Quase dois anos depois do início da reestruturação, o pelouro dos recursos humanos passou para o CEO. António Ramalho, presidente do Novo Banco, assegura que a instituição entrou numa nova era.
Atrair e reter talento é um dos eixos do capital humano do Novo Banco. Como é que um banco que ainda está em reestruturação atrai novos colaboradores?
Temos uma maior proporcionalidade de desafio e isso cria-nos uma maior atração para um certo tipo de perfil. Normalmente um perfil bastante experiente ou, por outro lado, bastante desafiante. A opção que os jovens têm hoje em dia do ponto de vista das carreiras profissionais está muito centrada no que é a experiência, quer pessoal quer profissional, no sentido daquilo que contribuem para a sociedade. Ora, sem dúvida que um banco em transformação, um banco que ainda tem problemas por resolver, é mais desafiante e promete mais entre o momento em que se entra e o momento em que se sai.
De que maneira?
Porque há maior margem de progressão. Não é para toda a gente, porque há pessoas muito dotadas para gerir operações muito bem organizadas. Mas é muito entusiasmante para quem tenha um desafio de carreira. E isso tem-nos permitido uma grande atração de talento. Estamos muito satisfeitos com o nível de convocatória que, de certa maneira, temos conseguido no mercado.
Estava a falar de um tipo de perfil específico?
Primeiro, temos procurado um perfil de desafio. Segundo, um perfil que tenha uma capacidade de ver na incerteza da disrupção – aquilo que achamos que é um ambiente que rodeia a indústria financeira. E, em terceiro, um perfil de criatividade, porque achamos que temos uma capacidade e possibilidade únicas de recriar banca.
Que mudanças são necessárias?
A banca como a conhecemos nos últimos 20 anos era uma atividade universal, baseada na confiança, a nossa indústria base, mas também assente em linhas que eram comuns a todas as instituições financeiras: crescimento do crédito à habitação, crescimentos de cross-selling, boa gestão dos passivos. Ora, a banca que se aproxima e nos desafia neste momento é uma banca em que já não estamos perante uma universalização da oferta mas muito mais perante a diferenciação das experiências. É uma banca que tem de reinventar a sua capacidade de concorrer com outro tipo de atratividades. Depois, é uma banca global, que fala muito mais inglês. E que, nesse sentido, tem menos previsibilidade e vive mais a criatividade.
E esse tipo de perfil temos encontrado em dois tipos de pessoas: primeiro, em pessoas que têm uma longa experiência do ponto de vista bancário e que querem mudar. E, segundo, pessoas que temos vindo a recrutar, normalmente portugueses que tiveram uma experiência internacional e agora querem voltar.
A ideia da banca como negócio de confiança mantém-se apesar da exposição mediática que não tem sido positiva para o Novo Banco? Como é que se gere a relação com a credibilidade?
Primeiro, reconhecendo que somos uma indústria de confiança, porque é isso que conseguimos monetizar. Aquilo que se passou nos últimos anos obriga-nos primeiro a reconhecer: não era esta banca que muitos de nós gostaríamos de ter oferecido. Segundo, aprendendo com os erros. Há questões que devem estar no centro da atividade, que têm a ver com a gestão dos riscos, a gestão das expectativas e a gestão dos múltiplos stakeholders. E, terceiro, que temos de ter hoje em dia um desenho de transparência para recuperar e devolver à sociedade um bocadinho aquilo que lhe pedimos, que foi tempo para corrigir aquilo que a banca tinha feito mal.
Não era esta banca que muitos nós gostaríamos de ter oferecido.
A credibilidade abalou a confiança?
A banca como um todo manteve a confiança dos seus clientes, curiosamente: vimos que Portugal foi dos países que mais capacidade teve para sustentar os seus depósitos enquanto reduzia os seus créditos de má qualidade. Passámos a ganhar um dever adicional em relação aos diversos stakeholders, incluindo os nossos clientes. Isso significa também que temos de trabalhar para três assembleias gerais em simultâneo: uma assembleia geral de acionistas, uma assembleia geral de colaboradores, os que asseguraram que esta indústria de confiança se preservava durante este período, e a assembleia geral de clientes, que é a que se reúne todos os dias, toma decisões todos os dias e que é fundamental perceber que está connosco permanentemente. Foi isso que tentámos fazer ultimamente na nossa comunicação externa, pedindo aos clientes que colaborassem connosco a dizer o que sentiam do banco.
Mudaram recentemente de diretor de recursos humanos [Catarina Horta]. A que se deveu esta mudança e porquê nesta altura?
A mudança é de pelouro, que passou a ser do CEO. E é uma mudança tática óbvia. Até agora, o que precisávamos era de sobreviver: a nossa proposta de valor era ir reduzindo o custo da nossa operação, oferecendo às pessoas as condições para sair assim que quisessem. A partir desse período, temos de voltar a olhar para os recursos humanos como o nosso principal ativo de crescimento, que deve ser central na instituição, e isso passa por pô-lo na dependência do CEO. Segundo, passa por dar uma nova visão mais pensada para o futuro na atração e criação de talento, no desenvolvimento de carreiras e competências, e na assunção de riscos e de capacidades.
De que tipo de pessoas anda o Novo Banco à procura?
Primeiro, de pessoas que tenham um nível de preparação em termos de flexibilidade na perceção da sua atividade que seja tão importante do ponto de vista vertical como do horizontal. Isto quer dizer que devem ter tanta capacidade para trabalhar em profundidade com disponibilidade, com detalhe, com foco, como abertas a um caminho muito largo. Porque a banca vai encontrando também caminhos mais largos. Segundo, que sejam pessoas inconformadas, capazes de pegar numa situação e mudá-la, transformá-la. E terceiro, que sejam pessoas normais e inseridas na sociedade.
