Presidente da Associação do Alojamento Local, Eduardo Miranda, alerta para a difícil situação que os empresários do setor vivem. Recuperação deve ter início no verão, mas o difícil é aguentar até lá.
Já representa quase metade das dormidas de turistas no país, mas tem neste momento quase todas as camas vazias. O alojamento local sente-se esquecido nesta pandemia e apela a apoios do Governo, ao mesmo tempo que alerta para a importância do setor na recuperação do turismo. Em entrevista ao ECO, o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) avisa que sem estes empresários, o turismo não poderá voltar ao que era. Quanto à recuperação, essa começará a acontecer no verão, mas só no final do ano é que será “contínua” e “progressiva”.
A ocupação turística do alojamento local ficou em cerca de 23% em 2020, de acordo com um estudo feito pela ALEP ao setor. A faturação teve uma quebra superior a 70% e nos centros urbanos ultrapassou mesmo os 80%. Num ano marcado pela pandemia, os hóspedes foram poucos e os que houve refugiaram-se no interior do país, onde estavam mais isolados. Os números da associação mostram mesmo isso: os distritos que cresceram em termos de oferta de alojamento local “foram todos do interior”, com destaque para Bragança, Guarda e Portalegre.
Pelo contrário, os centros mais urbanos, como Porto e Lisboa, ficaram esquecidos. E isso é ainda comprovado pela evolução do número de registos. “O Porto estagnou, enquanto Lisboa foi o primeiro grande destino a ter queda do número de alojamentos na história do alojamento local”, mostra o estudo da ALEP. No concelho de Lisboa, em 2020, houve 483 aberturas e 597 cancelamentos de registos, o que resulta num saldo de -114. Já no concelho do Porto contaram-se 675 aberturas e 668 cancelamentos, resultando num saldo de sete.
Eduardo Miranda, presidente da ALEP, alerta ainda para o facto de os números oficiais atribuírem um peso de apenas 14% ao alojamento local nas dormidas nacionais, deixando “mais de 80% [do setor] de fora das estatísticas”, dado que estas só contabilizam unidades com dez ou mais camas. O responsável lamenta o facto de o setor estar a ser excluído dos apoios que estão a ser criados e pede mais ajudas.
Como é que o alojamento local está a sobreviver a este confinamento?
A situação está realmente muito crítica e complicada. As taxas de ocupação andam na ordem dos 20%, incluindo janeiro e fevereiro, e as quebras de faturação vão até aos 85%. A situação está absolutamente crítica e delicada. Sabemos que é uma questão temporária, mas o problema é o timing, como é que até lá se suporta [esta crise] com a atividade parada.
Há aqui a questão de perceção dos decisores [Governo]. Ainda não há uma perfeita visão do papel do alojamento local no turismo e na economia, em parte porque as estatísticas oficiais só mostram uma pequena parte do alojamento local. O alojamento local já ultrapassou um terço das dormidas, aproximando-se dos 40%. Isso mostra que quase metade do turismo em Portugal já depende do alojamento local. Lisboa vai em quase 50% das dormidas e o Porto ultrapassou os 60%. Alguns destinos vistos como promissores, como o interior, a montanha e as zonas mais isoladas, esses dependem maioritariamente do alojamento local. Sem alojamento local não vai haver turismo no futuro.
Como é que o Governo e a sociedade olha neste momento para o alojamento local?
O alojamento local deixou de ser algo complementar ou uma tendência, e passou a ser parte essencial do turismo. Se não mantivermos o alojamento local, não vai haver retoma no turismo. Um dos erros que temos visto é que, dada esta situação grave, é preciso olhar para o alojamento local como se olha para todos os setores. O alojamento local não é a salvação do arrendamento, nem o arrendamento é a solução para o alojamento local.
