Partidos pedem demissão de Van Dunem. Costa já teve vários ministros no olho do furacão
Antes da ministra da Justiça, já vários ministros do Executivo de António Costa estiveram debaixo de fogo, com os partidos a exigirem a sua demissão.
O primeiro-ministro está atualmente a braços com uma polémica no seu Governo, relacionada com o currículo do procurador José Guerra enviado para a União Europeia. Têm-se multiplicado as críticas à ministra da Justiça, no seguimento do caso, apesar de António Costa reiterar confiança em Francisca Van Dunem. Mas esta não é a primeira vez que um ministro de Costa está no olho do furacão, enfrentando críticas dos partidos e da opinião pública.
Nos últimos tempos os casos têm sido mais frequentes, mas o primeiro-ministro tem segurado os ministros, garantindo que tem confiança nos responsáveis escolhidos para algumas das principais pastas do Executivo.
Francisca Van Dunem envolvida em polémica com currículo com dados falsos
O caso mais recente é o da ministra da Justiça. Em causa está o currículo do procurador José Guerra enviado para a União Europeia, que continha dados falsos. O Governo apresentou José Guerra como o candidato preferencial, mesmo depois de um comité internacional de peritos ter considerado Ana Carla Almeida como a candidata mais indicada para o cargo.
Entre os dados falsos está a referência a que José Guerra era procurador-geral-adjunto, cargo que não ocupou, bem como o papel “de liderança investigatória e acusatória” no processo UGT, o que também não assumiu. O Ministério da Justiça apontou que estes foram “lapsos” e a ministra garantiu que desconhecia o conteúdo da carta enviada a Bruxelas.
No entanto, o diretor da Direção Geral da Política de Justiça (DGPJ), Miguel Romão, que acabou por se demitir do cargo, escreveu um comunicado onde afirmava que Van Dunem tinha conhecimento do conteúdo integral do currículo do procurador José Guerra. Este comunicado, que desmentia então a ministra, foi retirado do site do Ministério da Justiça.
Entretanto, a ministra da Justiça enviou, esta segunda-feira, ao representante português junto da União Europeia uma correção aos erros que constam do currículo do procurador europeu.
Perante todas as informações que têm vindo a público, têm sido várias as críticas dos partidos, tendo chegado mesmo a existirem pedidas de demissão. Esta terça-feira, Rui Rio acusou a ministra de mentir sobre o caso, defendendo que tem de se demitir ou ser demitida. Se António Costa não afastar a ministra, é porque “considera isto um padrão de normalidade”, defendeu o líder social-democrata.
A ministra foi chamada ao Parlamento para justificar a escolha de José Guerra para o cargo, enquanto o PSD avançou com um pedido que visa esclarecer as informações falsas. Aos deputados, Van Dunem admitiu que ponderou a demissão, tendo até falado com o primeiro-ministro, mas acabou por entender que tem “condições para continuar no cargo”. “Vou continuar, embora admita que foram cometidos erros”, reiterou.
Já do lado do primeiro-ministro, António Costa desvalorizou o caso, que apelidou de “lapsos sem relevância”, garantindo que tem em Francisca Van Dunem “total confiança política para o exercício de funções”. O primeiro-ministro defendeu ainda que a ministra “agiu corretamente” neste caso.
Para além da polémica entre os partidos, o caso chegou inclusivamente a levar o desembargador José António Cunha a ameaçar processar a ministra, por ter violado as regras do concurso para a Procuradoria Europeia. O presidente da comarca judicial do Porto defende que era um candidato elegível, mas foi excluído pela ministra sem ter sido notificado de tal, em declarações ao Sexta às 9. Van Dunem argumenta, no entanto, que não violou regras.
Eduardo Cabrita sob pressão depois de morte no aeroporto
O mês passado foi outro o ministro que enfrentou fortes críticas da oposição, após a morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, em março, no Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa. Tal como agora, acabou por ocorrer uma demissão, mas não do ministro da Administração Interna, tal como era exigido pelos partidos. Foi a diretora nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Cristina Gatões, que saiu.
