucederá a Centeno”, notou a agência de rating.
Equilibrar as contas sem recorrer à austeridade
João Leão, o “artífice das cativações” — como lhe chamou, há um ano, Mário Centeno — terá de equilibrar as contas sem recorrer a cortes. É que António Costa já deixou claro que seguir o caminho da austeridade “seria aprofundar a crise”. “Não deixou saudades a ninguém”, disse o primeiro-ministro.
Nos últimos quatro anos, o papel do agora ministro das Finanças no “congelamento” de verbas autorizadas pelo Orçamento do Estado, mas cuja utilização dependia da “luz verde” do Governo foi de tal ordem que Mário Centeno usou a expressão referida para o apresentar, na convenção nacional do PS.
Agora, em que já não se fala de cativar, mas sim em reforçar a despesa pública e aumentar o investimento para promover a recuperação da economia, João Leão sobe à liderança das Finanças e terá de encontrar uma alternativa para o equilíbrio das contas públicas.
Aumentos da Função Pública em risco
Depois de dez anos sem aumentos, os funcionários públicos receberam, este ano, um reforço salarial de 0,3% (ou dez euros, no caso das remunerações mais baixas). A atualização chocou os sindicatos, que reclamavam uma subida mais robusta. Em resposta, o Ministério da Administração Pública prometeu um aumento de, pelo menos, 1% para 2021 e, a partir daí, reforços remuneratórios em linha com a inflação. Isso mesmo explicou aos jornalistas, à margem de uma das primeiras reuniões com as estruturas sindicais sobre este assunto, o então secretário de Estado do Orçamento, João Leão.
Agora no cargo de ministro das Finanças, Leão terá de avaliar se será ou não possível concretizar essa promessa. A Frente Comum, por exemplo, já deixou claro que não aceitaria que o Governo voltasse atrás e prometeu considerar todas as formas de luta — incluindo greves — como resposta.
E a Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP) sublinha que os congelamentos, por outro lado, não poderão ser considerados sequer uma opção pelo Executivo. A ministra da Administração Pública, Alexandra Leitão, não rejeitou, contudo, a possibilidade de as carreiras serem efetivamente congeladas, de modo a evitar despesa decorrente das progressões.
Mais um cheque para o Novo Banco?
Com os apoios já pedidos pelo Novo Banco desde 2017, estão disponíveis, neste momento, cerca de 900 milhões de euros ao abrigo do mecanismo de capital contingente, ou seja, o mecanismo que permite o recurso ao Fundo de Resolução. Resta saber se esse montante será ou não usado pelo banco pelo Banco de António Ramalho.
A concretizar-se, o cheque em causa só será entregue em maio de 2021, mas os resultados relativos ao semestre em curso já darão uma indicação do valor que virá a ser pedido. Com o impacto da pandemia de coronavírus na economia portuguesa e mundial — que poderá ter resultado nomeadamente num aumento do incumprimento nos créditos e em novas perdas para o Novo Banco –, é já previsível que esse montante venha a ver elevado e até mesmo próximo do máximo já referido.
De notar que no momento em que a avaliação desse novo cheque será feita, a auditoria ao Novo Banco que esteve no centro da recente polémica entre António Costa e Mário Centeno já estará concluída, podendo o novo ministro das Finanças munir-se eventualmente de outros argumentos para questionar ou até mesmo rejeitar o pagamento em 2021. Este será, em todo o caso, um dos principais desafios de João Leão.
Governo prepara ajuda para a TAP
O Governo reservou 946 milhões de euros no Orçamento Suplementar para emprestar à TAP, embora admita que a ajuda pode mesmo chegar a 1,2 mil milhões de euros. Esta injeção de liquidez tornou-se particularmente urgente face ao impacto da pandemia de coronavírus no setor da aviação civil, em todo o mundo, com grande parte dos voos suspensos, nos últimos meses.
Entretanto, na quarta-feira, a Comissão Europeia deu “luz verde” ao empréstimo em causa, faltando agora alguns passos para se efetivar essa injeção, nomeadamente a aceitação por parte do acionista privado das condições impostas pelo Estado. E que condições são essas? O Executivo ainda não as revelou, mas sabe-se que uma delas deverá ser o reforço do controlo do Estado na gestão desta transportadora aérea.
Bruxelas obriga, além disso, a que a companhia aérea apresente, no prazo máximo de seis meses, um plano de restruturação que poderá passar pela injeção de mais dinheiro por parte dos acionistas (público e privados). Esta matéria está sob a alçada do Ministério das Infraestruturas e da Habitação, mas também passará a estar agora nas mãos de João Leão.
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