A maior parte (71%) do alojamento local está fora dos centros urbanos. São casas de férias que estão, essencialmente, em zonas de veraneio. E são negócios feitos de forma mais profissional, com empresas de gestão. Nunca se vão tornar habitação. Mesmo em Lisboa e no Porto, a maior oferta são T0 e T1. Temos de perceber de uma vez por todas que o alojamento local não é uma situação temporária, nem rendimento temporário. É, essencialmente, turismo. E o turismo de hoje e do futuro depende em grande parte do alojamento local.
Sem alojamento local não há retoma no turismo, porque quando a retoma começar, vai ser muito difícil se não houver uma procura mínima. Nesta fase inicial, o alojamento local vai ser o grande apoio, sobretudo nas zonas do interior.
A ocupação rondou os 20% em 2020 e a faturação caiu até 80%. Quando é que o setor vai recuperar deste impacto?
A grande dificuldade que temos no turismo em geral é que está mais ou menos claro que a recuperação que se esperava (na Páscoa) vai começar no verão, mas será muito gradual. Porque depende do plano de vacinação. Só quando houver imunidade de grupo é que vai haver uma maior confiança nas viagens. Já sabemos que a recuperação vai começar a acontecer mais para o final do verão. Isso significa que o que está previsto para este verão é sim, começar a haver uma retoma, mas bastante lenta.
E aí há um papel importante: sem alojamento local não há retoma no turismo, porque quando a retoma começar, vai ser muito difícil se não houver uma procura mínima. Nesta fase, o alojamento local consegue responder de imediato. E se não tivermos capacidade de resposta, vamos perder espaço para outros países. Nesta fase inicial, o alojamento local vai ser o grande apoio, sobretudo nas zonas do interior.
O número de proprietários a passar para o arrendamento de longa duração subiu?
Isso é um fenómeno muito localizado. 70% do alojamento local está fora de Lisboa e Porto. Onde há essa tendência é nos centros urbanos, principalmente em Lisboa e no Porto. O que temos observado é que os números oficiais não são um reflexo da realidade. Em termos de evolução de registos oficiais, observamos que pela primeira vez os distritos que mais cresceram foram no interior — Bragança, Guarda e Portalegre. E, pela primeira vez, Porto e Lisboa estagnaram ou tiveram até um recuo no número de registos. No concelho de Lisboa, o número de registos oficiais diminuiu (-114), mas foram oficialmente cancelados 600 registos. O resto do distrito esteve mais ou menos estagnado.
Mas sim, há pessoas que estão a pensar noutras alternativas. O número de cancelamentos de anúncios de propriedades nas plataformas foi muito maior. Perderam-se 1.800 propriedades anunciadas nas plataformas. Isso é o maior indicador de que está a haver aqui uma migração, cerca de 10% do total. E está a acontecer mais para o arrendamento privado, algumas para o Programa de Renda Segura e noutros casos para uso próprio.
Isso não se reflete nos registos. Primeiro há a questão da mais-valia, que está em princípio resolvida, mas ainda não se reflete. Está resolvido o problema que prendia as pessoas. E em Lisboa há ainda a questão das zonas de contenção: como perdem o registo para sempre, têm receio de cancelar o registo e nunca mais o obter. Era bastante importante pôr em prática a possibilidade de fazer uma suspensão do registo. Haveria uma propensão muito maior para uma parcela experimentar essa migração para o arrendamento.
Mas isto é uma questão de ajuste, não pode ser uma migração forçada. Se não estaríamos a matar o turismo e milhares de empregos. Se houvesse uma migração massiva para o arrendamento, seria um erro e seria perigoso. Nunca mais o turismo conseguiria atingir nem de perto o que foi nos últimos anos. Os operadores sem procura precisam de ser apoiados nesse período, que são mais alguns meses. Neste momento, a fórmula de salvação deste turismo passa muito pelo reforço da linha do Turismo de Portugal. Quando ela acabar, vão sobrar muito poucas alternativas para as pequenas empresas. Esse reforço é absolutamente essencial.
