Será um ano difícil para a hotelaria, que se depara com a falta de reservas e com perdas de vários milhões de euros. Deverá haver ajustes de preços, mas nada significativo, diz Cristina Siza Vieira.
A hotelaria está a ser fortemente prejudicada pela crise provocada pelo coronavírus e, para este verão, o cenário é bastante desanimador. Ao ECO, a CEO da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Cristina Siza Vieira, adianta que não há reservas e, face a isso, os hotéis terão de se adaptar, podendo ajustar os preços através de campanhas especiais. Contudo, não serão descidas muito significativas, sublinha. Este já é um ano perdido para a hotelaria e uma recuperação não demorará menos de um ano e meio.
Qual foi o impacto da pandemia na hotelaria nacional? Quantos milhões se perderam nestes dois meses de paragem?
Vamos agora para a terceira fase do inquérito sobre o impacto na hotelaria e, na segunda fase, ou seja, de março até 30 de junho estimam-se dois cenários: um com uma quebra de 80% na taxa de ocupação e outro com uma quebra de 90%. O volume de room nights perdidas na hotelaria era de 11,8 milhões (quebra de 80%) a 13,1 milhões (quebra de 90%).
Em termos receitas, quase 40% das receitas da hotelaria vêm de eventos, reuniões, etc. E a quebra nas receitas é sempre mais expressiva do que na taxa de ocupação. E segundo o inquérito, até ao fim do primeiro semestre tínhamos a estimativa de uma perda de 1,28 mil milhões (quebra de 80%) e de 1,44 milhões de euros (quebra de 90%). Isto era a previsão que se tinha na altura.
Na altura também tínhamos cerca de 85% dos trabalhadores em lay-off, com 94% dos hoteleiros a admitir no início de abril que ia aderir ao lay-off. Mas a nossa estimativa é que, dos cerca de 60 mil trabalhadores certos e permanentes, no início de abril estavam cerca de 51 mil em lay-off. Neste momento acho que estão 90% de trabalhadores em lay-off.
Houve muitos hotéis que não resistiram? Há muitas falências?
Neste momento não sabemos. Mas a nossa convicção é que não há ainda empresas de alojamento hoteleiro que tenham encerrado portas com caráter definitivo. A nossa convicção é que recorreram a linhas de apoio e de financiamento à economia. O primeiro pacote esgotou-se e a segunda linha abriu a 5 de maio. Para os restaurantes foram 600 milhões de euros e para o alojamento foram 900 milhões. Houve uma grande procura, o que significa que há expectativa que as linhas de apoio e financiamento tenham servido para sustentar as empresas nesta fase.
Alguns hotéis estão a prever fazer alguma experimentação para junho. No fundo é uma avaliação do custo-benefício. Alguns estão a ter procura por parte do turismo nacional e vão experimentar ver como o mercado se vai comportar nos feriados de junho.
Alguns hotéis já estão a reabrir. Há condições para o fazer?
Alguns estão a prever fazer alguma experimentação para junho. No fundo é uma avaliação do custo-benefício. Alguns estão a ter procura por parte do turismo nacional e vão experimentar ver como o mercado se vai comportar nos feriados de junho. Se pensarmos que os Pestanas são 30 e vão abrir cerca de dez, consegue-se perceber pelo andar da carruagem que vão ser poucos a abrir. E muito vão abrir apenas parcialmente. No centro do país alguns abrem a 10%, com apenas alguns quartos e alguns andares. Só para responder a esta procura do mercado nacional.
As condições são bastante difíceis. Por um lado, as fronteiras terrestres estão fechadas, Espanha decretou quarentena e renovou o estado de emergência. O mercado espanhol dificilmente virá para já, embora haja muita vontade. Percebemos que há bastantes buscas [de reservas] para Portugal. Embora haja algum transporte aéreo que já se foi verificando, o encerramento das fronteiras é o principal constrangimento.
Para junho há alguma expectativa para a segunda quinzena, mas ainda é muito modesta. Algumas das aberturas são mais por uma questão de terem os hotéis parados e têm alguma expectativa [de retoma da atividade], mesmo com a muito baixa taxa de ocupação. Seja para testar as equipas, verificar os equipamentos e perceber como é que a operação se pode fazer. Mas a previsão é muito baixa.
Quanto dinheiro foi gasto já para cumprir regras de higienização especiais?
Essa é uma das perguntas que nós temos.
O selo “Clean & Safe” foi criado para dar mais garantias ao hóspede. Acredita que vai ser um fator de decisão na hora de escolher um alojamento?
Neste momento a expectativa é que 100% da indústria venha a ter esse selo. É uma garantia muitíssimo forte e um instrumento de comunicação muito poderoso, emitido pela autoridade turística nacional. O próprio Turismo de Portugal ganhou variadíssimos prémios como sendo a melhor entidades gestora a nível europeu. E ter um selo credenciado pela própria Direção Geral de Saúde (DGS), trabalhado com a indústria, que fixa os indicadores higiossanitários e emitidos pela autoridade turística, tem um valor fortíssimo. Há vários países que gostariam de repetir este nosso exemplo. Vai ser decisivo corroborando a muito boa imagem que Portugal teve na gestão desta crise.
