Nuno Teles é Chief Marketing Officer da Heineken nos EUA e gere 370 milhões de dólares de orçamento. Integra o Conselho da Diáspora e quer trazer para Portugal a produção audiovisual de publicidade.
Nuno Teles é um português no topo do mundo, lidera o marketing da Heineken nos EUA há três anos, é um dos 50 Chief Marketing Officer (CMO) mais influentes do país e gere um orçamento de 370 milhões de dólares por ano. O que está a fazer em Portugal, e por Portugal? Integra o Conselho da Diáspora – um ‘clube’ com gestores e empresários portugueses pelo mundo – e lidera o grupo da publicidade. O objetivo é transformar Portugal num hub mundial da produção audiovisual e dos filmes publicitários. Nesta entrevista exclusiva ao ECO, Nuno Teles afirma que a primeira das barreiras a vencer é a da credibilidade e confiança de que Portugal é capaz de garantir uma produção de qualidade.
Como é que entrou no Conselho da Diáspora?
O convite surgiu por parte do Filipe de Botton [presidente do Conselho da Diáspora] para desenvolver um setor especifico em portugal, de media e audiovisual. Nós, na Heineken, fazemos grande parte da nossa produção em Los Angeles, mas Los Angeles acaba por estar tão longe de Nova Iorque como Lisboa. Partilhei com o Filipe esta situação e, neste contexto, perguntamo-nos porque é que há esta tendência de filmar em Los Angeles e porque é que não levamos o talento e fazemos esta produção em Portugal. O clima é igualmente bom, a população é 43% hispânica, portanto também aí não há muita diferença e aí também surgiu esta ideia…
…De desenvolver, em particular, esse grupo de produção audiovisual?
Exatamente. A diáspora tem um papel significativo no desenvolvimento dos vários setores, Portugal pode ter grande competitividade, e eu já vejo alguns países da Europa nesta área de produção de filmes publicitários a ter uma vantagem competitiva. Pergunto-me a mim mesmo porque é que não desenvolvemos o setor em Portugal.
Quais são os fatores e vantagens competitivas desses países?
Acabam por ser os meios técnicos e experiência acumulada de alguns realizadores. Aqui, em Los Angeles, temos sempre as agências de publicidade, os realizadores e os diretores de produção e o talento. A Heineken filmou com o Silvester Stalone e ele, pura e simplesmente, não se desloca fora de Los Angeles. Mas, não tendo a barreira do talento, porque muitos filmes de publicidade não têm celebridades, temos o desafio dos produtores e dos realizadores, não é? Muitas vezes, querem determinado equipamento, determinado tipo de condições e isso significa que as condições não estão todas reunidas no caso de Portugal.
Existe ainda alguma necessidade de convencer outros stakeholders das empresas, nomeadamente departamento de compras. Nos Estados Unidos, quando me dirijo ao departamento de compras, a pergunta é ‘Porquê Portugal? Porque não o México, que está mais perto?’
Mas há disponibilidade dos realizadores para olharem para a Europa e para Portugal, em particular?
Claramente que sim, claramente que sim. Porque as condições estão cá — bons aeroportos, bons hotéis, há equipamento, e há organização da indústria para que isso aconteça. Portanto, começo a ver que está ao nosso alcance. Existe ainda alguma necessidade de convencer outros stakeholders das empresas, nomeadamente departamento de compras. Nos Estados Unidos, quando me dirijo ao departamento de compras, a pergunta é ‘Porquê Portugal? Porque não o México, que está mais perto?’
Como se vende Portugal?
Pedi para fazer uma comparação entre várias países, com base em vários critérios: Estúdios? Seguros e tempo? Equipamento… No fundo, disponibilidade ou não do realizador. Os dez ou 15 critérios mais determinantes para a alocação de um trabalho, e depois pedi para compararem vários países e, então, para perceber onde nós tínhamos que melhorar, e partilhei isto com o Conselho da Diáspora. A ideia não é tanto ultrapassar obstáculos só pela ideia de ultrapassar obstáculos, é identificar essas barreiras e perceber o que podemos fazer e a quem podemos pedir ajuda para ultrapassar essas barreiras. Se uma das barreiras fosse “não existem hotéis”, que não é de todo… poderíamos dirigir-nos ao setor do turismo e perguntar como poderíamos ultrapassar esta barreira. Ou se fosse “não existe equipamento suficiente”, como é que podemos recorrer por exemplo a agências de produção em Espanha. E muitas vezes o que acontece é que a subcontratação do trabalho português via agências em Espanha é a coisa que mais me deixa…
… Porque o valor fica, depois, em Espanha?
