Francisco Lacerda, presidente da COTEC, não tem dúvidas: quanto mais depressa as empresas que não têm viabilidade económica fecharem, melhor.
A linguagem gestual é tímida e as palavras são bem medidas. Francisco Lacerda, presidente da COTEC e dos CTT, evita as questões políticas — tal como também não usa as gravatas lisas, típicas dos governantes, confessa — suprime impressões pessoais, e socorre-se dos números para avaliar a atual situação económica portuguesa.
Mas é precisamente este cuidado nas palavras que dá peso ao que escolhe dizer: os dados económicos estão “na boa direção”; os “responsáveis do Governo” estão “perfeitamente conscientes e atentos” ao desafio da dívida; quem não se requalifica “está fora” dos “empregos sustentáveis”; e “o crescimento e o emprego” estão aí com dados para atestar a confiança dos empresários na solução governativa encontrada pelo primeiro-ministro António Costa.
Como é que avalia a atual situação económica portuguesa?
O que estamos a ver nos indicadores é algum crescimento do PIB, o défice orçamental a níveis bastante controlados. Os dados de 2016 — e alguns já do primeiro mês ou dois de 2017 — em termos de crescimento, controlo orçamental, emprego, estão na boa direção. Todos queremos mais crescimento, mas claramente estão na boa direção. Comparando com períodos anteriores são dados que mostram uma evolução positiva.
No final do ano passado a economia cresceu mais. Está confiante de que este crescimento é sustentável, ou vamos andar em pára-arranca?
Isso é mais difícil de lhe responder. Depende de muitas variáveis e de muitos condicionantes, externo e internos. No que diz respeito às variáveis em Portugal, se o Governo continuar a levar a cabo o caminho de disciplina de finanças públicas, de tentativa de incentivo à atividade das empresas, podemos esperar algum tempo de crescimento. Há desafios sérios pela frente…
Quais são os principais constrangimentos ao crescimento das empresas?
Há desafios… Continuando ainda na macroeconomia, há desafios que são conhecidos. Há um que é em certa medida externo, mas que afeta bastante, que é a evolução das taxas de juro. À medida que as taxas de juro do euro vão subindo, embora a um ritmo ainda lento, esperemos que seja possível haver um ajustamento em baixa do prémio de risco da dívida pública portuguesa para que os encargos com juros no orçamento não subam — esse é claramente um desafio importante para o país. Basta ouvir os responsáveis do Governo para se notar que estão perfeitamente conscientes e atentos a esse desafio. Depois, em termos de um ambiente económico com determinadas medidas, nomeadamente na área do emprego, que estão a mostrar os seus resultados, esperemos que não haja aí movimentos contrários ao desenvolvimento deste ambiente económico positivo, para que as empresas e os empresários se sintam confortáveis em criar emprego.
Ter finanças públicas sãs, com níveis que permitam progressivamente ir diminuindo a dívida pública, é muito importante para a estabilidade económica do país.
O Governo tem sublinhado a redução do défice para menos de 3% em 2016. Isto é importante para o tecido empresarial português?
Não querendo entrar na questão mais política, conseguimos nos últimos cinco anos reduzir o défice público de níveis acima de 10% para níveis raramente vistos nos últimos 40 anos. E isso foi um processo, foi preciso ir descendo bastante, com medidas diferentes e que em cada momento os Governos e respetivos responsáveis a nível das Finanças decidiram avançar. Ter finanças públicas sãs, com níveis que permitam progressivamente ir diminuindo a dívida pública, é muito importante para a estabilidade económica do país. Principalmente, para que haja uma convicção da parte de quem nos traz capitais, nomeadamente os investidores em dívida pública portuguesa mas não só, de que a trajetória está na direção certa e de que os níveis de risco estão progressiva e lentamente — porque não se consegue fazer rapidamente — a diminuir.
Como é que as empresas beneficiam disso?
Se for possível ter estas condições, consegue-se progressivamente ir diminuindo uma diferença grande que existe entre os custos de financiamento para uma empresa portuguesa e qualquer um dos seus concorrentes noutros países europeus — começando logo no vizinho do lado, que tem uma taxa de custo da dívida pública mais baixa. O custo da dívida pública condiciona toda a dívida e capitais próprios, as exigências de rentabilidade em ações, que são incorporadas nos modelos de avaliação de ações. Quanto menos diferente, para pior, for o custo da dívida pública portuguesa quando comparada com Espanha, França, Alemanha, com os países que connosco mais diretamente concorrem, em melhores condições as empresas portuguesas estarão — nesta componente dupla de, por um lado, atrair capitais e melhorar o custo de financiamento, mas também, por outro, de permitir solidez nas estruturas financeiras para os seus projetos de investimento e as suas iniciativas de conquista de mercados.
