Arranca esta quarta-feira o 28º Congresso da Hotelaria e Turismo. Em entrevista, o presidente da Associação da Hotelaria de Portugal faz a antecipação do evento e fala sobre o que tem marcado o setor.
O presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) considera que o Orçamento do Estado para 2017 é equilibrado, mas esperava ver mais incentivos ao investimento. Reconhece que há uma relação próxima e cara a cara com a secretária de Estado do Turismo, mas espera dela mais medidas, sobretudo na regulação do alojamento local. Está satisfeito com os números alcançados este ano pelos operadores do setor, mas quer mais — preços mais altos, especificamente.
Em entrevista ao ECO e, no dia em que arranca o 28.º Congresso da Hotelaria e Turismo, desta vez nos Açores, Raul Martins partilha a sua visão sobre os assuntos que estão a marcar o setor.
Que avaliação faz do Orçamento do Estado para 2017?As medidas do Orçamento do Estado não trazem alterações significativas especificamente para o turismo, a não ser a que está relacionada com o alojamento local, que vai fazer com que a tributação suba para uma taxa de 15,75%. Este é um valor, ainda assim, abaixo do que é exigido ao arrendamento urbano, mas também percebemos que não possa ser igual. O Governo foi cauteloso nessa situação.
Parece-lhe uma alteração justa?Pode haver proprietários que voltem a preferir o arrendamento ao alojamento local.
Parece-me correta. Vem, de alguma forma, reduzir as vantagens do alojamento local e dar alguma transparência ao mercado. O alojamento local é mais intenso em determinada altura e o arrendamento é todo o ano. Agora, pode haver proprietários que voltem a preferir o arrendamento ao alojamento local, que é intermitente e menos seguro, ainda que tenha mais rentabilidade.
E que avaliação faz das medidas dirigidas às empresas?O Orçamento é insuficiente quanto ao investimento. Não há incentivos ao investimento. Gostaríamos que tivessem mais significado os incentivos relativamente ao IRC ou que os novos investimentos pudessem abater no IRC. Há, mesmo assim, uma medida que já traz alguma compensação, que é a remuneração do capital social [benefício fiscal que permite às empresas deduzir aos lucros tributáveis uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social]. É uma medida salutar, para que o imposto do IRC não caia muito sobre as empresas que estão descapitalizadas. Como se sabe, as empresas de turismo estão ainda mais descapitalizadas do que as restantes empresas em Portugal. A autonomia financeira das empresas do setor não financeiro é 30%, mas a das empresas do turismo é 24,8%.
Devia ter havido um pacote de incentivos específico para o turismo?O Orçamento é insuficiente quanto ao investimento. Não há incentivos
Não, o turismo, nesse aspeto, encaixa-se. Há um programa para capitalização das empresas a que as empresas podem recorrer e o turismo também. Não vemos é aqui um mérito ao investimento. A hotelaria é um setor de capital intensivo. E não está a ser dado o mérito a esse capital intensivo, a não ser nesta situação que referi, que é diminuta. Nem os juros podem ser deduzidos quando ultrapassam um milhão de euros, o que, com as taxas que existem, significa que só podemos andar a fazer pequenos hotéis. O small is beautiful é uma característica e daí não vem mal ao mundo.
Claro que há outras coisas no Orçamento do Estado para as quais olhamos e sobre as quais temos as maiores dúvidas. As despesas com pessoal, por exemplo. Não acreditamos, sinceramente, que sejam as que estão na proposta. Gostávamos muito que assim fosse, achamos que reduzir as despesas é um objetivo muito saudável, mas não sabemos como é que o Governo vai conseguir fazê-lo. É um Orçamento equilibrado, que não cria grandes desequilíbrios, mas temos de produzir mais riqueza e, para produzir mais riqueza, temos de ter investimento.
O Fórum da Competitividade assinala que nós, com falta de recursos financeiros, teremos que ter mais investimento estrangeiro. Certamente. Para isso, é preciso atrair e é preciso estabilidade fiscal. Quando a Autoeuropa se instalou em Palmela, garantiu condições que não são alteráveis com os Orçamentos. É isso que era importante que houvesse no turismo. A nossa preocupação é que o turismo pode ser o motor do desenvolvimento do país, mas é preciso criar condições de estabilidade, nomeadamente na área fiscal e nos incentivos.
Também estamos preocupados com a possibilidade de, a nível do endividamento face ao PIB, não conseguirmos acertar o passo, como a União Europeia nos pede. Temos, na hotelaria, alguns sinais de que o investimento, nomeadamente através dos vistos gold e da venda de ativos, se processa, e isso vai ter significado na balança de transações. Mas continuamos a ver que a banca portuguesa não tem capacidade para investimentos de longo prazo.
Quais têm sido as alternativas à banca?A banca não tem capacidade para investimento de longo prazo.
Capitais próprios. No fundo, nascem hotéis pequenos, com capitais próprios e com alguma situação de capital dos bancos, mas que nunca pode atingir grandes prazos. Ficámos muito agradados, por exemplo, com o protocolo que fizemos com o Ministério da Economia e com os bancos, para requalificação dos hotéis, que é muito importante para o setor.
