Autor da polémica audição no Parlamento, José Rodrigues de Jesus, bastonário da Ordem dos Revisores de Contas, diz que os auditores continuam a ser admirados e respeitados, apesar dos casos na banca.
Para José Rodrigues de Jesus, bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), os auditores continuam a ser admirados e reconhecidos pela sua competência, isto apesar da sua imagem e reputação ter sido beliscada pelos casos da banca.
Em entrevista escrita ao ECO, José Rodrigues de Jesus rejeitou falar do seu trabalho enquanto presidente da comissão de acompanhamento do Novo Banco, nomeadamente da polémica audição no Parlamento onde deixou os deputados incrédulos com algumas afirmações. Ainda assim, o bastonário falou de outros problemas na auditoria, como o caso da KPMG, que foi recentemente condenada pelo Banco de Portugal, e ainda da Deloitte, cujo trabalho de auditoria na Caixa Geral de Depósitos foi alvo de queixa por parte dos ex-gestores do banco público. Apesar de todos os casos, José Rodrigues de Jesus não tem dúvidas. “Há muito respeito e admiração pelo trabalho dos auditores”, diz.
Sobre o congresso que a Ordem organiza esta quinta-feira, e que leva a debate o ministro das Finanças, Mário Centeno, a presidente da CMVM, Gabriela Figueiredo Dias, entre outros, o bastonário espera que dê um contributo para a discussão em torno do futuro do setor.
A OROC organiza esta quinta-feira o XIII Congresso dos ROC, com o tema: “Auditoria – Novos Caminhos”. Quais são estes novos caminhos da auditoria?
As mudanças são muitas e a diversidade de cenários novos em que as empresas e a comunidade em geral vão trabalhar e viver é imensa. A nossa profissão tem, antes de mais, de compreender os contextos dos negócios, da atividade económica, das exigências da sociedade. Temos de perceber os impactos nas entidades nossas clientes e temos de saber perceber qual a informação relevante e como deve ser apresentada para que seja um bom suporte na tomada de decisões. É para isso que serve a informação: quem tem de tomar decisões as adote com o conhecimento possível. Queremos descobrir os novos caminhos, ou seja, o quanto a profissão precisa de conhecer, de se ajustar para no presente, e no futuro, prestar o melhor serviço à sociedade.
Há novos riscos que se colocam hoje e que não se colocavam há alguns anos, como por exemplo, a cibersegurança. Em que medida estes riscos condicionam e moldam o trabalho de um auditor?
Em dois níveis: a segurança dos sistemas informáticos e dos dados detidos pelo auditor (ou Revisor Oficial de Contas) e a segurança dos dados detidos pelas empresas em que se realiza a auditoria. No primeiro caso, o auditor tem de investir constantemente em equipamento e controlo interno que lhe permita garantir essa segurança. O conceito em nada é novo para o auditor.
Nas empresas, o auditor necessita de avaliar a segurança da informação preparada pelos gestores e técnicos e por todo o sistema de informação interno relevante. Também não é um conceito novo, mas há mudanças no enquadramento, no terreno em que nos movemos. Isso exige de nós mais conhecimento, competências apropriadas e também ferramentas tecnológicas que nos apoiem na realização do nosso trabalho.
Falamos de novos caminhos: que ferramentas dispõem os auditores para estarem sempre atualizados?
Todos os nossos membros procuram reunir o conjunto de ferramentas de que necessitam para o bom exercício da profissão, adquirindo ou desenvolvendo de modo próprio as que entendem necessárias, de modo adequado à dimensão e complexidade de cada firma.
Para auditarmos empresas maiores, mais complexas, cuja atividade é desenvolvida num ambiente tecnológico avançado, precisamos de ferramentas muito sofisticadas e muito conhecimento. E para termos essa capacidade precisamos de dinheiro para investir em muita formação, em desenvolvimento de metodologias, inclusivamente em investigação. Precisamos de estar à frente no domínio das novas tecnologias. A auditoria não se tem mostrado uma atividade com suficiente dimensão e rendibilidade que permita manter este nível de investigação e desenvolvimento e daí a conjugação de outros serviços que são prestados pelas firmas, como por exemplo a consultoria.
A auditoria não se tem mostrado uma atividade com suficiente dimensão e rendibilidade que permita manter este nível de investigação e desenvolvimento e daí a conjugação de outros serviços que são prestados pelas firmas, como por exemplo a consultoria.
Temos de dar atenção às muitas questões de independência que se levantam, mas que não podem ser resolvidas eliminando a capacidade de se ser competente. Temos de encontrar o equilíbrio devido. As grandes firmas de auditoria têm de continuar a ser fortes nas áreas que lhes permitem a competência necessária para aceitar clientes complexos.
Hoje em dia, ser auditor é diferente do que era há uma década ou duas décadas? O que mudou?
A sociedade mudou, está a mudar. A atividade económica também. As organizações (em que se incluem as empresas) igualmente e os auditores trabalham nas organizações. A própria complexidade dos negócios, dos sistemas, a velocidade das transações, o volume destas, a desmaterialização, o âmbito de atuação, facilmente atingindo uma escala quase mundial, alterou o campo de trabalho da auditoria.
A própria profissão, desde 1 de janeiro de 2016, aceita candidatos com formação académica em qualquer área. Deixou de ser limitada a área de competência para se poder aceder. Todos podem. Todos são necessários. Precisamos de equipas multidisciplinares e muito competentes. Todos, porém, têm de obter aprovação num exame de ingresso e realizar um estágio profissional.
