Presidente da Endesa diz que não houve contacto com a EDP no sentido de uma fusão, considerando "lógico" que tal não tenha acontecido tendo em conta que são empresas fortes nos mercados em que operam.
O setor da energia está em ebulição perante os rumores relacionados com movimentos de consolidação que também já chegaram à portuguesa EDP. Apesar dos vários potenciais “noivos” que têm sido atribuídos à elétrica portuguesa, a Endesa não terá sido um deles. Quem o afirmou foi o próprio presidente da Endesa, Nuno Ribeiro da Silva, em entrevista ao ECO24 nesta quarta-feira à noite.
O responsável da energética espanhola diz que a sua empresa “não fez” qualquer contacto no sentido de averiguar a possibilidade de uma eventual fusão entre as duas energéticas da Península Ibérica, salientando que essa realidade acaba por ser “lógica”.
Nuno Ribeiro da Silva justifica essa lógica com a forte presença de ambas as empresas em mercados coincidentes. “O grupo Enel é um grupo muito forte na América Latina, em Itália, em países de leste, e na Península ibérica, por via do braço Endesa. Ora, a EDP também é bastante forte em Portugal, em Espanha e também muito relevante nos países da América latina“.
O esclarecimento prestado por Nuno Ribeiro da Silva surge após os rumores que circulavam no mercado de que a Enel, grupo italiano que integra a Endesa estaria interessado em ficar com a atividade portuguesa da EDP, ficando o remanescente nas mãos dos acionistas chineses, algo que Nuno Ribeiro da Silva nega estar em cima da mesa.
Mas o responsável não estranha o apetite que se tem gerado em torno da elétrica liderada por António Mexia, valorizando a sua atuação. “Julgo que a EDP está com excelentes condições no que tem feito na América e Península ibérica”, começa por dizer, acrescentando que, contudo, “não há dinheiro para ir a todas“. Nesse sentido, o presidente da Endesa considera que “é expectável que haja um pouquinho de consolidação nos mercados em que já estamos e que seja um pouco essa a estratégia“.
Manutenção das centrais elétricas em avaliação
Outro dos temas que marcaram a entrevista ao ECO24 relaciona-se com a recente decisão tomada pelo Governo de suspender em 2018 a garantia de potência paga às centrais elétricas para estarem sempre disponíveis para produzir. A EDP e também a Endesa são as empresas afetadas por essa decisão. Relativamente a este tema, Nuno Ribeiro da Silva é bastante crítico.
O que o Estado exige é que eu, que tenho uma central a carvão e a gás, esteja 365 dias e 24 horas por dia pronto para uma chamada do operador de sistema, a REN, em qualquer altura. Agora vêm dizer que isso não se paga, mas a obrigação mantém-se.
“O que o Estado exige é que eu, que tenho uma central a carvão e a gás, esteja 365 dias e 24 horas por dia pronto uma chamada do operador de sistema, que é a REN, em qualquer altura. Agora vêm dizer que isso não se paga, mas a obrigação mantém-se”, começa por dizer. “Pergunto: pago a uma pessoa do corpo policial só quando há ladrões, ou pago a um bombeiro só quando ele está a apagar fogos? Isto é um serviço de segurança ao sistema”, justifica Nuno Ribeiro da Silva, acrescentando que o pagamento que o Estado vem agora suspender “não é um subsídio” e que este “nem sequer paga os custos”.
Perante este cenário, o presidente da Endesa diz que vai reavaliar o papel da Endesa neste âmbito. “Não vamos recorrer para tribunal. Mas ficamos tristes e vamos fazer contas. Para ver se vale a pena ter estas centrais disponíveis para o sistema”.
Concorrência “feroz” no segmento de grandes consumidores
A EDP controla atualmente a grande maioria do mercado de eletricidade nacional, cabendo à Endesa a segunda posição nesse ranking, a grande distância, com 20% do mercado elétrico português. Mas Nuno Ribeiro da Silva diz que tal não é transversal a todos os segmentos, salientando que a empresa que lidera está à frente da EDP nos segmentos industriais.
