Paddy Cosgrave: “Seria feliz a fazer o Web Summit o resto da vida”

Nove anos depois do primeiro Web Summit, Paddy Cosgrave faz o balanço do evento, fala de Lisboa, de política e da ingenuidade necessária para fazer as coisas acontecer.

Aos 20 anos achava que seria académico o resto da vida. Já escrevia papers num jornal universitário quando, no final do terceiro ano, percebeu que não era por ali.

Aos 36 anos, e nove anos depois do primeiro Web Summit, Paddy Cosgrave faz o balanço do passado e traça objetivos para a próxima década do evento, cujo cenário será Lisboa. Em conversa com o ECO, o irlandês recorda os primeiros anos da conferência, as críticas das cidades que ficaram para trás, das razões que levaram a que Lisboa lhe “roubasse” o coração e de como a ingenuidade é fundamental para quem quer — como ele quis — começar algo do zero.

O irlandês Paddy Cosgrave mudou-se para Lisboa este ano com a família.Nuno Fox/ECO

Cresceu numa quinta perto da cidade grande. Com que idade teve acesso ao primeiro computador?

A minha casa ficava a 15 quilómetros do centro. Tive o primeiro computador aos zero anos. O meu pai estudou matemática e ciências computacionais numa universidade de Dublin e trabalhou durante algum tempo para uma empresa que agora se chama PwC. Cresceu na cidade mas decidiu mudar-se para o campo e tornar-se agricultor. Fomos viver para o campo mas ele era obcecado por computadores, pela Apple. Então, desde o dia em que nasci, em 1983, que tenho livre acesso a computadores.

Além do meu pai, o nosso vizinho mais próximo era um fã de PC, e eles tinham melhores jogos nos anos 90.

Também tínhamos consolas de jogos: o meu pai importou muito cedo a nossa primeira Nintendo. O ambiente era muito rural, praticamente sem vizinhos, podíamos caminhar entre casas, não precisávamos de andar de carro, mas tivemos internet desde muito cedo. Eu presumo que tenha sido normal: nas duas casas onde eu passava mais tempo — a nossa e a dos vizinhos — eu tinha acesso a esses elementos.

Terá vindo desse contacto o gosto por tecnologia?

Talvez. Na escola aprendíamos a programar a partir dos 12 anos, aos 15 ganhei mais interesse pelo design e, quando entrei para a universidade, descobri pessoas que eram bem melhores programadores do que eu. Eu estava interessado em construir software mas não tinha qualquer ideia do que estava a fazer, de como eu podia realmente fazê-lo. Pus-me então a fazer duas ou três coisas com duas ou três pessoas — que eram realmente bons engenheiros. Eu desenhava o produto que estávamos a tentar desenvolver que, em 2005, era basicamente uma rede social. Trabalhava na altura com um amigo chamado Dave que, no final, construiu uma empresa muito interessante e vendeu-a por muito dinheiro.

Eu estava interessado em construir software mas não tinha qualquer ideia do que estava a fazer, de como eu podia realmente fazê-lo.

Como é que a partir desse projeto aparece o Web Summit?

Licenciei-me em 2006. A primeira versão daquilo que seria o Web Summit em que comecei a trabalhar foi em maio de 2009. Mas a primeira edição do Web Summit foi em outubro de 2010. Um ano antes, tinha começado a fazer pequenos meetups, uma coisa chamada “Lectures Ireland”, que era um encontro informal de founders, com umas 100 pessoas. Foi a partir daí que começou a ganhar forma.

Em junho de 2010 fizemos uma versão pequena do Web Summit e o David, o meu cofundador que vivia comigo na altura, desistiu do trabalho e começou a trabalhar no projeto a tempo inteiro. Começou a crescer a partir daí.

Quais foram as principais dificuldades nessa altura?

Até 2012, a ideia não era tornar a coisa o nosso negócio principal. Isso só acontece quando, em março de 2012, passo a estar a tempo inteiro no projeto. Ainda assim, só uns meses depois, em agosto, conseguimos passar a ter um salário decente.