"Antes tínhamos as pessoas que queríamos, agora temos de lutar por elas, é assim que as organizações crescer e se tornam mais maduras.”
Isso não acontecia antes?
Houve um período na vida dos bancos em que os bancos quase se separaram da realidade, do mundo presente. Por graça, falava-se da economia real e da economia financeira, um bocadinho como se a economia financeira não fosse real. Uma das minhas preocupações é que as pessoas tenham uma vida própria, conheçam a sociedade e façam outras coisas além da atividade bancária para que nunca se separem da vida real. Porque a atividade bancária é verdadeiramente estrutural. A nossa incumbência, mais do que uma missão, é prestar um serviço à sociedade que é o de intermediar risco e poupança e transformá-la em investimento. Temos de ter consciência disso e desenhar uma banca distinta. E esse redesenho não se encontra dentro da banca mas fora, no mundo. Aquilo que precisam de nós está escrito nas estrelas do mundo, nós só precisamos de descobrir para que é que o mundo precisa de nós. E é um bocadinho isso que queremos das nossas pessoas: que tenham um work-life balance, os softs skills necessários e capacidade de aprofundar aquilo que é a sua atividade do dia-a-dia. E temos encontrado.
E essas pessoas também vos procuram?
Os bancos estão menos atrativos do que estavam há 20 anos. Era muito fácil sermos considerados uma das primeiras preferências. Neste momento competimos com outros operadores: com a iniciativa individual, com as startups. E temos de nos adaptar aos tempos modernos. Achamos que as pessoas em Portugal estão muito bem preparadas para isso, que o ajustamento a que Portugal foi sujeito formou pessoas mais flexíveis, mais capazes, mais inventivas, muito bem preparadas.
Como é que o Novo Banco incorpora essa criatividade?
Vou ser muito prático: sozinhos não vamos conseguir dar resposta a um mundo cada vez mais exigente. A cultura altera-se de uma forma muito clara. Por um lado, injetar novas ideias – que é também injetar novas pessoas, mais jovens, com uma visão diferente daquilo que é a exigência da proposta bancária. Segundo, com uma enorme humildade, perceber que o mundo à nossa volta vai mudando e que a proposta de valor do ponto de vista bancário é diferente. E, terceiro, assumindo uma grande transparência, tanto interna como externa. A conjugação destas três coisas vai recriando uma banca diferente. O Novo Banco, pela forma como se criou em circunstâncias particularmente diferentes, pela forma como sobreviveu, em circunstâncias particularmente estranhas — no sentido de imprevisíveis –, ganhou uma dimensão de flexibilidade interna que permite plantar, sedimentar novas culturas que são mais as dos tempos modernos. Uma das vantagens que o Novo Banco tem no panorama bancário português é a flexibilidade que aprendeu a ter de uma forma recente. E essa flexibilidade é metodológica, e uma vantagem que temos para o futuro.
De que maneira é que conseguem concorrer com outros negócios?
O mercado exige sedução. E o que temos de ter é uma proposta de convocatória que seja suficientemente sedutora. Certamente que isso tem uma componente salarial fixa e variável, mas estamos longe dessa componente diferenciadora. É a experiência que permitimos ao desenvolvimento do talento, à capacidade do talento se afirmar e mais tarde de preservar o talento na empresa. As grandes empresas têm a vantagem de ser escolas de aprendizagem. Não nos importamos que as pessoas que estão aqui hoje possam estar noutros sítios daqui a quatro ou cinco anos porque certamente recordarão a grande vantagem que foi estar no Novo Banco nesta fase especial.
"Uma das vantagens que o Novo Banco tem no panorama bancário português é a flexibilidade que aprendeu a ter de uma forma recente.”
Disse em agosto de 2018 que o plano de reestruturação do Novo Banco ainda precisava de “tempo e dinheiro”. Em que ponto está agora?
Já falta menos tempo e menos dinheiro. Temos um plano que foi desenhado a três anos, passaram dois. Por isso este ano é decisivo. Do ponto de vista de pessoas, atingimos o ponto de reestruturação estimado: estamos a trabalhar com cerca de 5.000 pessoas e esse valor é razoavelmente estável nos próximos dois anos. Estamos agora numa fase de rejuvenescimento porque, o que acontece quando existe um período de tensão com estas características por causa das reformas antecipadas, ficamos com pessoas abaixo dos 55 anos e, por causa das restrições da contratação, ficamos com pessoas acima dos 40. O que significa que uma instituição fica muito fixada entre estes 15 anos de vida ativa. Ora isso não é bom, uma instituição assim fica a conhecer pouco o mundo. Estamos numa fase de rejuvenescimento e recrutamento, para conseguir assegurar uma amplitude e largura de contratação.
É mais difícil atrair ou reter talento com motivação?
As duas coisas são exigentes. Neste momento com o crescimento do emprego em Portugal, o facto de trabalharmos com população muito qualificada em que concorremos não só no país como fora, leva-me também a pensar que no estrangeiro eu podia concorrer. O mercado está mais exigente, há maior sedução mas isso também é melhor para as pessoas. Antes tínhamos as pessoas que queríamos, agora temos de lutar por elas, é assim que as organizações crescem e se tornam mais maduras.
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António Ramalho: “Houve um período na vida dos bancos em que quase se separaram da realidade”
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