Para o presidente da ANIVEC, César Araújo, o maior problema/desafio do setor do vestuário é a formação dos recursos humanos. E deixa um alerta: "Precisamos rapidamente de formar pessoas".
O presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção (ANIVEC), César Araújo, diz, em entrevista ao ECO, que o maior problema da indústria é a formação dos recursos humanos. Para o empresário, a indústria do vestuário tem “empresas excelentes” para as quais considera não haver concorrência em Portugal. “Os nossos concorrentes são os turcos”, refere.
Sobre Portugal, adianta que tem as melhores condições para se impor a nível internacional, e salienta o cluster do têxtil e vestuário na zona da Famalicão. A gerir uma associação com mais de cinco mil empresas, que representam mais de 100 mil postos de trabalho, e um volume de faturação superior a três mil milhões de euros por ano, César Araújo diz que o “setor está hoje mais organizado” e pronto para continuar a senda do crescimento e da internacionalização.
Está à frente da ANIVEC desde 2015. Como está hoje associação?
A ANIVEC está bem e recomenda-se. Tal como as empresas, teve de se adaptar e de fazer o seu caminho. Neste momento, temos uma aproximação muito grande às empresas, já fizemos um caminho que foi organizar o setor, partilhar conhecimento, conseguir colocar os empresários a falarem uns com os outros. Fazemos também feiras em todo o mundo, através do nosso braço que é o Cenit – centro de inteligência, apoiamos as pequenas empresas a serem grandes e a ganhar músculo e, sobretudo a ganharem confiança para poderem cada vez exportar mais e melhor.
Uma vez feito esse caminho, quais são os próximos passos?
O meu mandato acaba no final deste ano. Ainda não sei se me vou recandidatar. Fiz os quatro anos de restruturação e agora vêm os quatro anos de crescimento do setor.
Não devia haver só uma associação no setor da ITV?
Vamos cometer o mesmo erro que a Europa cometeu? O calçado também tem duas associações, existe a do calçado e dos curtumes, e se olhar para nós existe o vestuário e a têxtil. Portugal está bem, Portugal tem algumas associações, juntando o calçado e os curtumes, temos umas cinco, seis no máximo, com um conhecimento fabuloso. Há espaço para todos, desde que esse espaço seja ocupado com a intenção de crescer e que sejamos todos bem-intencionados. Nada limita que existam vários atores bem-intencionados com um objetivo, e que se relacionem. Há mecanismos de estímulo para ajudar as empresas e é muito mais fácil termos um conjunto de atores com conhecimento que podem ajudar. Agora, se são seis, sete ou cinco, interessa pouco.
Portanto considera que o associativismo continua a ser necessário?
Claro que sim, muitas vezes as pessoas reclamam mas esquecem-se da necessidade do associativismo.
Financeiramente a ANIVEC está bem?
Está bem, obviamente que tivemos de ser mais disciplinados e uma das coisas que foi incutida à associação foi a disciplina da utilização dos recursos. Passámos a fazer mais com menos, mas é muito importante que as pessoas partilhem, adiram ao associativismo e digam que fazem parte deste setor porque não vale a pena estar no setor, reclamar e nada fazer. Eu fui um ator novo, porque era um anónimo, mas que sentia que era importante partilhar, e a mensagem que passo a todos os industriais da indústria do vestuário é que venham ter connosco, venham para a associação, partilhem o conhecimento porque todos juntos temos mais força para conquistar novos mercados.
O caminho ainda passa por encontrar novos mercados ou, pelo contrário, por cimentar os mercados em que já estão?
Passa, sem dúvida, por encontrar novos mercados.
Hoje todos adoram a indústria do vestuário porque, no fundo, o que fazemos é arte.
Como é que o setor inverteu o ciclo, e o vestuário passou de ser um setor moribundo para um setor inovador?
Foi tudo uma consequência das circunstâncias: há 20 anos falava-se do vestuário e tudo fugia, mas a verdade é que as empresas continuaram a trabalhar e hoje todos adoram a indústria do vestuário porque no fundo o que fazemos é arte. Transformámos a matéria-prima num produto que as pessoas usam porque as faz sentir mais vaidosas. Houve sempre um complexo sobre os setores tradicionais e hoje e fruto de um trabalho grande dos empresários inverteu-se o ciclo. Claro que os nossos empresários são hoje mais bem formados, pessoas que viajam, que têm mais conhecimento, não só pela experiência de terem sido obrigados a sair da sua zona de conforto, ir para outros mercados e conquistar novos clientes. E isso foi feito com muito dinamismo e com o mérito dos industriais.
Como é que se faz essa constante aposta na inovação?
Em Portugal, apesar de termos um país pequeno, somos uns privilegiados, porque temos toda a nossa cadeia de abastecimento num raio de 45 quilómetros.
Está a falar do cluster que existe na zona de Famalicão?
Isso mesmo, nós temos um cluster que já funciona muito bem há muitos anos, por isso digo que somos privilegiados nessa matéria.
E o têxtil e vestuário funcionam mesmo com um cluster?
Sim, sim, vou ao fornecedor…
E a concorrência?
Somos muito pequenos para ter concorrentes. O nosso concorrente são os turcos, aqui temos de trabalhar em conjunto e partilhar conhecimento.
Como olha para o movimento de que se fala, de as empresas estarem a deslocalizar para Marrocos para confecionar?
Ir para Marrocos é um negócio, mas não quero falar disso.