Temos de perceber que (…) Lisboa e Porto vão continuar a ser absolutamente essenciais para o turismo, porque são pontes. E até podem ser uma alavanca fundamental para depois promover o turismo interior através de parcerias.
Os distritos que mais cresceram em termos de oferta foram do interior. Porquê?
O que se notou foi principalmente perto do verão, em que começou a despertar o interesse por regiões mais remotas. Primeiro pelo facto de as pessoas estarem numa casa só com a família, depois pela lógica de que muitos estavam presos em zonas urbanas e queriam espaços para espairecer, locais mais afastados, propriedades inteiras dedicadas à família. E isso encorajou projetos em algumas zonas.
O número absoluto não é muito grande, mas Bragança, Braga e Portalegre foram os únicos com saldo de abertura maior do que no ano passado, quando o turismo estava a correr bem. Enquanto Lisboa passou de 2.300 para menos 114 registos, estes distritos mantiveram o número. É isto que a pandemia está um pouco a acelerar. Esta mudança vai bastante em linha com aquilo que Portugal definiu como estratégia.
Mas, mesmo assim, temos de perceber que isto demora o seu tempo e que Lisboa e Porto vão continuar a ser absolutamente essenciais para o turismo, porque são pontes. E até podem ser uma alavanca fundamental para levar depois a promover o turismo do interior através de parcerias. Um alojamento em Lisboa terá parcerias com um alojamento no Alentejo, por exemplo. Temos uma possibilidade enorme no alojamento local que é o contacto e a proximidade com cada um dos clientes, sugerindo destinos interiores.
Houve descidas de preços no setor?
O que houve a nível nacional foi um pequeno ajuste de preços nas unidades de praia, porque algumas estavam mais vocacionadas para o turismo internacional e quando chegou o verão tiveram de apostar no mercado nacional. Mas foram ajustes de 15% a 20% nessas zonas. Nas zonas urbanas, baixar o preço não resolve nada porque não há procura.
O que aconteceu foi o surgimento do arrendamento de média duração, em que o hóspede fica até cinco meses, mais ou menos. Nesses casos, o preço é por mês e não por dia. E, aparentemente, baixou, porque dividimos por 30 dias, mas a lógica não é a mesma. Esse foi um dos grandes segmentos que surgiu, que foi uma luz ao fundo do túnel para muitos destinos, inclusive o Algarve.
Foram dois os perfis que surgiram: estrangeiros que optaram por viver em Portugal um ou dois meses, os chamados nómadas digitais, pessoas que estão em trabalho remoto e que misturam trabalho, residência temporária e turismo. Muitos optaram por vir para Portugal. E outro perfil foi a procura nacional, que tem sido um pouco o apoio do turismo no Porto e Lisboa. São pessoas com uma necessidade temporária de alojamento, como estudantes e professores, divórcios, pessoas com obras em casa, que estão a mudar de cidade, colocadas em projetos noutra cidade, etc.
Que apoios foram criados pelo Governo para o setor?
O alojamento local tem ficado de fora da maior parte dos programas de apoio e sem isso não vamos conseguir ter retoma do turismo. O ponto número um para a sobrevivência do alojamento local e do turismo é o reforço da linha de apoio às micro, pequenas e médias empresas do Turismo de Portugal. E essa linha está quase a acabar. Sem essa linha, boa parte dos micro e pequenos empresários ficarão sem alternativas. Essa linha tem de ser revista e reforçada, é fundamental para a base do turismo. Porque quando começar a retoma, não vamos conseguir acompanhá-la.
A maior dificuldade é que temos a maior parte dos micro empresários e empresários em nome individual (que representam dois terços do alojamento local) excluídos de quase todos os apoios.
