Ricardo Cabral critica Banco de Portugal por criar provisões "sem fundamento". O economista do grupo de trabalho sobre a dívida diz que o cenário internacional do relatório é otimista.
Em entrevista ao ECO, o vice-reitor para a área financeira da Universidade da Madeira argumenta que o Banco de Portugal tem fundos “robustos”, não existindo “fundamento” para a polémica das provisões. Ricardo Cabral rejeita a ideia de consignar os dividendos ao alívio da dívida, preferindo que sejam usados para aliviar o esforço orçamental. O economista, membro do grupo de trabalho sobre a sustentabilidade da dívida, admite que o cenário internacional subjacente ao relatório é otimista, mas apenas porque é esse o pressuposto do Tratado Orçamental. Para Cabral as agências de rating não olham para o preço da dívida, mas sim para o apoio político a Portugal.
O Presidente da República disse que era bom haver uma almofada no Banco de Portugal, argumentando que essa é uma prevenção perante um possível aumento de juros. Este argumento faz sentido tendo em conta que os títulos são valorizados ao custo amortizado e não são reavaliados a preços de mercado?Parece-me que o Presidente da República, não se referia a uma questão tão técnica, que tem a resposta que indica. O comentário do Presidente da República julgo que reflete a sua preocupação com eventual insuficiência de capital do Banco de Portugal, dada a polémica entretanto suscitada sobre o tema. O Banco de Portugal tem níveis de fundos próprios robustos. Tem provisões acumuladas de exercícios anteriores de mais de 4 mil milhões de euros. Por conseguinte, parece-me que não há fundamento para a polémica. O grupo de trabalho apenas recomendou alterações à política de constituição de provisões para o futuro.
Se a taxa de juro a que os mercados estão a comprar e a vender dívida portuguesa aumentar para lá dos 4%, isso não põe em causa a estabilidade do Banco de Portugal caso este tenha uma política de dividendos mais generosa?O Banco de Portugal tem níveis de fundos próprios robustos.
Não. A dívida pública portuguesa é detida pelo Banco de Portugal até à sua maturidade. Acresce que essa dívida remunera o credor (Banco de Portugal) com taxas de juro elevadas todos os anos pelo que o Banco de Portugal obtém rendimentos anuais com juros elevados todos os anos.
O relatório foca-se no problema da dívida externa e pública. Não seria mais eficaz utilizar os dividendos do Banco de Portugal para aliviar o peso da dívida em vez de ser utilizada como receita do Estado para o défice?O dinheiro é fungível. Por conseguinte, se for ao défice, vai também à dívida. E é isso que ocorre nos outros países da Zona Euro, isto é, os dividendos do banco central de todos os países membros da zona euro vão sempre ao défice, nos casos em que o banco central é público, desde que os dividendos não excedam os resultados operacionais do banco central, de acordo com as regras do Eurostat.
Por outro lado, o consenso do grupo de trabalho é que o Tratado Orçamental obriga a saldos primários excessivos nos próximos 10 a 15 anos, que comprometem o desenvolvimento económico, social e político do país. Por conseguinte, é bom que o país disponha de medidas que permitam aliviar o mais possível a austeridade e mesmo assim cumprir as regras do Tratado Orçamental.
No relatório argumentam que essa medida é estrutural. Sabendo que o programa de compras do BCE é temporário, porque considera a medida como estrutural?O dinheiro é fungível. Por conseguinte, se for ao défice, vai também à dívida.
É estrutural porque se aplica à política de provisões do Banco de Portugal, que afeta não só os resultados gerados pelos títulos detidos no âmbito do programa de compras do BCE, mas também os resultados operacionais e extraordinários do Banco de Portugal. Ou seja, se, concluído o PSPP [programa de compra de dívida pública do BCE], o BdP registar resultados operacionais positivos com a sua atividade como banco central, poderá constituir provisões para riscos gerais, mas só se devidamente fundamentados. Se não constituir essas provisões para riscos gerais — porque não tem fundamento para tal –os resultados antes de impostos do BdP passam a ser mais elevados. O BdP pagaria nesse cenário mais impostos e mais dividendos.
As provisões eventualmente deixam de se justificar quando a dívida adquirida pelo BdP vencer. Não é mais prudente do ponto de vista da capitalização do banco central do país esperar até esse momento para receber essas provisões como dividendos?Suponho que o Banco de Portugal já alterou a sua política em relação às provisões para riscos gerais e parece-me que se está a criar polémica onde ela verdadeiramente não existe. Não se afigura correto o argumento que seria mais prudente esperar para receber essas provisões. Primeiro, de acordo com as regras do Eurostat, há um efeito nas contas públicas. A constituição de provisões para riscos gerais tem um efeito desfavorável no défice (saldo orçamental) nos anos em que são constituídas. Mas no ano em que são revertidas provavelmente não resultam numa melhoria do défice num montante idêntico, porque o Eurostat só aceita contabilizar dividendos que não ultrapassem o valor dos resultados operacionais do banco. Portanto, logo nesse aspeto importante, não é a mesma coisa.