Como é que vê propostas, ou sugestões, como esta última da reestruturação da dívida pública, apresentada pelo PS e BE?
Não quero comentar em concreto as questões mais políticas e essa é claramente uma questão política. É muito importante, por isto que acabei de dizer, que haja não só a convicção, nossa enquanto país, mas também de sermos capazes de fazer com que os parceiros que são nossos credores — os nossos investidores de hoje, ou que poderão vir a ser no futuro — acreditem que temos esta convicção de que faremos tudo o que está ao nosso alcance para ter uma trajetória de redução da dívida pública e cumprir os nossos compromissos enquanto país.
Um dos entraves ao crescimento é o excessivo endividamento das empresas. Tem havido uma desalavancagem progressiva, mas o Banco de Portugal dá conta de que um contributo importante para a diminuição do endividamento tem sido o facto de as mais endividadas fecharem portas. Este é o único caminho?
Empresa a empresa, e depois esses dados são o resultado do conjunto das empresas agregadas, o primeiro teste é sempre saber se a empresa tem ou não viabilidade no sentido económico do termo. Se a atividade onde está, os mercados que tem, as condições de competitividade, as margens que consegue gerar com a sua atividade, os custos com os quais produz e comercializa os bens ou os serviços, se são suficientes para gerar excedentes, lucro, cashflow — no fundo para assegurar o seu futuro do ponto de vista económico. Uma segunda questão, é saber se com a estrutura financeira que tem consegue funcionar, mesmo sendo viável do ponto de vista económico. Se a primeira condição estiver assegurada, normalmente consegue-se encontrar soluções para a segunda, mas que passam muitas vezes pela reestruturação de passivo, quando as empresas, por alguma razão, entraram em situações mais complicadas.
A depuração é normal. Essa não é a única forma, há muitas empresas que têm estruturas financeiras que precisam de ser reforçadas e têm condições económicas para esse reforço. Há outras para as quais o caminho é só este.
Quando a primeira condição não está assegurada, quanto mais depressa se fechar a empresa, melhor para o sistema económico como um todo. Porque se é uma empresa que não tem viabilidade está, no fundo, a arrastar situações que prejudicam os níveis de concorrência, que atrai atenção e recursos da parte do sistema bancário, muitas vezes de entidades públicas, que estão a analisar se há ou não viabilidade. A depuração é normal. Essa não é a única forma, há muitas empresas que têm estruturas financeiras que precisam de ser reforçadas e têm condições económicas para que esse reforço possa ser feito, atraindo capitais. Há outras para as quais o caminho é só este. O que também se verifica é que isto não é um processo assético e sem problemas. É algo que é sempre caso a caso, são questões difíceis, às vezes traumáticas.
Nos últimos anos tem-se verificado o aumento das exportações. Ainda há caminho por percorrer? Há potencial ainda ou falta investimento que permita continuar essa trajetória?
Há certamente caminho para percorrer nessa área. Sem dar números muito concretos, basta ver as estatísticas recentes, Portugal fez um caminho muito positivo, subindo de cerca de 30% do PIB para mais de 40% em relativamente poucos anos, em quatro ou cinco anos de evolução. Mas quando olhamos para os países europeus de dimensões similares a Portugal estamos quase no fundo. Há poucos que estejam com uma percentagem abaixo de nós e há muitos que estão encostados aos 100%. Mesmo países da dimensão do nosso. Quando são países muito pequenos que são plataformas transacionais essa percentagem pode ser mais alta. Pensando no tamanho de Portugal, versus o mundo, a capacidade para conquistar mercados e conquistar mais quota em cada um dos mercados onde está tem muito caminho para percorrer e claramente deve ser um desígnio nacional e uma aposta com uma ambição grande.
Mas temos os recursos suficientes para isso? Estamos a investir nesse sentido?
Isso faz-se com um misto de decisões ao nível de cada empresa e de algum enquadramento que permita incentivar que isso vá nessa direção. Sim, mas obviamente tem de ser tratado caso a caso nas empresas. Há é, em termos de ambiente geral, um pressuposto que hoje é absolutamente natural para todos: que o crescimento da riqueza do país passa pela melhoria das empresas. É esse tipo de consciencialização e de vontade comum que transformam os desígnios nacionais em questões que devem ser identificadas e promovidas.
O atual Governo tem criado as condições suficientes para isso? As políticas têm ajudado as empresas?