Dos 60 milhões disponíveis nessa linha de financiamento, quanto já foi atribuído?Cerca de 50% do montante já tinha sido atribuído a 2 de setembro. E pensamos que, até ao final do ano, vai ser completamente consumido. O que certamente vamos pedir ao Ministério da Economia é que, para o ano, haja mais dinheiro, porque a requalificação dos hotéis é muito importante. Há hotéis novos, de facto, mas há muitos hotéis antigos que precisam de ser renovados, desde o Algarve até à Madeira. Não estamos muito preocupados que o Compete só tenha aprovado 8% do montante global para o turismo. Estamos minimamente preocupados, mas não muito, porque aí há muita exigência quanto à inovação e, às vezes, os agentes que analisam as propostas não são capazes de avaliar a inovação. Se dissermos que temos um hotel em que a elaboração da cozinha é feita pelo hóspede, se calhar os agentes que analisam os projetos não vão considerar que isso é uma inovação. E isso é uma inovação.
Já passou um ano desde que o atual Governo tomou posse. Que avaliação faz?A TripAdvisor tem um caminho que não é saudável para o turismo.
Temos um diálogo muito ativo com a secretária de Estado do Turismo, temos uma relação muito cara a cara, o que não quer dizer que ela considere que as nossas opiniões são sempre as corretas. Podemos começar pela primeira medida que foi prometida, que foi a reposição das estrelas nos hotéis. Era uma coisa que vinha do anterior governo e era tão errada, tão errónea.
Não nos podemos basear pura e simplesmente nas avaliações dos sites que avaliam os hotéis. Há algumas classificações feitas por quem utilizou o hotel. Mas há outras feitas por quem não lá esteve. Qualquer pessoa pode emitir uma opinião, mesmo não tendo estado lá. Isto é um absurdo e devia ser proibido. A TripAdvisor tem um caminho que não é saudável para o turismo. Estão a forçar a situação, ao exigirem que um hotel tenha muitas classificações, boas ou más, para aparecer com maior destaque. Até existem, às vezes, situações de concorrência desleal, em que um hotel da concorrência vai dizer mal do outro.
Alertámos também a secretária de Estado para o aspeto da tributação no alojamento local, mas também para o aspeto da regulamentação. E esperamos que, até ao final do ano, a secretária de Estado tenha pronto um diploma referente a isso.
O que espera ver nesse diploma?O alojamento local não pode instalar-se num edifício sem autorização.
Há algumas situações que consideramos que não são convenientes para a relação que deve haver entre o turista e o habitante. O alojamento local, para estar num edifício, não tem de ser autorizado. E há hoje relações de conflito, porque quem vai para o alojamento não tem as mesmas horas, não tem as mesmas práticas.
No ano passado, disse que ia propor que os condóminos tivessem de autorizar a existência de um alojamento local num edifício. É isso que espera ver nesse diploma?Pedimos à Universidade Nova um estudo sobre esta situação e o parecer diz que, face à lei atual, o alojamento local não se pode instalar num edifício sem autorização. Vamos entregar esse estudo à secretária de Estado, que fará dele o uso que melhor entender.
Espera ter novidades até ao final do ano?Penso que ela já tem uma equipa a trabalhar nisso que, certamente, vai permitir decidir essa situação.
Que outros aspetos do trabalho do Governo destacaria?As estatísticas em Portugal são umas coisas mais ou menos nebulosas.
Há uma coisa que nos preocupa e da qual temos vindo a falar, que são as estatísticas do turismo em Portugal. Quem vem, o que quer, como quer. As estatísticas em Portugal são umas coisas mais ou menos nebulosas. São insuficientes. O nosso ranking é péssimo nesse aspeto, ocupamos o lugar 87 no conhecimento dos mercados emissores. Isto quando, no ranking de competitividade do turismo, somos o 15º. No ranking de competitividade nacional, o país é 38º. Ou seja, somos muito competitivos, mesmo com esta situação de não termos informação. Se tivéssemos a informação, estávamos, com certeza, mais acima. E temos insistido para isso.
A formação também é algo que preocupa a secretária de Estado e ela tem tomado medidas em relação a isso, até com o incentivo à reabertura de algumas escolas e de programas de hotelaria. O problema é que os colaboradores não querem fazer formação sem terem uma contrapartida, isto é, querem que lhes paguem o tempo, e têm razão. Há aqui uma articulação que tem de se fazer, para que haja uma comparticipação entre as entidades patronais e a secretaria de Estado do Turismo apoiar essa formação.
Quanto é que isso custaria à Secretaria de Estado?Não temos ideia, ainda não fizemos os cálculos. Mas defendemos que a Secretaria de Estado deve ter uma linha de apoio para estas situações.
Qual é o balanço deste ano e quais as perspetivas para o próximo?Consideramos que foi um bom ano. Finalmente, em 2016, ultrapassámos todos os índices de 2007, que tinha sido o melhor ano turístico de Portugal. Incluindo o preço médio, que era o único que faltava.