Sim, porque a cadeia de valor fica toda em Espanha. É isso que tenho agora aprofundar e perceber. No fundo, o trabalho no âmbito da Diáspora é ir ao detalhe perceber quais é que são essas barreiras, ou onde é que não estamos a ter a dita vantagem competitiva e perceber o que podemos fazer para ter.
Há alguma barreira óbvia que já hoje identificam e sobre a qual estejam a trabalhar?
A credibilidade, confiança de que o trabalho vai ser bem feito, acaba por ser um aspeto muito importante, e daí termos falado com o grupo WPP para avaliar da possibilidade de o país ter uma espécie de ‘selo de confiança’ para a realização de filmes em Portugal. No fundo, estamos a tentar ir ao detalhe da barreira que identificamos — a credibilidade, a confiança de que o trabalho vai ser executado com o padrão de qualidade — e estudar como é que podemos convencer os grupos mais importantes, como o WPP, a Omnicom ou a Publicis.
Para prestarem um carimbo de credibilidade?
Sim, sim. E, depois, o que é muito interessante é encontrar casos de sucesso para usá-los como referência. No fundo, é preciso começar por ter um piloto, um exemplo, de sucesso. A Heineken fez a campanha do ator Neil Patrick Harris em Los Angeles. Ele mora em Nova Iorque, em seis horas estava aqui em Lisboa, aterrava num aeroporto privado, fazíamos as filmagens e voltávamos. O fuso horário é um bocadinho diferente em relação a Los Angeles, são quatro horas em vez de três horas, mas a diferença é mínima. A qualidade era igual ou melhor e a um custo mais competitivo.
Aquela prioridade que me parece mais óbvia é conseguir garantir perante os decisores no processo — quer da parte das agências, quer da parte interna das empresas — a relevância de Portugal como localização alternativa para a produção audiovisual.
Integra o grupo de media e audiovisual do Conselho da Diáspora. Qual é o estado da arte dos trabalhos?
O grupo tem o subgrupo da publicidade, que estou a liderar, e também os do cinema e da arte e produção audiovisual, que não se enquadra nem no cinema, nem na publicidade. No grupo da publicidade, temos identificadas as barreiras, aquilo que nos está a impedir de angariar mais trabalho que outros países da Europa e também da América quer do Norte, quer do Sul, e agora estamos a trabalhar em como ultrapassar essas barreiras. Aquela que me parece mais óbvia é conseguir garantir perante os decisores no processo — quer da parte das agências, quer da parte interna das empresas — a relevância de Portugal como localização alternativa. Eu faço parte de um board da Associação Americana dos Anunciantes, a ANA [Association of National Advertisers], o chairman da associação é da Procter and Gamble e temos basicamente todos os anunciantes de peso dos EUA.
E o que faz nessa associação?
Vou além do papel de Chief Marketing Officer (CMO) da Heineken, tento falar com os meus colegas para perceber as oportunidades para o país. Todos nós, hoje, tentamos encontrar eficiências ao nível da produção, aquilo a que chamamos os ‘non-working dollars’. Se encontramos eficiências ao nível da pós-produção, porque é que não encontramos hubs de produção? Se esses hubs existirem, a eficiência vai aumentar, porque, a partir daí, é tudo mais rodado – os aeroportos são mais rodados, as empresas estão mais rodadas e criamos todo um leque de serviços. O hub é o que faz mais sentido.
A Heineken tem algum projeto para Portugal nos próximos meses na produção de filmes publicitários?
Só nos EUA fazemos cerca de 20 filmes publicitários por ano, ora, se estivermos a falar de um ‘budget’ de um milhão de dólares por filme publicitário, estamos a falar facilmente de um mercado de vinte milhões de dólares. Se encontrássemos dez empresas de um calibre parecido ao da Heineken, estávamos a falar de 200 milhões de dólares por ano, e se a memória não me falha, é quase dez vezes mais do que vale o mercado atual.
Eu faço um paralelismo com o turismo. Portugal é um país seguro, é um país com bom clima, com restaurantes, e tudo contribui para o sucesso do turismo. Eu estive recentemente em Amesterdão e os holandeses perguntavam-me: o que é que aconteceu em Portugal, agora toda a gente quer ir para Portugal? Tem bons restaurantes, hotéis, ajuda ter as praias, a segurança… Hoje, ainda tenho uma série de barreiras para realizar filmes em Portugal, quer ao nível das agências de publicidade, quer na Heineken. Portugal pode ser um hub de produção audiovisual. O que quero é que, dentro de um ano, esses stakeholders, de forma quase espontânea, digam “se eu quero produzir com boa qualidade a um preço competitivo, eu vou a Portugal”. E se a Coca-Cola fizer isso, se a Unilever fizer isso… O ideal seria mobilizar os grandes grupos de publicidade que estão em Portugal, as grandes empresas que estão em Portugal, para mostrar o que já existe, as infraestruturas… Porque até existem, mas as pessoas não sabem.