E a ideia interessante é que o selo se estenda para lá da indústria do alojamento a todos os outros subsetores. Há a intenção que todo o turismo venha a ter este selo. Foi lançado a 24 de abril e no final da semana passada já havia mais de 3.500 selos, dos quais 1.470 atribuídos a empreendimentos turísticos. Já sabemos que vai para rent-a-car, campos de golfe, áreas de serviço, alojamento local, etc. De facto é um instrumento de comunicação muito forte. Mas é preciso notar que este selo não é uma certificação. É voluntário, um acompanhamento que o Turismo de Portugal faz e é um compromisso por parte dos operadores. Neste caso dos alojamentos hoteleiros e empreendimentos turísticos, [é um compromisso] de que vão cumprir aquelas normas, ter um protocolo de como as coisas vão correr em cada um dos corredores. É um compromisso de cada hotel.
Mas há outra coisa muito importante a salientar. Os nossos estabelecimentos têm uma classificação elevadíssima em termos de higiene e limpeza. Temos muitas normas e, de facto, o protocolo é muito exigente em termos de normas de higiene e segurança. Portanto, este passo à frente que estamos a dar é algo mais do que a desinfeção. Mas os hotéis não se vão transformar em hospitais. Os instrumentos de desinfeção são fundamentais para transmitir a ideia de segurança e proteção. Por outro lado, é uma situação de risco partilhado. Por muita preocupação que haja, e há, em transmitir aos clientes que os protocolos estão muito bem estruturados e assimilados, há algum risco que as pessoas correm sempre. Temos aqui uma situação de risco partilhado. Por muito que as as companhias aéreas, as infraestruturas aeroportuárias, os táxis, os restaurantes e os hotéis cumpram as normas higiossanitárias, temos tido uma preocupação máxima com a higiene e a segurança.
Os [hotéis] que não vão ter o selo, ou que optam por não o ter, terão muito mais “trabalho” para convencer o cliente de que também cumprem todas as normas.
Mas acredita que o selo será um fator decisivo na escolha do alojamento?
Acho que sim. Francamente, acho que sim. Os [hotéis] que não vão ter o selo, ou que optam por não o ter, terão muito mais “trabalho” para convencer o cliente de que também cumprem todas as normas. Enquanto quem já tem o selo, o cliente parte do pressuposto que as condições estão cumpridas. Vai ser um fator de escolha de certeza.
Os apoios que estão a ser dados ao setor são suficientes? Ao que é que ainda falta dar resposta?
Nós temos medidas propostas às autarquias e temos umas de fundo. Mas visto que estamos com uma previsão de baixíssima taxa de ocupação para o verão, há necessidade de uma extensão do lay-off. O Governo tem falado que está a equacionar outras medidas.
Depois há outra parte, que não são as medidas de apoio direto ao setor, mas que são fundamentais conhecermos. Como as normas de abertura de outros equipamentos dos hotéis, como ginásios, piscinas e kids clubs. As pessoas vão para os hotéis para usufruir destes espaços. É fundamental que haja normas que sejam conhecidas e razoáveis do ponto de vista económico. Não são medidas de apoio direto ao setor, mas são fundamentais. É urgente definirem-se essas normas, porque têm um grande impacto na operação. Precisamos de saber como é que podem abrir esses espaços.
O primeiro-ministro já afirmou que as piscinas são seguras…
Já sabemos disso. Mas a questão é que ainda não estão definidas as formas de estes espaços abrirem. Os balneários abrem, ou não? Quais são as normas para a higienização das piscinas? Além disso há a questão da concentração, do rácio de pessoas. Tal como nos restaurantes há definição do número de clientes, e sobretudo da capacidade, também aqui é necessário que haja orientações sobre a capacidade destes espaços. Temos vários hotéis no Algarve com várias piscinas e é necessário perceber se há sistemas em que temos de reduzir a capacidade.
As espreguiçadeiras, os chapéus-de-sol, etc. Há uma série de equipamentos que temos de gerir a capacidade. Mas estimamos que seja razoável e que não nos obrigue a reduzir a capacidade de forma significativa. Se tivermos 30% ou 40% de ocupação nos hotéis seria maravilhoso e o uso destes espaços não representa uma sobrecarga. Infelizmente tomara a nós podermos dizer que podemos ocupar quarto sim, quarto não. Não vamos ter sequer ocupação para mais. A procura vai ficar aquém da capacidade máxima.
Com a capacidade limitada, preços vão subir? Ou necessidade de receita obriga a descontos?