Contudo, reconhece que a EDP é “esmagadora” no segmento de clientes domésticos, salientando ser difícil derrotar, “quem está a jogar em casa e parte com 100% dos clientes”. “Para conquistar um cliente gasto em termos comerciais 50/60 euros para recuperar esse investimento preciso de tê-lo um ano e meio comigo. A EDP não tem de fazer esse esforço, porque a EDP parte da base de ter 100% dos clientes — EDP Serviço Universal — e muda o cliente para a EDP Comercial ao toque de um clique. Eu tenho de me esfalfar e gastar 50 a 60 euros”, explica.
Para conquistar um cliente gasto em termos comerciais 50/60 euros para recuperar esse investimento preciso de tê-lo um ano e meio comigo. A EDP não tem de fazer esse esforço, porque a EDP parte da base de ter 100% dos clientes – EDP Serviço Universal – e muda o cliente para a EDP Comercial ao toque de um clique. Eu tenho que me esfalfar e gastar 50 a 60 euros.
A área em que Nuno Ribeiro da Silva diz haver maior concorrência é ao nível de segmentos de grandes consumidores. “Aí há uma concorrência feroz. E pode perguntar a grandes e médios clientes nossos. É um combate muito duro até ao último minuto de decisão do conselho de administração dos nossos clientes”, diz a esse propósito. “No segmento doméstico também há concorrência bastante aguda, mas nos segmentos premium é à dentada“, diz ainda.
Outro dos aspetos em que o presidente da Endesa se mostra crítico é relativamente à elevada tributação que está incluída na fatura de eletricidade. “Na fatura que pagamos e no preço final que lá vem, 60% são impostos e taxas”, esclarece, cabendo às empresas operadoras a restante parcela de 40%.
Quando questionado sobre o preço da eletricidade em Portugal, contraria aquele que é o senso comum sobre esse tema que atribui a liderança a nível europeu. “Portugal não é o mais caro em termos de fatura, é o sexto/sétimo em ex aequo com a Espanha, diz referindo a atualização dos números atualizados de Bruxelas sobre os preços médios da eletricidade para um consumidor doméstico. No que respeita aos custos industriais, Portugal é o vigésimo mais barato, acrescenta, salientando contudo que, no que toca a impostos e taxas Portugal ocupa o terceiro lugar. “Só a Alemanha e a Dinamarca têm impostos sobre a eletricidade mais caros do que em Portugal”, refere.
Já relativamente à decisão do Governo em permitir que os consumidores pudessem voltar ao mercado regularizado, Nuno Ribeiro da Silva diz que “é uma medida inédita na Europa”, dizendo ainda considerar “mais do que paradoxal” o facto de “esta reengenharia” ter sido tomada é quando foi publicado pela ERSE que a Endesa tem tarifas mais baixas no mercado liberalizado do que o mercado regulado.
Refere ainda que muito poucas pessoas voltaram ao mercado regulado, classificando a decisão do Executivo como “uma bandeira para a ‘primeira página’ do dia seguinte” e que “não está a defender os consumidores”.
Há que manter a estabilidade jurídica
No que respeita ao momento positivo que a economia portuguesa vive, Nuno Ribeiro da Silva diz tratarem-se de “astros alinhados do quais temos tirado bom proveito” e que resultam do “mérito e da boa conjugação de fatores”. Contudo, diz que “para Portugal tirar proveito do facto de estar na moda”, há alguns aspetos fundamentais que têm de ser preservados “seja com que formato governativo” for.
Neste âmbito salienta a necessidade de haver estabilidade e previsibilidade jurídica. “Não podemos ter episódios como o das centrais ou como no orçamento em que, de repente, alguém decide que não é assim daqui para a frente e aplicar com efeitos retroativos”. “É furar o princípio básico do Estado de direito”, critica.
Relativamente à ida de Portugal ao mercado nesta quarta-feira para colocar dívida, operação que contou com uma elevada procura, Nuno Ribeiro da Silva diz que “é uma excelente notícia”, mas acrescenta que “não nos podemos embriagar com isso“. “O racional que leva a termos esse sex appeal dos investidores tem um racional diferente do senhor Francisco, do senhor Pablo ou do senhor Marcel, que pretendem desenvolver um negócio em Portugal”, especifica.
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Nuno Ribeiro da Silva: “Não houve contactos para fusão com a EDP”
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