Entre os sonhos e as quatro paredes. Como os jovens se estão a integrar no mercado de trabalho?
Em quase dois anos de pandemia, a taxa de desemprego jovem superou a média global. Entre os que conseguiram encontrar estágios ou empregos, a integração no novo desafio nem sempre foi um mar de rosas.
Margarida Marques era muito pequenina quando descobriu que queria ser professora. Com as bonecas sentadas à sua frente, falava para elas, perante uma mãe surpreendida que lhe perguntava o que estava a fazer. “Estou a dar uma aula”, respondia a então criança e hoje professora de Geografia do ensino secundário. Em setembro de 2020, aos 22 anos, começou a dar aulas num colégio privado. A jovem profissional não engrossou as taxas de desemprego jovem durante a pandemia e é um dos casos em que o trabalho à distância foi em parte, ou totalmente, a sua primeira experiência de emprego. Entrar no mercado de trabalho não foi um mar de rosas para muitos jovens. Nem sempre as oportunidades surgem nestes estranhos tempos de viver e trabalhar em pandemia.
Desde setembro do ano passado que Margarida Marques dá aulas de Geografia num colégio particular, em Palmela, a 40 quilómetros de casa. O seu primeiro emprego. Até aqui não tinha qualquer experiência docente, nem formação para dar aulas. E não é caso único. A falta de professores, especialmente de Geografia, tem influenciado muito a forma como os jovens entram na profissão. “A maior parte das pessoas jovens a dar aulas, da minha faixa etária, não têm qualquer tipo de qualificação para [o fazer]”, explica. “Acabamos por ir para a frente de 20 ou 30 alunos sem saber o que fazer e isso também é mau.” Mas, no meio de tanta oferta e de uma pandemia, a decisão é clara: “Não devia ter feito dessa forma, mas se há tanta oferta de trabalho e eu quero trabalhar, claro que vou para a frente”.
Para a sua integração, a escola foi essencial. Foi acompanhada por uma professora mais velha e o colégio ajudou-a a organizar-se. “Foi um ótimo processo, senti-me bastante acolhida, ajudaram-me muito com materiais. O colégio é ótimo nesse sentido. Eu tinha tudo ao meu dispor desde o primeiro dia”, recorda.
A maior dificuldade surgiu no segundo confinamento, quando as câmaras dos alunos se foram desligando do Teams. “Tenho a certeza de que dei aulas sem ninguém me estar a ouvir“, confessa Margarida Marques. Apesar de lhe ser muito mais prático não ter a distância entre o trabalho e a casa, a jovem docente confessa que uma sala de aula não pode ser substituída por um computador. “É muito mais difícil chegares aos alunos no ensino à distância”.
Entre o desemprego e o trabalho fora da área de formação
Margarida Marques é uma das jovens que no ano passado, em plena pandemia, conseguiu uma colocação, contrariando a estatística. Está entre as quase cinco milhões de pessoas empregadas em julho deste ano, altura em que a população empregada cresceu 0,8%.
Mas os números são claros e, infelizmente, os jovens foram um grupo etário particularmente castigado pelo impacto da chegada da Covid-19 no mercado de trabalho. Em julho deste ano, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, a taxa de desemprego entre os jovens, dos 16 aos 24 anos, era de 23.5%, uma descida de 2.9 pontos percentuais face a julho do ano passado, altura em que a taxa de desemprego nesta faixa etária se situava nos 26.4%.
Apesar da descida, na comparação homóloga, em julho a taxa de desemprego jovem continua acima da taxa de desemprego global, que se fixou, em julho de 2021, em 6.6%, menos 1.3 p.p do que no período homólogo.
Ao contrário da jovem professora de Geografia, Mihaela Irina teve de esperar dois anos até encontrar um trabalho na sua área de especialização. Só recentemente realizou esse sonho. Licenciada em Design Gráfico e Multimédia, começou a trabalhar em 2020 como analista na fábrica da SugalGroup, em Benavente, e viu o seu contrato renovado durante um ano.
Ao longo do processo de integração, foi sempre acompanhada pelos membros da equipa da Sugal, principalmente quando as suas funções evoluíram. “Aprendi muito”, confessa. Como as suas funções não podiam ser desempenhadas em casa, nunca foi para teletrabalho, mas quase nem reparou na diferença entre o confinamento e uma vida “normal”: “Estando sempre a trabalhar, parece que está tudo igual”.
E desde o princípio da pandemia, a empresa esforçou-se por manter essa quase normalidade, procurando tornar o ambiente de trabalho o mais seguro possível. A campanha, que pode abranger mais de mil trabalhadores sazonais entre agosto e outubro, “tem sido o maior desafio”, afirma Marisa Mateus, diretora de recursos humanos ibéria da Sugal, obrigando a uma reorganização dos espaços e trabalhadores. Construíram-se novos balneários e zonas de refeição, para evitar aglomerações; os colaboradores foram divididos por cores que dão acessos faseados a zonas e rotas de trabalho; e também se criaram horários específicos para que cada grupo possa ir comer, sem ajuntamentos.
Mas nem todos tiveram uma experiência de trabalho presencial. Maria (nome fictício) entrou no mundo do trabalho através de um programa de estágios na Janssen Portugal. Está há 8 meses em teletrabalho. Apesar de estagiar no seu grande objetivo –- a indústria farmacêutica –- não foi uma entrada fácil no mercado.