A economia e as empresas não são exatamente preto ou branco, a realidade é bastante mais complexa do que isso. A complexidade da realidade é um dos temas que vamos tratar no nosso encontro nacional dentro em breve. As condições nem nunca são suficientes nem nunca são inexistentes. É preciso é em cada momento identificar quais são as que existem e quais são as que podem ser melhoradas. E, dentro das restrições que sempre há, ver o que se pode fazer mais do ponto de vista material e objetivo. Na vertente da simplificação e do enquadramento, na vertente de incentivo — na medida em que para isso possam ser canalizados fundos de apoio ao investimento — mas também na consciencialização e numa atitude geral de promover as empresas com sucesso, os empresários com sucesso, o crescimento das empresas, a conquista dos mercados externos e de todas estas realidades que nem sempre vemos no discurso público promovidas como boas.
Que áreas e ferramentas podem ser melhoradas para ajudar as empresas a crescer e passarmos de muitas PME para empresas médias e grandes?
Isso toca num tema que é uma das preocupações que a COTEC elegeu e que vemos como uma preocupação do Governo — resultou, aliás, naquele trabalho da estrutura de missão sobre o Capitalizar, a que o Governo tem dado sequência. Trata-se de encontrar soluções para que um conjunto de incentivos fortes que existem às pequenas e médias empresas (PME) não acabem porque de repente a empresa deixou de ser PME e deixou de qualificar para um ou dois dos critérios fundamentais, que são o nível de emprego e o volume de vendas. [Estes indicadores] põem um teto à dimensão das empresas.
O facto de se perderem esses incentivos trava o crescimento das empresas?
Trava. Tudo o que seja diminuir incentivos trava, tudo o que seja aumentar incentivos acelera. Muitas vezes não é por decisões caso a caso completamente racionais, mas é o ambiente geral e a vontade de fazer. Há que trabalhar seriamente nesse conjunto de incentivos e no seu alargamento. Não estou a dizer que devam ser exatamente os mesmos e na mesma dose. Mas era ideal que não passassem de tudo para nada naquela fronteira. Porque uma coisa são as grandes empresas — e as grandes empresas portuguesas mesmo assim não são muito grandes quando pensamos a nível europeu e ainda menos a nível mundial. Outra coisa sã as PME, um critério comum a toda a União Europeia. Mas depois há um conjunto no meio, que é muito importante no fortalecimento do tecido económico de um país. E essas mid-caps, como muitas vezes são chamadas, devem ser também incentivadas, promovidas e quantas mais houver melhor, porque mais robustez dão ao tecido empresarial de um país.
Há que encontrar soluções para que um conjunto de incentivos fortes que existem às pequenas e médias empresas não acabem porque de repente a empresa deixou de ser PME.
Seria bom um faseamento de incentivos?
Sim, encontrar um caminho para continuar a apoiar. Podem ser incentivos ao investimento ou ao emprego, à investigação ou ao desenvolvimento, que tipicamente existem para as PME. Mas estamos também a falar de estruturas de financiamento que ajudem as empresas a crescer para essas dimensões. Porque muitas vezes as empresas nascem, alguém as originou, esse alguém fá-las crescer até uma certa dimensão e depois o passo seguinte já levanta outros desafios. Levanta uma série de questões que têm a ver com o tipo de gestão, os recursos humanos mais qualificados, com os capitais que há disponíveis. Há um todo em termos de criação do ambiente que é mais do que só incentivos no sentido estrito do termo.
A inovação continua a ser um elemento chave?
Hoje é consensual que o crescimento baseado em inovação tem mais potencial e cria maior valor. Incorporar inovação, no sentido mais lato do termo, baseada no conhecimento, questões que têm muito a ver com a preparação de base, a investigação, mas no sentido da sua aplicação a uma atividade económica e rentabilização, produz melhores resultados do que tentar o crescimento sem esses elementos. Esta consciência foi o que fez criar a COTEC há quase 14 anos. Na altura, esta consciência não era tão alargada na sociedade portuguesa como é hoje. Essa já não é uma mensagem que tenha de ser passada no sentido estrito de convencer o país de que isso é positivo. O que é preciso é, e por isso uma associação como a COTEC fazia sentido quando foi criada e continua a fazer sentido estes anos depois, em cada momento encontrar os temas que devem ser trabalhados para se traduzir na prática nessa capacidade de incorporar inovação e conhecimento dentro das empresas. A resposta à sua pergunta é: sem dúvida. Se todas as empresas portuguesas estão na prática a funcionar tendo isto presente? Não. E por isso é que há trabalho para fazer e estamos sempre ativos a tentar que o número de empresas boas e dinâmicas vá crescendo. Mas muitas existem e há muitos casos de sucesso para mostrar.
O que é que impede as empresas portuguesas de serem mais inovadoras? O que é que lhes falta?