Não?
Não há. Quanto comecei este trabalho no Conselho da Diáspora, há cerca de seis meses, perguntei se existia algum documento, alguns dados da indústria da publicidade, quantos filmes foram filmados, em que condições, exemplos… Não há essa mobilização. Ou seja: eu posso ter um plano, um documento, para mostrar na Heineken ou para fazer uma apresentação num dos boards sobre a competitividade de Portugal nos filmes publicitários? E não há esse documento.
Esteve quatro anos no Brasil e está nos EUA há cerca de três anos. Qual é a opinião sobre Portugal no mercado americano?
O futebol tem ajudado bastante. O facto do secretário-geral das Nações Unidas ser português também ajuda brutalmente. Mas, acima de tudo, existe respeito. Sinto que existe respeito pela Europa. Mas os EUA, em relação ao Brasil, é naturalmente mais aberto à diferença. Tenho quatro filhas e a principal diferença que sentiram ao passar para os EUA foi a abertura. No Brasil, ou fazes parte do grupo ou não estás integrado. O Brasil tem escala, mas não é muito estável. Num ano é para crescer, no outro é para restruturar, portanto nunca há uma certeza ou uma previsibilidade. Nos EUA, o processo de decisão é mais rápido e a previsibilidade também é maior.
A diáspora tem feito um papel que deve fazer?
Eu acho que tem, e tem feito um papel sólido. Existem três tipos de diáspora. Existe a diáspora da geração anterior, pessoas que foram e que agora permanecem no estrangeiro e dificilmente regressarão, existe a diáspora com mais condições, estabilidade, e existe agora uma última diáspora, os jovens… A nova diáspora tem gente muito boa, portuguesa, e é uma coisa que me dá um prazer muito grande, ver o talento português a aparecer. Não só as pessoas que estavam aqui em Lisboa, na Central de Cervejas, como pessoas que acabamos por contratar no Brasil… Nos EUA é um pouco mais difícil, por causa dos vistos de trabalho. Muitas vezes tento, mas não tenho a capacidade legal.
Os portugueses que estão lá fora são sempre orgulhosos do seu país e promovem-no. Mas eu sou um otimista por definição.
Mesmo salvaguardadas as diferenças dessas três gerações, sócio-económicas e políticas, a nova diáspora portuguesa vive Portugal? Sentem-se embaixadores do país?
Acho que se sentem embaixadores, e cito o exemplo do Sérgio Rebelo, professor na Northwestern University. Eu também me fartei de vender aquele fim de semana em que o Benfica foi campeão, o Papa esteve em Fátima e ganhamos a Eurovisão. Os portugueses que estão lá fora são sempre orgulhosos do seu país e promovem-no. Mas eu sou um otimista por definição.
E qual é o futuro do Conselho da Diáspora? Há grupos de trabalho, há um momento particular que é a reunião anual em Cascais no final do ano…
Vejo a evolução da diáspora numa lógica orgânica, e quando digo orgânica, quero dizer com raízes. E as raízes têm a ver com a capacidade de criar valor para o país de uma forma sustentável. Não passa tanto pela dimensão, nem por uma estrutura, nem por resultados só pelo prazer de atingir resultados, mas a capacidade de definir grupos de trabalho que têm a capacidade de se tornarem cada vez maiores com o tempo. Eu quero tentar identificar as barreiras e depois com calma, com os stakeholders corretos, ultrapassar barreira após barreira, para que nos próximos anos Portugal esteja numa posição diferente. Gostaria de ver no papel da diáspora essa lógica de usar estes embaixadores no sentido de desenvolver os vários setores de uma forma sustentável.
O meu sonho é ouvir os realizadores dizerem “Sabe uma coisa? Tive um realizador que respeito muito que ficou muitíssimo agradado com o último filme que fez em Portugal. Porquê? As imagens aconteceram brilhantemente, a polícia estava no sítio, o clima é ótimo, os hotéis eram impecáveis, o transporte… Às 06h00 da manhã, estávamos na rua, não houve problemas, não perdemos máquinas no aeroporto”. Para mim, isso é sucesso. Esse testemunho vai impactar muitos outros realizadores.
Qual é a localização de referência para esta área de produção audiovisual?
A referência acaba por ser Los Angeles. E na Europa, é Praga, porque tem estrutura.
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Nuno Teles: “Portugal pode ser um hub da produção audiovisual”
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