Além disso, foi anunciada uma reforma do SEF, no seguimento do caso. No entanto, muitos partidos não consideraram essa reestruturação suficiente, e insistiram na saída de Eduardo Cabrita. Até Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu a saída do ministro, usando a mesma expressão que levou à demissão da sua antecessora. Na altura, “disse que valia a pena pensar se quem, no plano da Administração Pública, exercia funções que tinham conduzido a certo resultado, seria indicada a mudança para essas mesmas pessoas”, explicou Marcelo em entrevista à TVI. “Usei há dias em Belém uma expressão que era paralela a essa num plano diferente”, acrescentou, concluindo, porém, que o resultando foi díspar em ambos os casos. O primeiro-ministro, António Costa, frisou que mantinha “total confiança” no ministro da Administração Interna, segurando Cabrita no Executivo e abrindo uma exceção para falar de política interna no exterior, tendo-se pronunciado em Bruxelas.
“O sr. ministro fez o que lhe competia fazer. Assim que houve notícia do caso, mandou abrir um inquérito. O inquérito que mandou abrir foi o que permitiu apurar a totalidade da verdade. Comunicou imediatamente às autoridades judiciárias para procederem criminalmente. E assegurou, com a senhora Provedora de Justiça, um mecanismo ágil para poder ser feita a reparação devida à família por este ato bárbaro que ocorreu por parte de uma força de segurança”, afirmou Costa.
A morte de Ihor Homenyuk levou à acusação de três inspetores do SEF por homicídio qualificado, que estão em prisão domiciliária e cujo julgamento vai começar este ano.
Centeno e a “falha de comunicação” com Costa
Mário Centeno enfrentou algumas polémicas enquanto ministro das Finanças, tendo até recebido desaprovação dos partidos na sua saída, ao transitar para a presidência do Banco de Portugal. Mas um dos maiores casos relacionado com o antigo ministro prendeu-se com o Novo Banco, tendo na base um desentendimento com o primeiro-ministro.
Em causa estava um empréstimo de 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução, posteriormente injetado no Novo Banco. Esta operação foi realizada um dia antes de o primeiro-ministro ter dito no Parlamento que não haveria qualquer reforço do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução “até haver resultados da auditoria” em curso.
Na altura, até o Presidente da República se pronunciou, apontando que concordava com o primeiro-ministro, afirmando que, por si, só se faria o empréstimo ao Novo Banco após a auditoria. Entretanto, Centeno admitiu que houve uma “falha de comunicação” com António Costa relativamente a este assunto, apesar de garantir que o primeiro-ministro sabia da injeção, uma vez que a decisão tinha passado pelo Conselho de Ministros.
O então ministro foi assim alvo de críticas por ter avançado com a injeção, sendo que alguns partidos chegaram a pedir a demissão de Centeno. “Mal vai um primeiro-ministro que mantém um ministro que não lhe foi leal, que tem a crítica pública do Presidente da República, que a bancada do PS não defendeu e que diz ser irresponsável fazer o que o primeiro-ministro anunciou”, disse Rui Rio quando exigiu a demissão de Centeno.
Mas, Costa e Centeno estiveram reunidos depois da polémica, num encontro que permitiu, segundo o comunicado do gabinete do primeiro-ministro na altura, esclarecer a “falha de comunicação” que existiu entre ambos. Costa reafirmou aí “a sua confiança pessoal e política” em Centeno.
Ana Mendes Godinho criticada por não ler relatórios e desvalorizar situação nos lares
Numa altura em que a pandemia tem um grande impacto nas empresas e as medidas de apoio ao emprego ganham uma nova dimensão, a ministra do Trabalho tem estado sob pressão. Mas a polémica mais grave ocorreu depois de Ana Mendes Godinho ter admitido, numa entrevista, que não leu o relatório da Ordem dos Médicos sobre um surto num lar em Reguengos.
Esta confissão motivou críticas de vários partidos e até pedidos de demissão. Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se crítico, reiterando que leu os relatórios, e que todos eles “são importantes”. Surgiram também críticas de que a ministra estava a desvalorizar a situação nos lares, por ter dito, na mesma entrevista, que a “dimensão dos surtos não é demasiado grande em termos de proporção”, referindo que são 3% do total dos lares e 0,5% das pessoas internadas em lares que estão afetadas pela doença.
António Costa saiu em defesa de Mendes Godinho dizendo que “não houve das palavras da ministra nenhuma tentativa de desvalorização da gravidade”. “Não vale a pena pedir demissão da ministra”, frisou. “Tem toda a minha confiança, está a fazer um excelente trabalho”, garantiu Costa, apontando, na altura, que estas “polémicas são artificiais”.