Tudo o que é mudança traz sempre mais dificuldade do que continuar a fazer como se fazia. Esta incorporação da necessidade de mudança, e mudança acelerada, é, em sentido lato, a questão que está fundamentalmente por trás. Há lideres mais inovadores, há estruturas de gestão que permitem incorporar, há dimensões com massa crítica mínima para permitir investimentos quer em recursos físicos, quer humanos, que algumas [empresas] não terão. Há várias condicionantes, mas que não são imutáveis. O trabalho permanente e a consciencialização e a demonstração de resultados, a observação de melhores práticas, a vivência de experiências e a colaboração para que essa inovação possa ser feita, mesmo numa escala mais pequena. Muitas vezes não é só uma questão financeira, é uma questão de ter acesso a experiências e conhecimento que sozinhos não teriam porque há várias complementaridades — é o que vemos nos países mais bem-sucedidos. Portanto, o nosso objetivo, aquilo que fazemos todos os dias com os nossos associados e junto dos poderes públicos e das universidades, é fomentar o mais possível a criação destas condições.
Temos recursos humanos formados para darem esse input às empresas ou há um desencontro que ainda é preciso resolver?
Há diferentes realidades em diferentes partes da população. Claramente, temos recursos muito qualificados para essa vertente, pessoas com grande capacidade de fazer acontecer as coisas. [Mas] temos outras que têm atividade há largos anos num padrão diferente e que terão de algum modo ser encontradas formas de os atualizar em competências. Essa questão cruza com a revolução digital em que estamos envolvidos e que levanta exigências de competências que não eram necessárias há dez anos. Não só essas competências adicionais têm vantagens adicionais, como dentro em breve quem não as tem está fora do que serão os requisitos básicos para ter emprego sustentável. Há um esforço nacional nessa frente que é bastante importante.
Que setores de atividade são mais dinâmicos neste sentido?
A questão não é tanto o setor A ou o B, vemos boas empresas em múltiplos setores. Mas curiosamente vemos muito boas empresas em setores que eram considerados como indústrias tradicionais — e num certo sentido são, porque já existem há muitos anos em Portugal — mas hoje são formados em boa parte por empresas muito dinâmicas e inovadoras. Nós COTEC temos um papel central na iniciativa Indústria 4.0. E aí temos um observatório muito próximo da realidade, quer através de todos o setores, quer dos quatro clusters que foram identificados e trabalhados, onde estão atividades como o turismo, que está a evoluir de forma muito significativa. O aumento da procura no turismo não é só por acaso ou porque outros países, por razões de segurança, tiveram dificuldades. É também por muito trabalho positivo feito internamente. Mas temos também atividades ligadas à produção de automóveis, de equipamentos, onde temos empresas que se batem em tecnologia de ponta, sendo fornecedores dos principais produtores de automóveis do mundo, de igual para igual. Com produção e conceção portuguesa de tecidos, têxteis especializados, que hoje não têm nada a ver com a ideia que tínhamos dos têxteis há umas décadas.
Como é que está a correr a iniciativa Indústria 4.0?
Está a evoluir a bom ritmo. As fases de diagnóstico e de preparação da iniciativa estão terminadas e agora está-se a começar na concretização das várias medidas definidas.
O que é facto é que vemos que o Governo tem tido não só uma preocupação anunciada, mas factos, a nível do controlo do orçamento e do défice, bastante estrito. E isso é algo que os empresários vêm sempre bem.
A solução de Governo encontrada por António Costa também foi inovadora. Os empresários confiam nela?
Em termos de comentário político, não acho que o deva fazer. Em termos concretos, o que é facto é que vemos que o Governo tem tido não só uma preocupação anunciada, mas factos, a nível do controlo do orçamento e do défice, bastante estrito. E isso é algo que os empresários vêm sempre bem, pelas razões que falámos no princípio. Em termos de outras políticas, a gestão tem sido dentro do que se pode esperar nessa frente e o crescimento e o investimento estão aí com dados. A diminuição do desemprego, através da criação de empregos e não só através de outros fatores, também está aí. Tudo isto resulta de um ambiente económico no qual as empresas têm funcionado. Mais do que estar com opiniões próprias ou apreciações subjetivas acho que devemos olhar para os dados. Esperemos que continue muito tempo.
Vê as empresas com capacidade e vontade de continuar a investir? De investir mais este ano do que no anterior?
Não tenho dados para lhe responder a isso.
Mas qual é o seu sentimento?
Se o investimento privado está a subir há de ser consequência deste tipo de iniciativas.
Agora um desafio: deixe uma palavra para…
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Empresários confiam no Governo? “Mais que opiniões, devemos olhar para os dados”
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