Foram lançados vários apoios e alguns foram bastante importantes para certos segmentos, como o lay-off simplificado e a retoma progressiva. Mas a maior dificuldade é que temos a maior parte dos micro empresários e empresários em nome individual (que representam dois terços do alojamento local) excluídos de quase todos os apoios. O único apoio que estava em vista era o dos trabalhadores extraordinários, da Segurança Social. Mas esse apoio foi reconfigurado e transformado num apoio social para pessoas em situação de grave carência financeira. Deixou de ser um apoio para trabalhadores independentes, o que acabou por trazer regras tão apertadas que praticamente nenhum dos empresários em nome individual entra. Porque basta ter um rendimento inferior a 501 euros por pessoa para ficar de fora. Tínhamos depositado muitas esperanças nesse apoio.
Depois há as micro-empresas que têm muita dificuldade em se acorreram dos outros apoios. É notório que as micro e pequenas empresas estão a ser recusadas na linha do Banco de Fomento e um feedback importante é que estão a recusar quase todas as candidaturas das micro-empresas do turismo. As micro e pequenas empresas do turismo estão a ser completamente excluídas e ignoradas dessa linha.
O refúgio era mesmo a linha do Turismo de Portugal. Era fácil, funciona muito bem e se é uma coisa que está a ser a salvação de muitos, temos de conservar e apostar. Tem de ser a salvação de grande parte do turismo. Por isso, precisa urgentemente de reforço de verbas e apoio a fundo perdido para situações de quebras de maior proporção e dos que estão mais fragilizados (empresários em nome individual) que não têm outras medidas a que recorrer.
Que tipo de apoios podem e devem ser criados para ajudar o setor?
A medida mais urgente neste momento é o reforço da linha do Turismo de Portugal. E depois temos cerca de 20% dos empresários do setor que são arrendatários e que acabaram quase todos excluídos do Apoiar Rendas, porque têm contratos que não se encaixam nas exigências. Era importante que pelo menos os que têm contrato, cujo fim permite uso para alojamento local, pudessem ser enquadrados. Era importante que houvesse alguma flexibilização da linha da Segurança Social, porque está demasiado restritiva. Há vários critérios que são quase injustos.
E a médio prazo vai ter de se pensar, claramente, especialmente quando vierem os fundos comunitários, numa questão de renegociação das dívidas. Alguns dos empréstimos feitos começam a vencer agora a meio do ano. Quem é que vai ter condições de pagar? Isso é fundamental.
Para o verão, à medida que a população começa a estar vacinada, é capaz de haver algumas férias graduais. E vamos ter alguma dinâmica de retoma. Mas, provavelmente, só a partir de setembro e outubro é que vamos ter confiança para falar em retoma contínua e progressiva.
O que podemos esperar para a Páscoa e para o verão?
O que todos esperam na Páscoa, mais do que uma melhor economia e turismo, é que a questão de saúde esteja estabilizada. Estamos numa situação de risco de saúde e o que mais queremos é que isso se controle. Mas a altura da Páscoa é quando há boas perspetivas de estar mais controlada. Se Portugal não passar esta fase, além de defender a saúde dos habitantes e imagem do país, vamos estar numa situação complicada. O primeiro passo até à Páscoa é, acima de tudo, controlar. Para o verão, à medida que a população começa a estar vacinada, é capaz de haver algumas férias graduais. E aí sim, vamos voltar às zonas do interior e praias. E vamos ter alguma dinâmica de retoma. Mas, provavelmente, só a partir de setembro e outubro é que vamos ter confiança para falar em retoma contínua e progressiva.
No meio de todo este impacto, ainda há pessoas a entrarem no alojamento local?
Ainda há, sim. As pessoas ainda acreditam no turismo, sabem que esta crise é passageira e que está é a demorar muito mais. E o interior surgiu como uma oportunidade de desenvolver esta atividade. Mas é óbvio que agora as pessoas ponderam muito mais.
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Com ocupações de 20% e poucos apoios, situação do alojamento local é “crítica e delicada”
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