Como se vê neste congresso, e já se observava nos anteriores, os oradores que convidamos têm competências muito diferentes. Neste congresso, nenhum orador é auditor e ouvi-los é imprescindível para o nosso enriquecimento profissional e igualmente válido para toda a comunidade económica.
A figura do auditor saiu beliscada com estes casos problemáticos que tivemos recentemente nos bancos, como no BES, Banif e até na Caixa?
Obviamente, a imagem dos auditores é constantemente afetada pelas notícias que lhes apontam o dedo de modo acusador. Temos, porém, a perceção de que a opinião pública não é totalmente coincidente com a opinião de quem conhece e atua no meio. Os auditores são respeitados, muito respeitados, temos evidências todos os dias. Os nossos membros são chamados para realizar os trabalhos mais complexos. A Ordem tem sido chamada pelas entidades mais diversas para colaborar em várias matérias. É-nos reconhecida competência e conhecimento. Não temos nenhuma queixa quanto ao reconhecimento que sentimos ter de parte das entidades públicas ou outras entidades económicas relevantes em Portugal.
As pessoas tem uma opinião positiva ou negativa dos auditores?
Quem quer fazer uma avaliação séria do trabalho de um auditor, tem de saber fazê-lo. Tenho, por experiência, adquirido a convicção de que há muito respeito e admiração pelo trabalho dos auditores. Tal não transparece nos meios de comunicação em massa, nem, se bem julgo, é a opinião do público em geral. Mas a opinião de quem efetivamente recorre aos nossos serviços não é essa. Por exemplo, quem quer comprar títulos negociados em bolsa, analisa a informação financeira prestada pelo emitente de modo a tomar uma decisão avisada e decide, antes de concluir, ler o relatório de auditoria, é uma pessoa consciente dos riscos que corre e dos benefícios que tem por poder contar com a opinião do auditor. Contar com a opinião do auditor não elimina os riscos, mas reduz esses riscos precisamente por saber que se pode ter confiança razoável (como é claro, nunca pode ser mais do que razoável, o que quer dizer alta, mas não absoluta) nesta.
Tenho, por experiência, adquirido a convicção de que há muito respeito e admiração pelo trabalho dos auditores. Tal não transparece nos meios de comunicação em massa, nem, se bem julgo, é a opinião do público em geral. Mas a opinião de quem efetivamente recorre aos nossos serviços não é essa.
A CMVM, pelo facto de supervisionar agora as auditoras, vem trazer maior credibilidade ao mercado?
Claro que sim e foi esse o propósito dessa alteração legislativa. Quer fosse a CMVM ou outra entidade. Isso traz credibilidade à profissão e, consequentemente, ao mercado na medida em que a profissão atua nesse mercado. Queremos que essa credibilidade seja continuadamente reconhecida e para isso é necessário que haja da parte do supervisor, independentemente de quem seja, uma exigência elevada na apreciação da qualidade da auditoria.
A independência do supervisor tem de ser acompanhada de muita competência. Se para nós é difícil acompanhar a evolução da comunidade económica, as tecnologias de informação, a globalização, também o é para o supervisor. Temos muitos anos de experiência. Atrevo-me a dizer, digo-o com convicção, nós temos muita competência. Acrescento que o trabalho dos auditores é desenvolvido no contexto da comunidade económica. Não é possível esperar dos auditores capacidade para garantir a qualidade da informação se não estivermos todos a trabalhar nesse sentido. Somos um pilar importante, não somos todos os pilares necessários.
Que avaliação faz a OROC da KPMG, recentemente condenada pelo Banco de Portugal?
A avaliação da OROC é conhecida. A auditora consta da lista de sociedades de revisores oficiais de contas do mesmo modo que as restantes sociedades. Isso significa que, tal como as outras, tem as condições necessárias para o exercício da profissão. Aliás, esta é a avaliação que tem de ser feita por qualquer entidade. Não há outra. No caso do processo movido pelo Banco de Portugal há, naturalmente, o necessário acompanhamento pelos órgãos competentes da Ordem, designadamente o Conselho Disciplinar e, se necessário, o Conselho Superior, que são absolutamente independentes e com total autonomia dentro da Ordem. Todos os assuntos desta natureza têm uma tramitação adequada.
A CMVM alega que não pode analisar a auditoria da EY sobre os atos de gestão na Caixa entre 2000 e 2015 porque afinal é um estudo. Na sua opinião, o regulador deveria ter analisado a queixa dos ex-gestores da Caixa?
Não estou certo de que seja precisamente esse o fundamento alegado. Ao que sei o trabalho foi desenvolvido por uma empresa que não é uma firma de auditoria, ainda que pertença à mesma rede, e o trabalho não é, penso eu, uma auditoria em sentido técnico e jurídico. Admito, pois, que seja esta a razão. Quanto a outras competências de supervisão da CMVM não posso pronunciar-me, não são matérias da esfera de atuação da Ordem.
Estamos a menos de um mês das eleições. Como bastonário da OROC, o que pediria ao próximo Governo para o setor?
Peço que nos ajudem a garantir a atratividade da profissão, que nos ajudem a criar condições para a qualidade da auditoria. Ofereço a minha disponibilidade pessoal, a da Ordem e a de todos os seus membros para colaborar sem limites com o Governo e com todas as entidades empenhadas, designadamente a CMVM, na procura das melhores soluções.
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Casos BES e Caixa? “Atrevo-me a dizer, nós, os auditores, temos muita competência”, diz bastonário
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