Cada hotel vai ter a sua política de preços. Mas o preço não vai ser determinante, embora todo o mercado nacional seja sensível ao preço. É natural que haja um ajustamento dos preços em relação à procura, mas não vai ser proativamente. Vai haver campanhas e ofertas especiais. Mas não sei se os hotéis vão enveredar nisso e não é essa a expectativa, de uma quebra brutal de preços. De facto há vários outros fatores que condicionam a procura. É natural, no entanto, que haja um ajustamento da política de preços, de bookings e promoções. Isso é natural que vá havendo, como há sempre em alturas de quebra da procura. Mas não é expectável que haja assim, de repente, uma descida abrupta dos preços, até porque os custos de operação são pesados. Os custos fixos e ainda uns que vão acrescer com as medidas de higienização. É preciso mais pessoas, mais equipamentos e mais produtos para limpar um quarto. Portanto, há toda uma série de custos de operação. No fundo, como dizemos, é preciso fazer contas para saber se vale a pena manter o hotel aberto com estes custos que são pesados.
Poderá haver um ajustamento. Mas os preços poderão descer?
Não creio. Admito que haja um ajustamento dos preços, por força das promoções e campanhas especiais. Mas não é expectável que haja grandes flutuações do chamado PVP [preço de venda ao público]. Claro que vai haver alguns ajustamentos, não tenho dúvidas, mas dentro do que se afigura ser o razoável em razão da procura, mas não preços como havia antigamente, em 2011 ou 2012. Não vai ser um fator determinante. Já sabemos que a procura vai ser mesmo baixa, independentemente do preço. Embora, mais uma vez, será natural que haja ajustamento dos preços para baixo. Não digo que não haja. Mas não vai ser de repente, pelo menos a nossa convicção é essa, para já. Mas cada hotel é que sabe como fecha as contas e qual é o equilíbrio.
Vai mudar tudo. Desde o acolhimento ao cliente, ao room service, aos protocolos, aos bagageiros, à forma como é feita a limpeza dos quartos, à forma como é colocado o pequeno-almoço. Tudo vai mudar na hotelaria.
O que vai mudar na logística dos hotéis?
Tudo! Vai mudar tudo. Desde o acolhimento ao cliente, ao room service, aos protocolos, aos bagageiros, à forma como é feita a limpeza dos quartos, à forma como é colocado o pequeno-almoço. Tudo vai mudar na hotelaria, menos a simpatia e a arte de bem servir.
Houve um aumento de hotéis all inclusive nos últimos anos. Isso acabou com o vírus?
Não somos a República Dominicana. Alguns hotéis, como o Pestana, o Vila Galé e outros, têm essa oferta específica, porque há uma procura específica. Mas não é a forma geral de operar em Portugal. Portugal tem destinos de montanha, passeio, saúde, turismo religioso e de cidade, etc. E isso só nas zonas muito de praia.
De qualquer maneira, os hotéis all inclusive, como os configurávamos, ou seja, uma pulseirinha e andar a circular e ter a comida sempre disponível e os buffets sempre abertos. Isso, de facto, não é possível. Portanto, esse modelo all inclusive, quer em Portugal, quer no resto do mundo, neste momento não pode operar assim. Uma questão diferente é ter pensão completa ou meia pensão, que não é all inclusive. Tal como o conhecemos, o modelo do all inclusive, acabou. Agora, como é que ele vai ser configurado, isso ainda estamos a ver.
Há um aumento da procura por turismo mais isolado, nomeadamente com recurso a resorts que oferecem vivendas com piscina privada?
Não trabalhamos com essa informação, mas podemos especular e dizer que o que temos lido é um bocado isso. Por isso é que as pousadas e os hotéis rurais vão abrir. Porque têm mais áreas comuns, mais amplas, não são hotéis verticais e têm espaços exteriores onde é possível a vivência exterior com distanciamento social. É natural que isso aconteça. Os hotéis que estão melhor posicionados para isso são hotéis rurais, resorts e turismo de habitação. Os hotéis de cidade não têm, de facto, essas condições. Portanto, à partida, diríamos que os hotéis que são mais pequenos e com mais espaço exterior ou os resorts são quem conseguem cumprir, neste momento, melhor essas condições de distanciamento.
Quando é que a hotelaria vai recuperar todo o dinheiro perdido estes meses?
Essa é a one million dolar question, de quando vamos retomar os preços pré-Covid e a dinâmica de crescimento pré-Covid. Há quem diga ano e meio, há quem diga final de 2021 e até metade de 2022. Há quem diga que tudo vai depender da questão da vacina ou do medicamento. De facto, há várias variáveis no horizonte. Mas, à partida, não se estima menos de um ano e meio, dois anos, para conseguirmos recuperar algum ritmo. Não sei se vai ser na íntegra ou se ainda conseguiremos até ao final de 2022 retomar o ao pré-Covid. Mas há muitas variáveis no horizonte e a questão da vacina é, seguramente, uma delas. E como a vacina, como se diz, ainda demora até estar no mercado, cerca de 18 meses, há aqui algumas condicionantes. Costumo dizer que cada dia vale um ano. As informações estão muito flutuantes. Ainda há pouco tempo as máscaras eram desaconselhadas e agora são imperativas. Nós estamos aqui a gerir muitas incógnitas. E uma delas é também a recuperação económico-financeira.
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Haverá “ajustes”, mas não uma “descida abrupta dos preços” dos hotéis, diz CEO da AHP
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