Às vezes, os melhores negócios começam como uma paixão, um hóbi, e transformam-se em negócio. Isso significa que o teu coração continua lá por muito tempo, que estás fascinado por essa coisa. Um dos meus amigos é desenhador de carros, é isso que ele faz e é essa a paixão dele. Nunca se vai aborrecer de o fazer. Para ele não é um negócio, é só a sua paixão. Tal como o Web Summit para mim é uma paixão. Seria feliz em fazê-lo para o resto da minha vida.

O Web Summit para mim é uma paixão. Seria feliz em fazê-lo para o resto da minha vida.

O que apaixona: pôr pessoas em contacto, determinados temas, construir uma agenda, a tecnologia como um todo?

Tenho várias paixões. Juntar pessoas é uma delas. Novas coisas, novidades, também. É incrível ter, por exemplo, o presidente da Microsoft a vir ao evento a cada ano, e ele gostar de vir. Eu gosto que venha. Mas acho também que estas pessoas estão interessadas em saber o que vem a seguir, tal como eu. E isso muda todos os anos.

Nem toda a gente que vem ao Web Summit quer saber de pequenos stands, de muitas notícias comunicadas em press releases, de muitas pequenas empresas a quererem chamar atenção. Mas pessoas como os responsáveis da Uber, da Stripe ou da Dropbox, todos começaram assim, até o Bill Gates ou o Steve Jobs. Os tipos da Google não começaram numa mega sede, começaram numa garagem. Eu continuo interessado na próxima novidade, adoro conhecer empreendedores de diferentes partes do mundo.

Na semana passada encontrei-me com o Presidente português e impressionaram-me duas coisas: a primeira é que, da primeira vez que houve o encontro, em 2016, a maioria das pessoas que estavam eram homens e portugueses. Este ano, talvez metade fossem mulheres e um terço estrangeiros. Eles consideram que Portugal é um bom sítio para fazer crescer uma empresa. É interessante falar com algumas pessoas, que dizem que em Portugal não é possível fazer nada. Todas estas pessoas, vindas de diferentes partes do mundo, dizem… “okkk, como queiras”.

Isto é um “efeito Web Summit”?

É uma combinação de coisas, ainda que ache que isso importa. Se leres o Financial Times, ou o The New York Times, todos escrevem que Portugal é a Califórnia da Europa. Falando com a CTO da Cloudflare, por exemplo, eles estavam a olhar para várias localizações, têm um processo rigoroso de seleção e tinham várias cidades que consideravam para instalar o escritório. Mas o CTO da empresa veio com a mulher a Lisboa, e ficaram de boca aberta com a cidade. Acharam Lisboa muito agradável.

Lisboa é um bom sítio para criar um negócio?

Há uns anos, ouvia queixas sobre o demasiado dinheiro gasto em universidades e o número excessivos de engenheiros computacionais formados nas universidades portuguesas. Mas acho que essa tornou-se uma das razões para que muitas empresas europeias abram escritórios tecnológicos, e não só atendimento ao cliente, em Portugal. Tem a ver com uma oferta superior às necessidades durante alguns anos. Estas pessoas vêm e trabalham para empresas como a Cloudflare, que tem sede em Silicon Valley, o CTO a viver em Lisboa e a fazer a partir de Portugal desenvolvimento tecnológico core. Estes são os tipos de pessoas que vivem e criam a próxima onda de empresas, do meu ponto de vista.

Como foi, pessoalmente, deixar Dublin e vir para Lisboa?

Foi muito difícil, como uma história de coração partido. Nunca pensei que pudesse sair de lá, um dia, mas teve de ser. As condições que a cidade oferecia não eram suficientes para crescermos, Mas deixar a cidade foi muito difícil para nós por vermos que era muito difícil ao Governo responder às nossas questões. Eu podia reunir-me com pessoas em Downing Street mas nunca com aquelas.

"(Deixar Dublin) foi muito difícil, como uma história de coração partido.”