Falemos então dos sistemas de incentivos, dos quais é muito crítico.
Não sou crítico. O que digo é que, em Portugal, uma empresa com mais de 250 trabalhadores, num setor tradicional — logo, capital humano intensivo — é comparada com uma Autoeuropa, com um EDP, com uma Galp ou com uma REN. Ou seja, é comparada com players que atuam em monopólio ou duopólio e depois vêm dizer-nos que é uma normativa comunitária. Uma empresa como a Galp tem os seus mecanismos de estímulos ao investimento, vai diretamente aos PIN’S …
Portanto, uma empresa com mais de 250 trabalhadores não pode ser considerada uma grande empresa?
Se uma empresa industrial de um setor tradicional tem mais de 250 trabalhadores, um volume de faturação inferior a 50 milhões de euros e um ativo inferior a 43 milhões, não pode ser considerada uma grande empresa. Não pode ser considerada uma grande empresa apenas pela variável do número de empregados, o que defendo é que têm de ser considerados dois itens dos três. Há complexos com os setores tradicionais, é preciso que todos comecem a olhar no sentido de perceber que são precisos estímulos para a economia, e esses não podem ser só para alguns.
Se uma empresa industrial de um setor tradicional tem mais de 250 trabalhadores, um volume de faturação inferior a 50 milhões de euros e um ativo inferior a 43 milhões, não pode ser considerada uma grande empresa.
Isto é uma crítica para quem? Bruxelas ou Governo português?
O Governo português tem de lutar pelos interesses do país, não são só os interesses dos empresários, são os interesses do país.
O Governo de António Costa não tem lutado pelos interesses do setor?
Não é no setor. O que estou a dizer é que as empresas com mais de 250 trabalhadores estão a ser prejudicadas porque são consideradas grandes empresas quando não o são de facto, é uma concorrência desleal e depois não lhes são dados estímulos. Até parece que ter mais de 250 trabalhadores é irrelevante para o país quando não é, quando temos um país que continua a ter uma percentagem grande de desempregados e é preciso criar empregos. Estas empresas devem ser apoiadas e receber estímulos.
Sejam do têxtil ou de outro setor qualquer?
Qualquer setor, todos os setores que empreguem mais de 250 trabalhadores e um volume de faturação inferior a 50 milhões.
Onde se situa a Calvelex?
Estamos acima dos 250 trabalhadores e abaixo dos 50 milhões de faturação. A maior parte está abaixo desse patamar, poderemos ter algumas acima, mas a maior parte passa só o critério dos trabalhadores.
As empresas continuam a sentir dificuldades de financiamento?
Há mecanismos, a banca está recetiva, acompanha as empresas, mas tivemos vários bancos que, para mal do país, faliram, quando queremos que as nossas empresas cresçam os estímulos têm de permitir que elas cresçam.
Quais são, para o presidente da ANIVEC, os maiores problemas do setor?
Diria que o maior problema centra-se nos recursos humanos. Durante anos ouvimos dizer que o setor estava a morrer, que ia desaparecer logo, as pessoas fugiam da indústria. A formação na área das engenharias têxteis deixou de existir, claro que temos a Modatex e o Citeve para formar quadros para a nossa indústria, mas agora começa a existir uma nova realidade que é a própria logística, uma área onde não existem recursos humanos abundantes. Depois temos também novas profissões que estão a ser criadas como o marketing digital… tudo isto leva a que seja preciso começarmos rapidamente a formar pessoas.
Precisamos de recursos humanos qualificados e temos outro problema que é a sucessão das organizações. Hoje em dia as organizações precisam de se preparar para as novas gerações, a transição que pode ser familiar ou não. Essa é outra das dificuldades que vamos encontrar no futuro.
A formação de recursos humanos é então o maior problema do setor?
É um problema do país. Precisamos de recursos humanos qualificados e temos outro problema que é a sucessão das organizações. Hoje em dia, as organizações precisam de se preparar para as novas gerações, uma transição que pode ser familiar ou não. Essa é outra das dificuldades que vamos encontrar no futuro. Contrariamente ao que se pensava e afirmava, os setores tradicionais não só são indispensáveis como são sexy e melhoram a qualidade das pessoas porque são indústrias amigas, quer das pessoas, quer do ambiente.
Falou em indústria sexy, um título associado ao calçado. O vestuário devia fazer um caminho idêntico ao do calçado?
Todos juntos somos sexy. O calçado fez um trabalho brilhante, conseguiu despertar muito mais cedo e encarar a globalização muito mais rápido. Já as indústrias do vestuário e têxtil demoraram mais um bocado, devido a outras condicionantes. Teve a ver com a abertura de mercados, a forma como nos posicionávamos fora, a maneira como trabalhávamos a nossa imagem, e isso tudo também dificultou o nosso caminho. Repare, quando vai ao têxtil lar é o melhor que há no mundo. É um número reduzido de empresas mas que é excelente: já temos fábricas de tecidos e lanifícios que já são referências a nível mundial. O caminho agora é mais exigente, obriga-nos a um trabalho mais sofisticado, e que teve a ver com muitas condicionantes.
Quem são as maiores empresas desta indústria?
Não consigo responder, o que sei é que temos empresas excelentes, entre pequenas e grandes. Portugal está na excelência da indústria.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Os setores tradicionais não só são indispensáveis como são sexy”, diz o presidente da ANIVEC
{{ noCommentsLabel }}