Sair da academia e procurar oportunidades tornou-se uma luta quando empresas cancelam programas de estágios e as entrevistas de emprego resultam num “Não”, justificado pela falta de experiência. Por isso, quando viu que as candidaturas ao programa de trainees da Janssen Portugal estavam abertas, em agosto do ano passado, não hesitou e avançou. Acabou por ficar, tendo começado a trabalhar em dezembro. “Os programas de trainees são muito bons para ajudar a ingressar no mercado de trabalho” porque “quando chegas, estão mesmo à espera que tu não tenhas experiência”, defende.
“Nós, jovens, somos mais prejudicados pela pandemia do que pessoas que tenham já uma vida profissional e pessoal mais organizada e estável. Nós ainda estamos a definir percursos e a perceber o que vamos fazer da vida e que oportunidades existem. Estas oportunidades ficaram muito limitadas com o surgimento da pandemia, e com a crise económica associada à mesma, que tornou a realidade de ingressar no mercado de trabalho muito mais difícil”, diz Maria.
Devido à pandemia, Maria nunca foi ao escritório e tem estado há oito meses em teletrabalho. Apesar de profissionalmente se sentir ajudada e integrada pela equipa, gostava que os momentos em que tem de conhecer outros setores da empresa não se reduzissem, na maior parte, a videoconferências. Sente que está a perder mais por estar em trabalho remoto, sem a mesma facilidade de integração social que as pausas para café e encontros ocasionais no escritório poderiam proporcionar. Sozinha, frente a um computador, há tanto tempo, sente-se cansada. “Tenho tido picos ao longo dos meses. Há momentos em que estou bem, que consigo trabalhar e que sou rentável”, desabafa.
Saúde mental de mãos dadas com a integração profissional
Os jovens foram, juntamente com as mulheres, dos grupos que mais acusaram o stress de trabalhar em modelo remoto, segundo os dados de um estudo sobre bem-estar dos portugueses levado a cabo pela Nova IMS. Ser integrado 100% em teletrabalho pode ser ainda mais exigente do que começar a trabalhar em regime presencial. Para mais quando a primeira experiência em contexto laboral é à distância.
Quando as empresas não têm bem definidas as expectativas do novo trabalhador quanto ao seu trabalho ou horários, o stress e a incerteza serão maiores, especialmente quando se está só à frente de um computador, afirma a psicóloga organizacional Rita Mendes. Como não consegue observar o comportamento dos colegas, é mais complicado perceber o que deve ou não fazer, levando o jovem profissional a “compensar uma expectativa” que ele próprio criou, trabalhando horas a mais ou executando tarefas em menos tempo do que era preciso, descreve a psicóloga.
No entanto, os “riscos psicossociais,” ou seja, fatores que podem colocar a pessoa num risco acrescido a nível emocional e psicológico, podem acontecer tanto durante uma integração online, como dentro de uma empresa. Em pandemia, existem “um conjunto de características do ambiente que são fatores de risco para o aumento de ansiedade, como o sair de casa, pôr a máscara, andar em transportes públicos, cruzar com colegas” e depois voltar para junto da família. E essa “insegurança” agrava-se quando se varia entre o trabalho em presença e a teletrabalho. “A insegurança, a falta de planeamento, falta de rotina, o não conseguir prever o que vai acontecer amanhã coloca-nos a todos numa situação frágil psicologicamente”.
Recrutar em pandemia
Assim, as empresas devem fazer esforços para mitigar os riscos psicossociais, defende Rita Mendes. Como? “Criando planos e processos organizacionais que demonstrem clareza no que é esperado [do novo funcionário], que assegurem que existe uma carga de trabalho equilibrada, um bom balanço entre a vida pessoal e a vida de trabalho — porque ninguém é multitasker, isso é um mito urbano — e que existe um conjunto de pessoas que o pode apoiar”, diz a psicóloga. Para isso, a organização pode ter um mentor à disposição do jovem, para que se sinta o mais bem acompanhado possível.
Este é um modelo que já é adotado em algumas empresas, como a Janssen. O programa de trainees Early Talent Janssen dura um ano e, com a pandemia, todo o processo de “captação de talento” e integração tem sido online. “O remoto é um desafio ainda maior para esta faixa etária. Não pela questão técnica, mas pela questão de aprender pela experiência dos colegas. Mantivemos o nosso ritmo de recrutamento durante a pandemia, mas vemos a retoma da interação pessoal como muito positiva”, afirma a empresa. Como “a relação interpessoal é sem dúvida o mais desafiante”, os estagiários são acompanhados pelos managers e por buddies, ex-estagiários recentes, para os ajudarem a integrar-se mais facilmente.
A Prosegur foi outra das empresas que tentou manter essa proximidade no seu programa de estágios apesar da pandemia. No Programa Jovens Talentos, os estagiários são integrados presencialmente e, depois, em teletrabalho e são sempre acompanhados por mentores. Para além disso, os estagiários dão feedback regular à equipa de recursos humanos sobre a sua experiência de integração que, desde o começo da pandemia, já sofreu alterações, explica Sónia Oliveira Sasportes. A especialista em desenvolvimento e aquisição de talento da Prosegur explica ainda que, face a alguns casos de dificuldades de integração, a empresa aumentou os momentos em presença, diminuindo o risco de “a nova pessoa não se sentir parte da equipa”.
Mas nestes tempos atípicos, não só as pessoas que chegam às empresas sentem dificuldades. “Foi dos maiores desafios da minha vida profissional fazer todo o processo de recrutamento e seleção à distância, ou seja, integrar pessoas, neste último ano e meio, que ainda não conheço fisicamente. Acho que isso foi realmente o grande de desafio para nós, pessoas na área dos Recursos Humanos”, confessa Sónia Oliveira Sasportes.
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