Há muita gente que me pergunta sobre uma espécie de cansaço em relação a Portugal. Os jornais internacionais falam do país, das startups, de Lisboa como uma “startup capital”, e essas pessoas diziam que era um bocado exagero, que parecia uma piada.

Acho engraçadas essas conversas porque, na minha cabeça, no momento em que lidávamos com propostas diferentes de países de França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Espanha, o pressuposto de Espanha era “vamos assinar um cheque maior”. Na verdade, eles estavam tão confiantes que chegaram a vir políticos falar a público e dizerem que o Governo ia assinar um cheque de 107 milhões. Os políticos não vêm a público e dizem isto normalmente, com medo de depois ficarem envergonhados.

Face a uma proposta financeira tão elevada, o que vos fez optar por Portugal?

Primeiro, essa assunção da parte de Espanha de considerarem que, como já faziam uma série de grandes eventos mundiais, a nossa escolha em relação a eles seria mais ou menos natural. O que eu pensei foi que num país pequeno como Portugal, a marca do Web Summit fazia sentido porque a nossa marca não é uma marca muito corporate. Em última análise, o Web Summit é um evento de startups, e isso tem a ver com Portugal.

Deixámos um país mais pequeno como a Irlanda por um país um pouco maior, e isso doeu. Como não fui para Espanha, eles nunca irão perdoar-me. Mas não foi só o dinheiro. Não escolhemos a maior proposta, havia uma proposta 50% maior em cima da mesa. Escolhemos a proposta mais baixa.

Porquê?

Por um conjunto de razões. Tem a ver com o espírito do evento e com o facto de achar que, se fossemos para uma das cinco maiores economias da Europa, todas elas já teriam maiores eventos. Nós seríamos um das dezenas de eventos importantes que eles teriam num ano. Se quiséssemos fazer algo, ter desafios particulares, seríamos uma das 100 prioridades. No caso de Portugal, somos um na pequena lista de eventos importantes, isso traz vantagens. Se houver um problema ou um desafio, é facilmente solucionado.

Por exemplo, o aeroporto é fantástico. Imagina o que seria ter um problema no Charles de Gaulle, e eles diziam-me para ir dar uma volta. Ou diziam “desculpe, temos uma greve”. E isso acontece em vários elementos do evento.

Costuma dizer-se que é melhor o diabo que conheces do que o que não conheces e, na época das decisões, foi interessante ver os movimentos enormes de grandes governos como o de Pedro Sanchéz, mas… Gosto da humildade de Portugal, eu também venho de um país pequeno. E argumentos como “se fazem isso em Portugal, imagina o que poderiam fazer num país com um PIB seis vezes superior, como o caso de Espanha” são sempre apontados. Parece que pode ser ilógico no curto prazo, mas acho que, em termos de marca, foi a coisa certa a fazer.

Na altura, tivemos também de escolher entre Amesterdão e Lisboa, e fazia-nos sentido ir para um país do norte da Europa, mas houve algo em relação a Portugal, estava a acontecer qualquer coisa: o país vinha de vários anos difíceis, muitas pessoas eram a favor mas algumas estavam reticentes porque havia muita gente nova a deixar o país. Era o caso em 2015. Agora, muitas vezes voo de Londres para Lisboa, e conheço pessoas que trabalharam na cidade durante os últimos oito anos mas estão felizes por voltar para trabalhar aqui. É um momento completamente diferente. É o mesmo país mas um momento diferente.

Em 2015, o plano era diminuir a distância entre políticos e gente normal em geral. Continua a ser a vossa estratégia?

O que é interessante neste momento é que tanto políticos nacionais como internacionais, cada vez mais, estão a perguntar-se se será o momento certo, oportuno, para inovação. Temos também empresas inovadoras que são agora tão grandes que estão a diminuir a sua capacidade de inovação para as empresas mais recentes. E isso não era tão claro em 2015. Nessa altura os temas giravam mais à volta do que os países europeus podiam fazer para aumentar o investimento em capital de risco. Agora há uma abordagem mais profunda que tem a ver com concorrência, impostos — que é um tema vasto e de extrema importância –, privacidade. Estes temas ocupavam pouco espaço em 2015.