Pode dizer-se que é o melhor ano de sempre?É. Não sei se o ano do Euro e da Expo, em termos relativos, não foram melhores, mas essas são duas situações com eventos que não são comparáveis. Num ano normal, este é o melhor e a nossa expectativa é que 2017 seja melhor do que este ano. Agora, estamos muito focados e muito interessados em que a média de ocupação do país, que andou pelos 65%, aumente, porque as regiões principais andaram na ordem dos 75% de ocupação média.
Está satisfeito com esse número?Aquilo que oferecemos permite continuar a aumentar o preço.
Estamos satisfeitos. O que havemos de dizer agora aos nossos associados é que o preço tem de ser melhorado. Temos condições para isso. Aquilo que nós oferecemos em comparação com outros destinos permite continuar a aumentar preço e estamos sempre a incentivar os nossos associados para isso. Uma forma de melhorar preço é a promoção em sites. Sabemos que as comissões são elevadas, mas é a forma, muitas vezes, de colocar os hotéis no mapa. E há hotéis em Portugal que ainda não têm um site próprio, que têm uma dependência muito grande dos sites de promoção. A AHP vai avançar agora com a construção de uma plataforma para os hotéis de Portugal. Temos o apoio do Turismo de Portugal para montarmos essa plataforma, que, certamente, não vai ter os custos que têm os outros sites, porque não é um investimento feito com o objetivo de lucro.
Como se vai chamar?O nome ainda não está fechado.
E a data?Pensamos que, até ao final do próximo ano, teremos isso pronto. Já está encomendado e está adjudicada a sua construção.
O que podemos esperar do Congresso da Hotelaria e Turismo deste ano?Começamos por uma visão política da vocação atlântica de Portugal. O olhar para o Atlântico como centro de determinado espaço económico, que tem sido utilizado, nomeadamente com as rotas da TAP para o Brasil, coloca-nos não no extremo da Europa, mas no meio do Atlântico. Esta nova situação da TAP, com o aumento de ligações aos EUA e ao Canadá, também é positiva.
Que avaliação faz da estratégia que está a ser desenhada pelo novo acionista da TAP?A estratégia da TAP, quanto a nós, está correta. Os EUA e o Canadá são um mercado que a AHP vem reclamando como sendo muito importante. Os americanos têm sempre, de uma forma geral, uma certa admiração pela sua história da Europa, e por tudo o que se passa à volta da história. E nós sentimos que se perdeu esse mercado há alguns anos. Há 30 anos, os EUA eram um mercado importantíssimo para nós. Mas, se não houver ligações aéreas, não podemos ter os americanos cá. A relação que a TAP tem em todos os EUA pode também trazer gente de todo o lado. Isso é muito importante para Portugal, porque este é um mercado de qualidade e com mais poder económico do que outros.
Ou seja, são opções corretas do novo acionista.No final, a TAP ficou mais confortável tendo um sócio Estado.
Certo. Achamos que a privatização da TAP foi crucial e é crucial. Ainda que haja uma gestão partilhada com o Estado, essa solução tem mais vantagens do que inconvenientes. No final, a TAP ficou mais confortável tendo um sócio estado.
O Congresso vai decorrer nos Açores, região que está numa altura muito interessante, com a entrada das lowcost. Consegue fazer a avaliação desse impacto?O primeiro reflexo tem que ver com a ocupação. De 2012 para 2015, a ocupação da hotelaria passou de 45% para 55%. Em quatro anos, subiu bastante, graças à liberalização do espaço aéreo. Finalmente, o Governo dos Açores teve essa visão. E essa visão é semelhante àquilo que se passa com Portugal. As lowcost permitem viagens a preços reduzidos que nos tornam num destino mais concorrencial. Hoje, vir de Berlim para Portugal custará a mesma coisa, ou menos, do que ir de Berlim para Paris. E como nós, à partida, somos mais baratos em termos de instalações, as pessoas vão começar a repartir mais as escolhas.
Voltando ao Congresso, o que podemos esperar mais?Temos a parte económica. Temos de ter a visão de que as cadeias hoteleiras portuguesas podem crescer e até podem crescer para o exterior mas, para isso, têm de fazer ligações com outras cadeias ou, cá dentro, tornarem-se maiores. Small is beautiful, mas, em termos de dimensão económica das empresas, é ao contrário. As empresas, quanto maiores forem, mais capacidade de negociação têm e melhor serviço podem oferecer. Depois, vamos abordar as novas tendências de consumo na hotelaria e na restauração. Há muitos hotéis novos que se querem criar e cujos fundadores perguntam ‘o que é que nós devemos fazer aqui?, que tipo de inovação, que tipo de tema devemos trazer?’ Vamos ter cá especialistas que vão dar exemplos de novos conceitos que têm criado e abrir a cabeça dos hoteleiros portugueses, para dizer que continua a haver novas ideias que são possíveis.
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Raul Martins: “O turismo pode ser o motor do país, mas precisa de estabilidade”
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