Depois de discussão sobre SNS, Marta Temido lida com pandemia
A ministra da Saúde é outro dos membros do Executivo cuja atuação é analisada à lupa pelos partidos. Apesar de os pedidos de demissão de Marta Temido se terem ficado por fações dos partidos — como o PSD-Porto e o PSD-Loures, o eurodeputado Nuno Melo ou o Aliança –, ainda antes da pandemia a ministra, era visada em várias críticas. O Serviço Nacional de Saúde tem ocupado um lugar de destaque nas discussões nos últimos anos, nomeadamente ao nível da Lei de Bases da Saúde.
A remodelação governamental, que ditou a saída da secretária de Estado Jamila Madeira, dividiu o PS e Temido chegou a ser repreendida em público pelo próprio primeiro-ministro numa reunião do Infarmed, o que revela como o nível de pressão do cargo. Até Marcelo Rebelo de Sousa deixou um recado à ministra, sinalizando, numa entrevista, que não existia margem para falhas no plano de vacinação contra a Covid-19, depois de se terem verificado algumas falhas com a vacina da gripe.
Ainda assim o primeiro-ministro tem mostrado confiança política em Marta Temido, apontando, em novembro, que esta “sai reforçada” pela forma como tem assumido a pasta durante a pandemia.
Constança Urbano de Sousa sai depois dos incêndios
Na primeira legislatura de António Costa contaram-se também alguns episódios de alta tensão com ministros, sendo o mais relevante o de Constança Urbano de Sousa. A ministra da Administração Interna na altura dos incêndios, em 2017 que vitimaram 106 pessoas, foi alvo de várias críticas, até do Presidente da República, uma pressão crescente que culminou num pedido de demissão, em outubro.
A então ministra tentou responder às críticas, chegando a apontar que demitir-se não ia resolver nada. O primeiro-ministro foi também reafirmando a sua confiança em Constança Urbano de Sousa. Foi apenas em outubro, cerca de quatro meses depois dos fogos em Pedrógão Grande, e quando o país voltou a ser assolado por uma nova vaga de incêndios, que chegou a demissão.
No entanto, Constança Urbano de Sousa adiantou, na carta de demissão, que pediu para sair após a tragédia em Pedrógão Grande, mas deu tempo a António Costa para encontrar um substituto. O primeiro-ministro ter-lhe-á pedido, na altura, para continuar em funções. Mas perante as críticas de Marcelo, a ministra acabou por avançar com o pedido de demissão formal.
Nessa altura, escreveu: “estão esgotadas todas as condições para me manter em funções, pelo que lhe apresento agora, formalmente, o meu pedido de demissão, que tem de aceitar, até para preservar a minha dignidade pessoal”, numa carta enviada a António Costa. O primeiro-ministro aceitou o pedido, dizendo que a agradecia “a dedicação e empenho com que serviu o país no desempenho das suas funções”.
Azeredo Lopes demite-se um ano depois de Tancos
Outra polémica que acabou por envolver a saída de um dos ministros de Costa foi o caso de Tancos, que também levou à demissão de um chefe do Exército. O assalto aos paióis de Tancos ocorreu em junho de 2017, sendo que cerca de três meses depois foi encontrado o material de guerra desaparecido. Azeredo Lopes apresentou a demissão do cargo de ministro da Defesa em outubro de 2018.
Inicialmente, Azeredo Lopes disse que assumia a “responsabilidade política” após o furto de material de guerra em Tancos pelo “simples facto de estar em funções”. O então ministro demarcou-se da situação, apontando mesmo que “no limite” podia “não ter havido furto”, uma afirmação que motivou várias críticas.
O ex-ministro da Defesa foi constituído arguido no âmbito do processo de Tancos, mas António Costa garantiu ter “total confiança” em Azeredo Lopes. Ainda assim, depois de vários pedidos de demissão dos partidos, nomeadamente do CDS, em outubro, o ministro da Defesa acabou por sair.
Azeredo Lopes justificou a saída para evitar que as Forças Armadas continuassem a ser “desgastadas pelo ataque político” e pelas “acusações” de que dizia estar a ser alvo. “Não podia, e digo-o de forma sentida, deixar que, no que de mim dependesse, as mesmas Forças Armadas fossem desgastadas pelo ataque político ao ministro que as tutela”, referiu Azeredo Lopes, na carta enviada ao primeiro-ministro.
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