Vestager, Zuckerberg… todos eles fazem manchetes habitualmente…

Sim, de repente temos o Facebook a responder ao Congresso. Eu não acho que o Mark Zuckerberg seja má pessoa mas é muito difícil defender as políticas de privacidade do Facebook, sinto-o preso num mau lugar. É uma pessoa decente, mas a empresa está num lugar complicado. A presença da Margrethe Vestager também é uma consequência disso: ela é uma das políticas mais importantes do mundo, atualmente, porque nos mostrou posições significativas de liderança, e tem estado a partir daí a seguir políticas importantes nessa área.

Em 2017, o evento em Lisboa deu lucros de três milhões à empresa organizadora. Quais são os planos de crescimento da Web Summit nos próximos anos?

O evento em Toronto já é grande, e acho que vai crescer bastante nos próximos anos. O nosso objetivo é que, em 2023, possa ter o mesmo tamanho do Web Summit de 2018.

Querem 70 mil pessoas (o que seria duplicar a participação atual)?

Há várias métricas, e muitos expositores tiveram mais espaço no Collision 2019 do que no Web Summit em 2018. A situação perfeita para os participantes é que haja muito espaço, lugares para se sentarem em cada palco. Mas os expositores querem mais. O ideal para eles é ter muita, muita gente. Por isso temos ainda um enorme trabalho para fazer no Collision mas vejo boas perspetivas de futuro. O Rise está a correr bem, a China continua muito interessante, o chairman da Huawei vem este ano, é muito entusiasmante.

Se realmente soubesses o quão arriscado era perseguir determinadas coisas, talvez nunca o fizesses.

Relativamente à empresa, há planos para um IPO?

Nos últimos anos, alguns dos maiores investidores no mundo quiseram pôr dinheiro no Web Summit e eu disse-lhes que não. Quase todos os empreendedores com quem falo me dizem dizem que continuar independente garante foco para uma visão mais a longo prazo. Se há investimento de fora, essas pessoas querem o dinheiro de volta a três, cinco, sete anos. Mas isso requer comprometer a visão durante algum tempo. Queremos continuar a trabalhar assim, manter a nossa liberdade.

O escritório de Lisboa abriu há dois anos. Em setembro anunciaram abertura de um segundo escritório português, no Porto. Vão agora, na capital portuguesa, mudar-se para um escritório maior. A ideia é continuar a crescer?

O escritório que tínhamos até agora em Lisboa não era particularmente grande para as 15 pessoas que temos. O plano era ir para o Beato em 2016, mas não estava pronto. Depois tentámos mudar em 2017, e também não estava pronto. E, depois em 2018, e não estava pronto. Aqui temos espaço para crescer, está perto da estação de metro, olhámos para vários espaços, mas este tem as características ideais para aquilo que precisamos agora. Planeamos crescer este ano. E, na empresa total, já somos 246 pessoas.

Web Summit assinala este ano a 9.ª edição. Terá mais nove em Lisboa, depois do evento deste ano.Nuno Fox/ECO

O que é que o Paddy de hoje diria ao jovem Paddy de 15 anos?

Que a ingenuidade tem um papel tão importante na vida, muitas vezes. Se realmente soubesses o quão arriscado era perseguir determinadas coisas, talvez nunca o fizesses. Acho que muitos empreendedores, e muito da vida, tem como base essa ingenuidade, instinto e paixão. E claro, depois ou tens sorte ou não, e a tua vida toma determinados caminhos.

Por exemplo, na tua carreira, se escolhes uma profissão mais clássica, como advogado ou médico, o caminho é bastante claro. Mas para uma série de outras profissões, nunca se sabe o que se vai fazer. Não sei o que o Paddy de 36 diria ao Paddy de 15. Talvez algo relacionado com as coisas pelas quais sou apaixonado.

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