A constituição dessas provisões para riscos gerais afeta a transmissão da política monetária, decidida pelo BCE, a Portugal.
Por outro lado, as provisões estão a ser constituídas em relação a títulos detidos para efeitos de política monetária, política monetária essa decidida pelo Conselho do BCE. A constituição dessas provisões para riscos gerais afeta a transmissão da política monetária, decidida pelo BCE, a Portugal. Algo que deve ser evitado, particularmente porque não existe fundamento para constituir provisões em relação à dívida pública portuguesa, nem faz sentido que o Banco de Portugal o faça. Ao fazer essas provisões, aliás, o BdP estaria a dar sinal aos mercados que a dívida portuguesa é arriscada, o que não faz sentido.
Não vê nenhum risco na diminuição dos estímulos do BCE, no aumento da taxa de juro pela Fed, no aumento do protecionismo ou os resultados de eleições que ponham em causa o euro e, por isso, abanem os mercados?Não posso falar pelo Grupo de Trabalho, mas a minha opinião é a seguinte. O cenário base do Tratado Orçamental, que considera condições benignas – taxas de juro baixas e taxas de crescimento moderadas, nenhuma crise financeira internacional grave – obriga a um esforço de consolidação orçamental, ao longo de cinco décadas, que não se afigura sustentável. Por isso, o Grupo de Trabalho propõe a reestruturação de dívida para tornar a dívida económica, social e politicamente sustentável. Assim, não faria sentido considerar um cenário internacional ainda pior. O cenário base – otimista, como referi – já se afigura impraticável.
Não considera o risco de o IGCP, ao emitir em maturidades mais curtas, pressionar a procura de financiamento e o juro subir, além de deixar Portugal mais dependente dos investidores?Não faria sentido considerar um cenário internacional ainda pior.
Afigura-se que a opção das autoridades entre 2013 e 2016 foi excessivamente avessa ao risco de refinanciamento. Há sempre um trade-off entre risco de refinanciamento e o aumento da taxa de juro implícita da dívida. Para tornar a dívida sustentável é fundamental reduzir a taxa de juro implícita da dívida. O facto é que o aumento da maturidade média residual resulta num aumento da taxa de juro implícita média da dívida em algumas décimas e, por conseguinte, na redução da sua sustentabilidade. A sua diminuição obriga a um pequeno aumento das necessidades de refinanciamento em cada ano, como se pode constatar no relatório. No entanto, o volume a refinanciar nos mercados nos próximos 15 anos é menor porque uma parte significativa da dívida direta do Estado são empréstimos de longo prazo das instituições europeias.
Não tem receio que essa medida possa pesar em futuras decisões de agências de rating, cuja melhoria da classificação é essencial para que os juros desçam?Para tornar a dívida sustentável é fundamental reduzir a taxa de juro implícita da dívida.
As agências de rating têm os seus próprios critérios para tomar essas decisões, e não será esse o determinante fundamental. O determinante fundamental é de natureza política, depende da perceção do apoio que o país de facto merecerá dos restantes países membros da Zona Euro, se vier a enfrentar dificuldades. O certo é que me parece que qualquer agência de rating apreciaria favoravelmente o facto de, pela primeira vez, Portugal analisar em detalhe os benefícios e custos de uma decisão sobre a maturidade média residual da dívida.
Na passada terça-feira foram divulgadas as compras de dívida do BCE e nunca o banco central europeu comprou tão pouco como em abril. Com o terminar do programa de estímulos é expectável que os juros subam. O BdP não deveria ter isso em conta nas suas provisões?O BCE e o BdP compraram pouca dívida pública porque a República Portuguesa dispõe de pouca dívida pública titulada transacionável, e BCE e BdP já adquiriram quase toda a dívida que podiam adquirir de acordo com as regras do programa de compra de ativos do setor público (PSPP) do BCE. As regras do PSPP limitam as compras da dívida a 33% desse tipo de dívida.
O BCE e o BdP compraram pouca dívida pública porque a República Portuguesa dispõe de pouca dívida pública titulada transacionável.
O relatório do grupo de trabalho sugere que o IGCP emita mais dívida pública titulada ainda este ano de forma a que o BCE/BdP possam adquirir a percentagem da dívida pública portuguesa a que Portugal tem direito de acordo com a sua quota de capital ajustada no BCE. As taxas de juro têm vindo a cair recentemente, não a subir.
Estão a ser equacionadas várias medidas para aliviar o peso da dívida grega . O grupo de trabalho discutiu a possibilidade de transferir a dívida do FMI para o fundo de resgate europeu?Não discutiu.
Faria sentido também envolver o BCE na questão dos dividendos?Os lucros são relativos à dívida adquirida no âmbito do “Securities Market Programme”. Teria algum impacto, mas esta opção não foi considerada pelo Grupo de Trabalho.
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Ricardo Cabral defende provisões zero do Banco de Portugal para a dívida pública
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